quinta-feira, 21 de agosto de 2008

O LAMENTO DA BORBOLETA


Descobri, sem muita demora, que você é uma borboleta. Isso, uma Borboleta. E pelo menos até hoje, a minha Borboleta. Mas uma especial, vermelha, misteriosa, inquieta, impaciente, que quer polenizar todas as flores, e voar por cada centímetro do jardim, e voltar, e pousar, e voar de novo, sempre com o desesperado desejo de ir embora. Uma Borboleta especial, porque nunca foi lagarta, porque nunca foi feia, porque nunca foi incompleta. Uma borboleta perfeita, uma perfeita Borboleta, na sua arte de me encantar, quando te vejo à minha janela ensolarada, ou nos teus pedidos velados de ajuda, sob minha janela chuvosa. E eu estou sempre ali para estender a mão e te cuidar delicadamente ou para que você simplesmente pouse nela para eu te admirar antes que você alce vôo novamente. Mas eis que você é a minha Borboleta, no seu lamento de "ser borboleta e não passarinho". Uma borboleta que se angustia em não ser passarinho, de não voar mais alto. Uma borboleta determinada em ser passarinho. E que acaba conseguindo. E conseguindo ser passarinho, passa a sonhar ser avião. Para então querer ser foguete e, quem sabe um dia, cometa. Para quando for cometa, querer ser estrela. E a Borboleta, neste sonho épico de se tornar estrela, já não enxerga seu jardim de cores e possibilidades, os bichinhos com quem ela pode conversar, as pedrinhas, as folhas, as flores, o vento. Um jardim-universo que parece pequeno demais para a Borboleta inquieta que olha para o alto na sua busca determinada de se transformar em estrela. Meu amor, a mais linda Borboleta. A que nunca foi lagarta, a que eu quero colorindo meu jardim, meu dia, minha vida. Meu passarinho, meu avião meu avião destino, meu cometa de Pequeno Príncipe, meu planeta, meu país, minha estrela da sorte. Estou sempre sorrindo para você, da minha janela, e com a ponta do dedo estendida para que você venha pousar nela, para eu te cuidar um pouquinho e te perguntar, cheio de curiosidade: "por onde você andou, minha amada Borboletinha? O que andou aprontando?". Deus sorri do alto para você, tenho certeza; um sorriso gostoso, de quem pensa "ah... essa Borboletinha, tão inquieta, que quer ser estrela". Não menospreze o teu poder mágico de transformação e revolução, porque tal como a Borboleta que você é, que nunca foi lagarta, teu vôo perfeito já te permite voar estrelas e continentes, basta acalmar este coração vermelho, pulsante, de borboleta impaciente; porque tudo, por mais longe que esteja, virá em marcha cuidadosa, ao recanto dos teus pés, das tuas asas. E tudo, um dia, será teu.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

MÚSICA PARA TRANSCENDER O UNIVERSO


"Across the universe", celebrado filme cult de Julie Taymor, pode ser guardado com os melhores CDs da estante ou, mesmo, pendurado na parede, como arte. Arte pop, psicodélica e absolutamente clássica. A história, simples e sem rodeios, fala de um rapaz britânico pobre chamado Jude, que parte para os Estados Unidos em busca de enterrar (ou desenterrar) fantasmas do passado. No percurso, conhece Lucy, por quem se apaixona perdidamente, e se vê no meio de um país em ebulição social e cultural: final dos anos 60, começo dos anos 70. O país se encontra consumido nas lutas pela igualdade racial e o pacifismo pelo fim da guerra do Vietnã. Os hippies estão lá, pregando o amor livre, a psicodelia, as viagens astrais e os alucinógenos enquanto são tolhidos pelo estado repressor, com a polícia nas ruas, contendo a desesperada busca pela liberdade. Esse é o cenário (em si rico e repleto de detalhes) que conta uma história de amor. O trunfo desse raro filme, porém, é que ele praticamente é inteiro narrado por mais de 30 músicas inesquecíveis dos Beatles. Canções eternas, que não pertencem a nenhum tempo ou geração, pelo contrário: pertencem ao próprio tempo, ao espaço, à atemporalidade e por isso são perfeitas para contar a história de um filme que se propõe "cruzar o universo". Poucas expressões humanas são capazes de atravessar o universo e a música dos Beatles, definitivamente, consegue. São músicas dos nossos pais, certamente, mas que nos pegamos cantarolando intuitiva e espontaneamente ao percebê-las no filme. Músicas que conhecemos sem saber que conhecíamos e que nos surpreendem, tocando o corpo, a alma e o coração, em sintonia com imagens que parecem ora recortadas, ora filmadas, ora pintadas, numa explosão sem par de originalidade. Esse é um filme único, portador de uma mensagem que os próprios Beatles já nos pregaram há tanto tempo e que será sempre uma verdade inquestionável: é só do amor que precisamos. . .

Música que atravessa o universo, sem a menor dúvida.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

SAUDADES DE UMA DELICIOSA PREGUIÇA


Foi-se embora, para Maracangalha ou qualquer outro lugar, de descanso, sombra e barulho de mar. Algum lugar com rede esticada e mulheres bonitas que dançam, usando saias rodadas e flores na cabeça. Dorival Caymmi deixa sua marca, como um grande baiano e brasileiro, pai inegável da mais deliciosa preguiça que todos nós, filhos gratos e ingratos daquela terra linda, carregamos em nosso DNA. Esse vai, com certeza, direto para os braços de Iemanjá ou para os anjos. Ou, provavelmente, para ambos.
*

domingo, 17 de agosto de 2008

SOLITÁRIA LUTA DIÁRIA


Os estrategistas de plantão, profissionais ou não, costumam definir a depressão que se sente na guerra como uma questão de "moral". O baixo moral das tropas implica diretamente numa queda do rendimento na tática, na agressividade, nos resultados em campo. Não acho que se trate de uma questão de "moral", baixo ou alto. É inerente ao ser humano mais perfeito o cansaço, a hesitação, o medo, a insegurança, o desânimo. Não porque não somos capazes ou não agüentamos o tranco, mas porque, simplesmente, às vezes a batalha é dura demais e decidimos ceder um pouco; e nos sentar, com as mãos que, trêmulas, enxugam o suor que pende do rosto. Olhamos o chão que há pela frente a ser vencido e pensamos honestamente em desistir. Não por uma questão de fraqueza mas porque é da nossa alma imperfeita olhar para a nossa vida e pararmos alguns instantes para refletir sobre tudo aquilo que está errado e que nos põe para baixo. É um sentimento de inconformação, de impotência, de fragilidade; somos reféns de realidades que gostaríamos de moldar de outras maneiras, modificá-las, torná-las mais justas. É da injustiça que falo; a idéia de que as coisas poderiam ser mais amenas, não por comodidade ou preguiça, mas porque não é mais sensato quando dois homens carregam juntos mesmo uma folha de papel? Sabedoria chinesa, ou coisa assim, que nunca tem muita utilidade prática mas que faz pensar. Acho que me dou, fez ou outra, o direito de olhar o caos e o cosmos que me rodeiam como se estivesse, sozinho, do topo de uma montanha. E apontar para tudo e todos abaixo e dizer tudo aquilo que penso, reclamar, espernear, mesmo, como se só assim o mundo pudesse acordar. Não espero muito das pessoas, além do óbvio. Prefiro me surpreender, sempre. Mas adoro trair as convencionalidades num acordo pessoal - comigo mesmo - de simplesmente agir como se eu não soubesse das "regras". Porque canso do uniforme, das obrigações, às vezes. Porque só quem luta a batalha sabe do esforço, da dor, da provação. E do cansaço. Só quem luta sabe. Essa luta, sempre - e tão injustamente - solitária.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

"MR. M." MAKING MAGIC


Como gosto de dizer sempre, enquanto não chega um CD inédito no mercado, recheado de devaneios existencialistas sobre a certeza disfarçada que não estamos ficando nenhum ano mais novos e que a vida e os relacionamentos amorosos andam cada vez mais complicados, vale a pena conferir o sr. M. fazendo mágica, mais uma vez, no CD e DVD "Where the light is", com o recente show do John Mayer em Los Angeles.
*

HERÓIS COMO ARTE


Os nossos heróis, eternos, vivos, mortos, reais, fantasiosos, de desenho, música, livro, filme, não importa. A gente os carrega no coração, ao longo da vida. Mas porque não também na parede, perto dos olhos, como arte?

terça-feira, 12 de agosto de 2008

THAT´S WHY THEY CALL IT THE BLUES


Repentinamente é como se a gente fosse acometido por uma tristeza sem explicação (aparente). Uma coisa de humor, mesmo, de inconstância; da humana instabilidade. Algo de depressão e melancolia urbana, devaneios de janela, medos, incertezas e frustrações sobre a vida. Reflexão e meditação sobre a existência, pura e simplesmente. É como se ficássemos meio líquidos, menos sólidos, mais vulneráveis. É como se a guarda baixasse, uma brecha fosse exposta e capitulássemos a algo que sequer conseguimos visualizar claramente. Algo inconsciente, talvez. Mas às vezes falta disposição para a desconstrução da dor. Então ficamos ali, num canto qualquer, meio inertes, com o corte semi-aberto, descoberto, latejando com pensamentos desconexos ou mesmo sem pensamento algum. Um quarto em branco, sem portas nem janelas. Não é essa a sensação? Ficamos parados, à espera da cicatrização de uma abertura que parece não se poder cerzir, na esperança que a chuva que corre em nós passe, também repentinamente, porque assim é a chuva: vem, molha e some. Alimentamos a esperança de que tudo está e ficará bem e seguimos o caminho, "fazendo o que deve ser feito"; as obrigações rotineiras não nos permitem o luxo da alegria ou da tristeza. O luxo da inconstância. Somos soldados mandados dessa estrutura que dependemos e que também depende de nosso serviço. Ou, pelo menos, de nossa disposição. Portanto, em um desses dias de tristeza, em um desses "dias azuis", encontrar o eixo para essa disposição é que se torna algo difícil, um trabalho árduo de equilíbrio sobre cordas invisíveis, que parecem tremer sob os pés, enquanto caminhamos; sem vara, sem rede. Apenas a determinação de fazer o que deve ser feito para, quem sabe, quando menos percebermos, tudo voltar a estar bem. Mas não sei ao certo nada disso; não é uma ciência exata, essas coisas de alma. Não há uma fórmula. Talvez seja algo de fé, mesmo, essa esperança inabalável que diante da angústia sempre aponta a paz de espírito. Porque dizem que "o momento mais escuro da noite é justamente o que antecede a luz da manhã" e que "somos mais fortes quando mais estamos fracos". Deveria ser tudo tão mais simples.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

NA NATUREZA SELVAGEM(?)


Uma destas notícias interessantes (e porque não poéticas) que surgem vez ou outra, nesse mundo de explosões, violência e cataclismas. Um morador de Manitoba (Baía Hudson/Canadá) andava calmamente no seu trenó puxado por cães. No meio do caminho, repentinamente, surge um urso polar (foto acima). O homem se afasta e pega a sua câmera para registrar a "tragédia" que iria acontecer ali. Ora, o que esperar de um urso polar, selvagem, faminto e irracional? Ainda mais diante de uma matilha de cães praticamente indefesos? Uma carnificina, naturalmente. Mas essa tragédia anunciada teve um final bem diferente do imaginado. E, como sempre, a sabedoria da natureza surpreende e ensina (mais) uma lição de paz, tolerância e amor. Se ao menos a gente conseguisse aprender alguma coisa...
*

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O AGENTE DO CAOS


Não há a menor dúvida que o filme "Batman - The Dark Knight" pertence, de fato e direito, ao ator (infelizmente falecido) Heath Ledger. Isso já caíu no campo do óbvio. Sua interpretação do Coringa, psicótico e grotesco, como uma espécie de homem-sapo insandecido merece todos os elogios e homenagens, sem exageiros, naturalmente. O sorriso de palhaço que marcou Jack Nicholson na década de 80 cede lugar a uma horrenda cicatriz que lhe corta o rosto de orelha a orelha. Um "sorriso obrigatório" que, como bom comediante, ele cobra do mundo; que riam de sua piada, seja ela qual for. Uma piada do medo, a única coisa capaz de mudar um homem. Batman é mero coadjuvante neste filme que leva o seu nome mas que bem poderia ser "The Joker". O Coringa de Heath Ledger é um idealista de não-ideais, um anarquista e um terrorista, alguém que apenas quer ver o mundo de ponta cabeça; na melhor definição (própria) "um agente do caos", que quer gargalhar em torno das convenções e certezas jogadas numa pira, como Nero. "Por que tão sério?". Subverter a realidade, virar tudo ao avesso, destruir o limite entre o certo e o errado. É exatamente o que ele é e justamente por isso se torna um inimigo invencível, porque no campo da retórica não há como lhe contra-argumentar. É o único que consegue calar ao Batman que, diante de sua enigmática e aterrorizante figura, é um ser inerte. "Faremos isso para sempre", diz o Coringa em um dos melhores diálogos do filme; "o que acontece quando uma força incontrolável encontra uma obstáculo intransponível?", assim ele define o palco que certamente é pequeno demais para ambos. Não há herói e não há vilão, nesse jogo de dois mascarados, já há muito tempo perdidos no labirinto sem saída das suas próprias sombras. De todos, o mais sombrio e o mais poético dos filmes do Batman. E, provavelmente, também o melhor.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

CIDADÃOS COMUNS


Quero crer; continuar crendo que meus heróis não estão mortos; que eles estão por aí, escondidos, disfarçados, camuflados, em algum lugar. Nos dias em que a vida se mostra meio em preto-e-branco gosto de imaginar que meus heróis ainda protegem as esquinas, com suas capas coloridas ao vento, e que posso sonhar que tudo é e pode ser melhor do que parece ser. Quero acreditar que meus heróis estão vivos, que zelam pelos meus pensamentos mais inocentes; e que, inocentemente, eu continue crendo que um belo dia poderei encontrá-los, ao final do meu dia mais cansativo, pegando um ônibus ou um metrô como cidadãos comuns. Como eu.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

SOMBRA E SILÊNCIO


Não é apenas uma questão de solidão. Não é APENAS solidão. É algo além, é mais que isso. É um sentimento sufocante de estar só. Verdadeiramente só. É o desamparo na chuva, no escuro, na floresta. É a impressão de estar se esvaindo, sumindo no vento, como um balão, que se vai. Porque solidão não é algo ruim, pelo contrário. Solidão é silêncio, paz, preservação, conservação. É algo profundamente humano e necessário que, na medida exata, funciona como um tônico revigorante. Auto-preservação. É da solidão-sem-solidão que falo, que me martelou a noite insone como a um prego contra a parede. É o estar-só-sem-estar; é a obrigação velada, a fraude da cortesia e da "obrigação espiritual" de servir. Farsa. É sentir-se só em meio a multidão e olhar para os lados e perceber paredes invisíveis, que te impedem de seguir por onde quer ir. É a impressão (constatada) de que não há ninguém por você. Ou, pelo menos, quem DE FATO está por você está longe. Longe demais para ofertar o cuidado, o abrigo. É o não-estar-em-casa, casa sendo lar, sendo família, sendo berço. Em nossa casa somos aquilo que quisermos ser; onde se fala alto, baixo, se fala palavrão; onde se come e se bebe o que quiser, quando quiser, onde o barulho não é crime, onde o relógio é somente acessório, onde a manifestação do desejo não é pecado; onde se pode ser feliz; onde se fica à vontade; onde não há um quartel; onde, simplesmente, é possível SER. E é quando podemos SER que descobrimos estar em casa. Por fim, reflito de alguma janela solitária, que a solução desta solidão-sem-solidão é não esperar nada, não depositar expectativas, não construir idéias sobre ninguém. Não esperar nada de ninguém. Um pequenino punhado de pessoas neste mundo nos guardam verdadeiramente em bom lugar; de forma pura, sem a crítica, sem maldade. E é apenas a ESTE pequeno grupo de pessoas, as que nos amam em essência, que devemos lealdade. Por que é apenas com ESTE pequeno grupo, neste mundo de solidão, que podemos contar. O resto é sombra e silêncio.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

SIM, Wii QUEREMOS BANANAS!


Eu tentei, confesso, ser fleugmático e blasé em relação ao frisson promovido pela chegada do Wii, o videogame interativo da Nintendo, que responde aos movimentos do corpo como se estivéssemos no jogo. Mas é inevitável, não dá para ignorar o quão legal a experiência desta interatividade futurista pode ser. Controlar um carro virtual, com movimentos reais de volante, faz de Mario Kart uma experiência totalmente nova e, certamente, ainda mais viciante. Moral da história: eu também quero. Quem não quer?

quarta-feira, 23 de julho de 2008

POESIA DE SOLIDÃO E SILÊNCIO


É absolutamente impossível não se apaixonar por Wall-e. Uma animação de imensurável sofisticação, que toca na alma pela absurda humanidade de um robô sem falas, mas que sabe e consegue dizer tudo. Poesia pura, de solidão agridoce e silêncios eloqüentes.

terça-feira, 22 de julho de 2008

A BAHIA QUE NÃO SAI (MAIS) DE MIM


"Torna-te quem tu és", diz um pensamento famoso de Nietzsche. Algo curioso aconteceu (continua acontecendo) comigo. Sinto como se meu sotaque estivesse mais característico, mais próximo do típico, ao invés de disfarçado, amenizado, como procuramos fazer ao mudar de cidade; a velha estatégia de adaptação ou coisa do gênero. "Misturar e sobreviver". E não é que eu quis assim. Aliás sempre tentei o oposto, numa busca - infantil - de ser neutro, de não vestir uma bandeira, uma regionalidade na fala, no jeito. Nos esforçamos demais em ser quem não somos, num exaustivo processo de forçada metamorfose. Mas, quando menos esperava, simplesmente me percebi voltando a falar desde jeito "diferente", de vogais abertas e expressões pitorescas; sem vergonha nenhuma de "cantar" de vez em quando na fala, como se todo o tempo do mundo estivesse disponível. E mais, eu gosto disso! Acho que faz cada vez mais sentido para mim a idéia de que quando a gente se afasta das nossas origens, elas voltam abruptamente como uma revelação; de que nós devemos ser quem somos. Eu não sou brasiliense, nem paulista, nem gaúcho. Nem mineiro. Nem carioca. Eu sou baiano e, ora, falo como se fala na Bahia, por que cresci ouvindo a língua portuguesa como ela foi fundada e amadurecida na Bahia, com suas características engraçadas, com o sotaque inigualável, com os neulogismos, com a cultura-paralela que ninguém entende e que faz da Bahia um estado como nenhum outro. Se pensarmos os estados brasileiros como conjuntos, podemos inserir São Paulo, Minas e Rio em um. Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina em outro. Os estados amazônicos em outro, os do nordeste em mais um, aliás como já estão formadas as regiões brasileiras. Mas em nenhum deles se insere a Bahia; não por que "a Bahia é linda", esse argumento caetaniano não funciona muito bem. A Bahia é linda e é triste. Mas não tem nada igual a essa coisa toda, negra, africana, mistíca, mágica, de mar, de calor, contas de santos, capoeira, especiarias, cacau, compotas, Jorge Amado, Dorival Caymmi, tabuleiro de baiana; não dá para encontrar coisa igual no Brasil. Nem parecido. Então acho que resolvi, de uma vez por todas, ficar em paz com tudo isso, aceitando "quem sou". Continuo sendo um crítico ferrenho de Salvador e suas terríveis idiosincrasias; e vou ser eternamente, mas abraço carinhosamente o estado de onde venho. E neste aspecto, abraço também meu sotaque e o meu jeito, pouco me importando se acham engraçado, preguiçoso; enfim, é quem eu sou. Não importa que lugares do mundo eu conheça, nada vai mudar o fato que, no fim das contas, é da Bahia que eu vim. E quer saber? Isso é muito legal.

sábado, 31 de maio de 2008

A PEQUENA GUARDA


Vale a pena conferir os quadrinhos do David Petersen: THE MOUSE GUARD, que acaba de chegar ao Brasil pela Conrad, com título "Pequenos Guardiões". Num primeiro olhar, nada além de ratinhos engraçadinhos, ainda que armados, e de forte apelo infantil. Naturalmente. Mas não se trata de uma história para as crianças (apenas). Jovens e adultos irão ser cativados pela pequenina guarda de ratos que têm as histórias, peripécias, tramas e intrigas contadas numa interessante coleção de quadrinhos cheia de suspense mistério. Numa época com ares medievais, esses "Pequenos Guardiões" são os defensores de um mundo quase imperceptível dos ratos, que habitam vales, cidades e costas, travando suas batalhas, jogos políticos e, simplesmente, sobrevivendo. Sob os nossos olhos.

A DOR DE EXISTIR


Nunca paro de pensar a respeito da dor de existir. Até disfarço, finjo não me importar tanto, ensaio comportamentos banais do tipo, "viver o dia de hoje como se fosse o último e está tudo bem". O fato é que é um pensamento diário, quase-contínuo, reflexão de rotina, ora deixada de lado em função de alegrias momentâneas ou preocupações esporádicas. Na verdade, acho que "vestimos" a melancolia, às vezes como luva, chapéu, cachecol. Às vezes como traje completo. É coisa do dia, como tempo nublado, dia ensolarado, chuva passageira. Mudamos com o tempo e a melancolia nos veste de acordo. Nem todos pensam sobre isso com o mesmo grau de atenção e por isso a felicidade é tão relativa e superficial. É tudo uma questão de “se importar”; ou melhor, o “quanto” se importar. Aqueles que mergulham no entendimento e percepção das coisas certamente seguem o trajeto mais difícil, enquanto aqueles que sobrevoam essa “dor de existir” vivem como se não houvesse o silêncio, a solidão, a angústia, a falta de compreensão, a sensação de não pertencer, a indignação diante da inércia que às vezes somos acometidos, o terror de ver o tempo passar, como contagem regressiva, na certeza inquestionável que muito será deixado para trás e que haverá lágrimas e despedidas inevitáveis. É uma dor de indignação, que sentimos quando ninguém nos compreende, que não podemos ser deixados em paz, "existindo". É uma dor que faz a gente sonhar com ilhas e planetas distantes, onde há um refúgio de tudo, de todo o medo e insegurança, onde não precisamos nos encaixar, nos adaptar. Mas não encaro essa dor como algo de todo ruim. Longe disso, na verdade. Acho que é uma maldição e uma bênção, cunhadas como uma moeda que tem dois lados. E que carregamos no bolso, todos os dias. E que brincamos, como se tentando a sorte: cara ou coroa. Por que desta maneira enxergamos o mundo com lentes mais apuradas e a alma, eternamente cicatrizada/cicatrizando, vai aprendendo a sentir o que ninguém sente, ler o que ninguém ler e, assim, viver o que ninguém vive. É o que nos ensina a dor de existir: o benefício de contemplar o universo onde há o nada. E aproveitar o caos e não temer o escuro. É que passamos muito pouco tempo neste mundo sem nenhuma certeza se há um “lado de lá”, se vamos para algum outro lugar depois que tudo estiver acabado. Então corremos. Corremos para aproveitar ao máximo a jornada. E talvez por isso soframos tanto. Mas, afinal, quem não sofre?

MANTENDO ACESA A CHAMA


Cinema e música, na minha opinião, fazem o casamento perfeito: sintonia e cumplicidade totais, para emocionar, comover, tocar o coração. Cinema e música se completam, formando um festival de emoções. Imagem e som numa equação quase sempre precisa para nos fazer sentir alguma coisa. Por isso adoro o filme “Ainda muito loucos” (Still Crazy), que completa dez anos e continua sendo o máximo. Por alguma razão nos apaixonamos por esta banda dos anos 70, a Strange Fruit, que certamente nossos pais teriam gostado, mas que hoje é um grupo de cinqüentões, com muita nostalgia, doce decadência e tremendo apego ao tempo que passou. Adoramos as suas canções que, como toda boa música, ficam, são para sempre, atravessam as gerações. Cantarolamos os refrões e ficamos com aquela sensação de “gostaria muito de ter ido neste show”, ou coisa assim. Por alguns instantes nós temos a certeza de que aqueles caras, “ex-doidões”, realmente formam esta banda maravilhosamente fictícia, em tour pelos bares mais suspeitos da Holanda. “Ainda muito loucos” é, naturalmente, uma comédia sobre músicos que um dia foram famosos e que tentam sair da sombra que a vida os colocou na busca de uma nova chance, vinte anos depois. Isso é óbvio e, neste sentido, encontramos risadas óbvias no caminho. Mera superfície. Este é, na verdade, um filme humano, poético, imensamente comovente, sobre o nosso apego ao que marca as gerações (mesmo aquelas que sequer vivemos). É uma história sobre a misteriosa ligação espiritual que homens podem formar, seja na guerra ou numa banda de rock. Homens que se amam e se odeiam, mas que, por alguma razão, não deixam de seguir juntos, adiante. É um filme sobre esta mágica relação que temos com a música, sejamos músicos ou não, famosos ou não, por que ela narra nossa vida, acompanha nossa existência, expressa um pouco do que há dentro das nossas almas. Uma verdadeira (e despretensiosa) ode a esse amor, a esse amor múltiplo, que temos por quem modifica as nossas vidas, pela trilha sonora que nos acompanha, pelos momentos inesquecíveis que vivemos e que desejamos ter de volta. É um daqueles filmes que assistimos com um sorriso no rosto que se recusa a desaparecer. E quando menos esperamos, lá na frente, notamos que o sorriso é acompanhado por um nó na garganta que nos umedece os olhos sem esforço. E nem por isso comédia vira drama. Não precisa. É emoção genuína, mesmo, de quem assiste o melhor show da melhor banda do mundo (as nossas bandas são sempre as melhores do mundo, afinal). Aquela banda que sonhávamos um dia se reunir novamente. E nos créditos finais, ficamos com uma vontade acanhada de nos abraçar uns aos outros, enquanto procuramos um isqueiro para acender e acenar, em justa homenagem. Agradecendo pela chama, “que continua acesa”.


sábado, 17 de maio de 2008

POR QUE ´CRASH´ É SIMPLESMENTE TÃO BOM


Por mero (e ignorante) preconceito eu deixei de assistir a "Crash", no tempo ideal. Nem os prêmios do Oscar (como melhor filme e roteiro) me convenceram. É um daqueles (tantos) casos em que antipatizamos gratuitamente com filme por nada, bobagem. Não sei. Não fui com a cara do pôster, acho (a gente não tem disso?), não simpatizei muito com o elenco e fiquei com a impressão de que era mais um daqueles filmes meio lentos, meio chatos, meio politizados demais (nada contra, alás - adoro filmes lentos, politizados e meio chatos). Coisa astral, quem sabe, de momento. A questão é que eu não quis saber muito de "Crash". Até ontem. Assisti esse filme com arrependimento, mágoa e até raiva de mim mesmo por não tê-lo visto antes. É precioso, primoroso, humano, visceral, comovente. Fiquei arrasado, tocado, impressionado por este filme que não apresenta absolutamente nada demais, nenhuma novidade. Na verdade, "Crash" fala do óbvio: de como estamos nos afastando uns dos outros, de como nos tornamos violentos, antipáticos, intolerantes, preconceituosos; de como sentimos raiva de graça, de como nos tornamos frios, de como simplesmente deixamos de nos importar. Através de uma rede belamente construída de histórias paralelas, de personagens que se cruzam e misturam suas vidas anônimas na passagem de apenas um dia. Não há muito a dizer, na verdade, sobre "Crash". É um filme belo, maravilhoso, obrigatório, que merece todos os elogios pela sua capacidade singular de nos expor no espelho, nus, e nos socar o estômago ao nos apresentar exatamente o que nos tornamos na cadência egoísta, ambiciosa e individualista das nossas existências. Mas é um filme também sobre amor, esperança e coragem. Por que no fim, como tudo na vida, as coisas podem dar errado, mas também podem dar certo. Como saber.

sábado, 10 de maio de 2008

SOB A SOMBRA DE UM COLOSSO


O filme "Reine sobre mim" está longe, muito longe, de ser um bom filme. Mas algo nele é absolutamente original. Pela primeira vez (segundo me lembre) um filme trata dos videogames como arte, pelo menos como forma de dar vida a um personagem. Nos filmes, geralmente, vemos os personagens capturados por livros, poemas, obras de arte, músicas ou mesmo outros filmes. Neste, o personagem vivido por Adam Sandler é fascinado, justamente, por um jogo: SHADOW OF THE COLOSSUS (PS2), um dos mais originais jogos já criados nos últimos tempos. Nele, vivemos o drama de um jovem guerreiro, de alguma terra mágica. Determinado a salvar a vida de uma moça misteriosa, ele aceita enfrentar uma perigosa - e quase impossível - jornada de exterminar 16 gigantes (colossus) espalhados pelo reino. Sob formas, aparêcias, características e desafios diferentes, os monstros são como prédios a serem escalados, com pontos frágeis que, quando atingidos, os fazem sucumbir ao chão como torres desmoronadas. O jogo é original por que é EXATAMENTE e APENAS isso. Não há inimigos menores ou outra coisa a se fazer que não caçar os gigantes em todos os cantos do reino. Um após um, fazendo-os ruir, para conquistar o direito de trazer de volta a vida uma pessoa que se foi. Um jogo silencioso, mágico, de luzes, sombras e névoa, que nos coloca, sem esforço, dentro de uma atmosfera que temos certeza existir em algum lugar. E que nos obriga ao compadecimento, porque partilhamos daquela solidão vivida pelo jovem guerreiro e seu fiel cavalo Agro, enquanto cavalgam planícies e bosques, em busca do próximo confronto. E sob a sombra de um colosso desvendamos um mundo de escuridão como quem caminha por corredores escuros com a orientação da chama acanhada de uma vela. Força e fragilidade, equilibradas na pele machucada de um herói menino que não desiste nunca. Obrigatório.

MELANCOLIA, DEVANEIOS E CARTÕES POSTAIS


"Beijo roubado" (My Blueberry Nights) é um filme doce e melancólico, quase azedo e recheado de nuances, como uma boa fatia de torta de mirtilo. Esta, definitivamente, não é a torta mais popular de todas, por que não é deliciosamente óbvia como o cheesecake ou outra qualquer. E essa metáfora serve para este filme precioso do diretor Wong Kar-wai. Como um videoclipe, o filme não faz questão de ser linear, tampouco inflexível nos planos, distorções e enquadramentos, o que nos dá uma curiosa e original narração. No fim das contas, uma história de amor como todas as outras, marcada pelas idas e vindas da vida, em que tudo é circular, e que acabamos sempre voltando para onde partimos, como uma catarse de encerramento. Assim, acompanhamos a história de Elizabeth (bem interpretada pela estreante Norah Jones) que sai de Nova York, desiludida por um coração partido, e após se lançar na estrada e conhecer cidades americanas, trabalhando como garçonete em bares e restaurantes, cronicando seus passos com cartões postais sem endereço, volta para seu ponto de partida: um café sem pretensão, de um inglês (Jude Law) que, também ele, tem sua história de idas e vindas e corações partidos. A discussão dos dois sobre a jarra de chaves perdidas, esquecidas ou simplesmente abandonadas, é pura filosofia e devaneio. Ao longo das quase duas horas, temperos, sabores e sensações diversas vão fazendo deste filme uma receita (difícil, é verdade) mas diferente, de observação da vida como ela é, como uma construção de momentos variados, que se sobrepõem enquanto o tempo passa, marcando-nos com doce melancolia, decepções, alegrias fugazes e o desejo indomável de irmos a algum lugar, encontrar um destino. Nem que esse destino seja, justamente, onde já estamos.

domingo, 20 de abril de 2008

DOCE MANIFESTO DA TOLERÂNCIA


Descobri um universo, profundo, sensível e delicado, por detrás da cortina colorida que cobre o - aparentemente inofensivo - filme "A pequena Miss Sunshine" (Little Miss Sunshine), cultuado filme indie que, recentemente, deu seu lugar ao sol ao também maravilhoso "Juno". Enfim. Há nesta pequena grande história um filme para cada um de nós. Para aqueles que buscam duas horas de entretenimento fácil e acesível, de um punhado de risadas óbvias e momentos especiais, o filme os tem em sobra. Para aqueles que desejarem colocar a história sob um microscópio irão se surpreender com a quantidade de temas ali discutidos com graça, leveza e absoluta sutileza. Trata-se de uma jornada em busca de ilusões, onde uma pequena brigada de Don Quixotes numa kombi branca e amarela partem, na caçada aos moinhos de vento. Um pai mal sucedido persegue o sucesso de um programa de motivação, um adolescente problemático e sua determinação nietzschiana em entrar na academia da aeronáutica (para isso se valendo de um voto de silêncio), um avô que se agarra aos últimos sopros de vida, uma mulher tentando achar "normalidade" (e o que é isso mesmo?!) para sua família em frangalhos, um tio homossexual com coração partido na sua tentativa sem sucesso de ser o tradutor da alma de Proust para o ocidente e, por fim, a pequena garotinha que deseja ser miss, mesmo estando fora dos "padrões" (novamente, o que é isso mesmo?). Por trás da deliciosa jornada familiar, na kombi caindo aos pedaços, há uma discussão da pura e sofrida humanidade: gordura, magreza, sucesso, riqueza, fracasso, velhice, adolescência, homossexualidade, beleza. E o que o filme nos mostra é um caminho de contorno a essa via que parecemos trafegar por obrigatoriedade. PARA O INFERNO COM AS CONVENCIONALIDADES! É o que nos diz o PODEROSO "Pequena Miss Sunshine". Por que não precisamos ser, ter, fazer, parecer NADA. Precisamos ser e viver como assim desejarmos, sem dever nada a ninguém, nenhuma satisfação que não seja a nossa própria felicidade. "Pequena Miss Sunshine" é simplesmente um doce manifesto em nome da tolerância e mais do que bem vindo num mundo (e numa indústria) de culto à superficialidade, à beleza fabricada, à ausência dos valores. É um filme sobre o amor da família, a cumplicidade inquestionável que nos torna quem somos. O amor de pessoas que estarão ao nosso lado até o fim, nem que isso signifique nos ajudar a perseguir nossos sonhos mais tolos. E que importa se nossos sonhos são tolos? Eles são NOSSOS e ninguém tem o direito de tirá-los de nós. Eis o que nos apresenta este filme tão especial: uma opção. Uma nova possibilidade, uma esperança que a felicidade é possível. E que está ao nosso alcance. E que tudo, tudo, estará bem.

UM PEQUENO GRANDE LIVRO

Comecei a ler, recentemente, um destes "pequenos grandes livros" que, vez ou outra, parece "cair das nuvens" (trocadilho absolutamente intencional). Trata-se do "Guia do Observador das Nuvens", de Gavin Pretor-Pinney. O autor, defensor do ócio criativo e fundador da Sociedade de Observadores de Nuvens (The Cloud Appreciation Society), apresenta-nos um guia sobre as nuvens (e sua surpreendente quantidade de classificações), num texto deliciosamente escrito, recheado de referências históricas, culturais e religiosas sobre estas que há séculos encantam os céus e povoam o nosso imaginário: as nuvens. É basicamente isso, um livro sobre diminuirmos um pouco o ritimo frenético da vida e olhar para o céu, brincando de imaginar, como tão bem fazíamos quando crianças. É um livro para entendermos a magia da vida, da natureza, sem nenhuma destas chatices de livro de auto-ajuda (aliás este livro passa a quilômetros de distância de ser mais um destes). É um encanto descobrir (e aprender) não apenas sobre o sistema que leva as nuvens ao céu, mas a maneira como elas se relacionam, evoluem, produzem chuva e tempestades, e depois se vão. É um pequenino livro, despretensioso ao extremo, poético e que transborda personalidade. Com a leitura do "Guia do Observador das Nuvens", olhar para o alto nunca mais será um ato banal. Será uma contemplação curiosa, sobre a festa misteriosa que se dá, todos os dias, sobre nós. Com o tempo, acho que vale dizer também: "não saia de casa sem ele". Afinal, como saberemos interpretar o idioma das nuvens nas suas conversas diárias e silenciosas (às vezes nem tanto) sobre nossas cabeças? Pois. Este é um DICIONÁRIO para a linguagem misteriosa das nuvens. E portanto, um livro especial que merece ser. . . apreciado.

LINDA, MÁGICA, TRISTE BAHIA


A Bahia continua linda, misteriosa, quando olhada do alto, por cima das nuvens, com suas águas de azul multicolorido, derramadas sobre a Bahia de Todos os Santos. O porto cheio de história, magia, misticismo, aromas, sabores, odores. Cheiro de mar, de peixe, de madeira de barco, de ruas e paredes velhas, de uma cidade de São Salvador tão antiga quanto o próprio país: negra, portuguesa, quase medieval, com suas ruelas escondidas, catacumbas escuras e tesouros enterrados. Eis a Bahia linda, encantada, sedutora, como uma sereia que quer se deixar seduzir enquanto nos afoga sem piedade. Eis a Bahia da saudade, do calor humano, um Estado de Espírito que, amando ou odiando, é impossível ficar indiferente. A Bahia das baianas, com suas saias rodadas e contas coloridas, do candomblé, das igrejas, da comida exótica, dos capoeiristas e da paixão, da música de Dorival Caymi e as palavras de Jorge Amado. Não dá para dizer que a Bahia é um Estado como qualquer outro por que alguma coisa ali, não sei o quê ao certo, grita que a Bahia é única, com seus defeitos e seus encantos, ela é única. Por que a Bahia é linda e nos chama de volta, mesmo seus filhos mais ingratos. Mas também é triste, com a decadência de suas ruas e a malícia que impreguina sua geografia costeira. É uma pena. Linda Bahia, mágica Bahia. Merecia tanto mais.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

ALGO QUE PASSA, ALGO QUE FICA


na vida, na convivência, no relacionamento com lugares, coisas e pessoas, um clichê inevitável. Concordando com Saint-Exupéry, reflito que cada pessoa que passa por nossas vidas e vai embora leva um pouco de nós enquanto deixa algo de si. Afinal, uma verdade também inevitável. As mudanças, transformações, revelações e revoluções na minha vida são uma prova disso. As surpresas satisfatórias que tive num caminho de incertezas e descobertas. Repetições incessantes para eu (tentar) aceitar que não estamos parados, que caminhamos para frente. Viver, aprender, crescer. E nessa aventura diária a vida muda, como o tempo, como a água. E continua mudando. Avançar é nos despedir, enquanto damos boas vindas (meio amedrontadas) ao novo. Por que são inúmeros os caminhos, passos e cruzamentos para que deixemos algo para trás e na coleção de novos quilômetros possamos nos descobrir em novos momentos, com novas pessoas, em novos lugares. É a caminhada sem fim. Marco Aurélio, um dos mais justos imperadores de Roma, costumava dizer:

"Mantenha-se simples, bom, puro, sério, livre de afetação, amigo da justiça, temente aos deuses, gentil, apaixonado e vigoroso em todas as suas atitudes. Lute para viver como a filosofia gostaria que vivesse. Reverencie os deuses e ajude os homens. A vida é curta".
Isso de alguma forma resume tudo o que eu sempre busquei na minha vida e que continua a iluminar por ande ando, levando muito de cada um que encontro e deixando parte de mim, também, ao longo do caminho. Mudança é evolução, despedida e saudade. Mas assim são as coisas, no doce e imbatível fatalismo que nos obriga a andar para frente, no vento da maré, da novidade, que nos leva adiante, sem parar. E a estrada é longa, as paradas são muitas. Mas valerá a pena, sempre.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

"O MUNDO DE SOFIA"

Sofia Coppola, a musa multitalentosa da comunidade "perdida na tradução" (eu, incluso, certamente), estrela nova campanha de roupas e perfumes da grife Marc Jacobs. O ensaio é, naturalmente, discreto, silencioso, ao melhor estilo "lost in translation". Segundo o próprio Marc Jacobs, "Sofia é perfeita para a campanha, apesar de não ser a garota típica dos anúncios de moda". Ao mesmo tempo, ela representa tudo que se pode achar no "espírito Marc Jacobs" (nas suas próprias palavras): o amor pelo rock, o bom gosto, a alma artista, e a determinação em ditar ela mesma o que quer fazer. Jacobs não se contém ao elogiar sua musa (e amiga): "ela é jovem, doce e linda". São belas e únicas fotos, que retratam com delicadeza o "Mundo de Sofia", aquele que todos nós nos esforçamos em fazer parte, na tentativa de criar, retratar e defender o nosso próprio. Um agridoce mundo de devaneios urbanos.



"Free to go, I know . . . city girl, you´re beautiful. . ."

quinta-feira, 10 de abril de 2008

BENDER E A SALVAÇÃO (?) DO UNIVERSO


O primeiro longa metragem da animação cult (e cultuada) FUTURAMA, "O Grande Golpe de Bender" (Bender´s Big Score) é um primor. Após ingratos anos de pós-cancelamento prematuro, Matt Groening (o criador de "Os Simpsons") devolve no seu filme tudo o que mais apreciamos(ávamos) no seriado animado futurista e se mantém afiado como nunca: as excentricidades do ano 3000, o professor Farnsworth cada vez mais senil, a equipe tresloucada da Planet Express, os destinos insólitos, as histórias absurdas, enfim, um banquete de maluquices comandado por um dos personagens mais icônicos (e inesquecíveis) dos desenhos nos últimos anos: ninguém menos, naturalmente, que o robô alcóolatra e batedor de carteiras, Bender B. Rodriguez. Neste filme, que conta a história de alienígenas nudistas que querem comprar a terra (e o conseguem através de uso de e-mails com spam - sim, é EXATAMENTE isso), Bender vai cruzar a história da humanidade, navegando através de uma fenda no tempo, e literalmente saqueando todos os tesouros dos séculos. Com muito pouco esforço. O filme é uma seqüência ininterrupta de risos e diálogos maravilhosos no melhor estilo FUTURAMA. TUDO o que os fãs mais adoravam foi trazido de presente no primeiro (de quatro) filmes como recompensa a espera incansável dos fãs. Trata-se de um projeto dos seus idealizadores, que viram o encerramento precoce do seriado politicamente incorreto com grande frustração. Com idéias fervilhantes e muita coisa ainda para contar, criaram uma história dividida em 4 filmes que, posteriormente, será transformada em 16 eposódios de TV. Um encerramento definitivo (?), merecido e à altura deste que é um dos melhores produtos da cultura pop dos últimos tempos. Bom, quem assistiu (ou comprou ansiosamente o primeiro filme - sim, eu sou um destes) descobriu que o final de "O Grande Golpe de Bender" traz uma pergunta misteriosa (e metafísica) que apenas iremos descobrir nos próximos filmes. Será que há um limite para a falcatrua do Bender? Será que, desta vez, ele foi longe demais? Que implicações surgirão de sua manipulação desregrada (obviamente) do espaço-tempo? Algumas respostas para essas perguntas já possuem data marcada: em 25 de junho deste ano estréia (diretamente em DVD) o segundo longa metragem de FUTURAMA: "The Beast with a Billion Backs", que narra a história a partir do final do primeiro filme. Esperar para ver. E, pelo visto, fãs de FUTURAMA já descobriram que esperar vale, e muito, a pena. . .

quarta-feira, 9 de abril de 2008

MUDANÇA E MEDO


Toda a mudança intimida. Fato. Mesmo que ela implique em ganho, melhoria, ela causa medo, apreensão, dúvida, angústia. Por que por mais que sejamos "móveis" a nossa tendência à imobilidade é mais do que natural. É que nos acostumamos com o lugar onde estamos. Por que é do homem criar a raiz, o sistema, a rotina, a tribo. E não como algo cômodo, previsível (isso ninguém gosta), mas por que precisamos da sensação de controle e ordem sobre o caos das nossas vidas. E assim fazemos o malabarismo dos afazeres com a certeza confortável de que o dia de amanhã será uma cópia requentada do dia de hoje, com algumas alterações insignificantes. E assim vamos vivendo, dia após dia, transformando pequenos feitos em conquistas maiores e, com o tempo, descobrimo-nos em constante construção. Olhamos para trás e notamos: "puxa, olha quanto já foi feito". Nunca é fácil enxergar isso no processo. Acredito ser a catarse da conclusão. Mas ninguém nunca nos disse que o trajeto seria fácil. E não é. Por que nele há uma considerável dose de MUDANÇA. Por que para evoluir, crescer, precisamos revolucionar a nós mesmos. E somente mudando é que nos fortalecemos, amadurecemos e assim chegamos a algum lugar. Gosto de pensar nas escadas. A escola, faculdade, trabalho, namoro, noivado, casamento, cidade, país, continente, mesada, salário, nascer, crescer, adolescer, envelhecer, morrer, ser filho, ser pai, mudar de parceiro ou parceira, de apartamento, de trabalho, de carro, mudar, mudar, mudar. É o que mais fazemos. E nunca é algo simples. É um laboratório de sensações, onde apalpamos nossa insegurança, medos infantis, receios e a ingrata vontade de enxergar no escuro. Por que realmente só poderemos saber o que viveremos quando já tivermos vivido. A experiência é um aprendizado do que passou, e uma preparação do que está por vir. Seguir em frente é mudar. E, sim, a mudança também me enche de medo. Mas mudar é preciso.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

MILIONÁRIO ENTEDIADO



O Mini Cooper, praticamente uma celebridade de cinema

Se eu fosse um destes milionários entediados, dedicaria atenção especial ao que eu chamaria carinhosamente de "garagem dos sonhos". E nada de Ferraris, BMWs e afins. Longe disso. Ok, não tão longe, mas definitivamente eu teria uma garagem mais criativa. Escolheria 6 carros para compor minha garagem. A minha primeira compra seria o eterno sonho de consumo mundial, o Mini Cooper (foto acima). Escolheria, em seguida, para riso de alguns vizinhos e inveja desesperada de outros, todos milionários infelizes e entediados como eu, com suas fortunas inacabáveis e desejos cada vez mais escassos:

Fiat 500, o "Cinquecento" (até a cor está ótima!)


O Smart for Two, pequeno notável (sem contar ecológico!)

O New Beetle, edição limitada (conversível), preto com bancos de couro vermelhos

Um tradicional JEEP americano da II Guerra Mundial (don´t ask)


Por último (mas NÃO menos importante), o emblemático Batmóvel dos anos 60. Apesar de não ser um fã de sedans, ora, eu sou milionário e entediado. Não há limites para financiar a minha excentricidade.
*


*


Bom, devaneios à parte, enquanto a garagem e os milhões não vêm, preciso encerrar o post e correr, senão perco o ônibus.

sexta-feira, 28 de março de 2008

MEUS 20 FILMES ESSENCIAIS


Se eu tivesse que escolher entre a centena de filmes que compõem o quebra-cabeças que forma (formou) a pessoa que sou hoje, eu não conseguiria escolher menos do que 20 que, definitivamente, marcaram a minha história, tocaram a minha alma e assim me trasnformaram de alguma forma. Filmes que vi em momentos diferentes da minha vida, moldaram meus gostos e opiniões, e que hoje me ensinam não apenas a entender o mundo que quero, como as próprias pessoas com as quais convivo. "O que acha do filme ´Encontros e Densencontros´?", gosto de perguntar, como uma espécie de exercício exupériano-antropológico para o conhecimento mais aprofundado de alguma pessoa. A resposta, geralmente, me diz o que preciso saber para ir adiante ou mudar o trajeto. Por que não tenho dúvidas de que os filmes são parte da vida, e se infiltram e se mesclam nas memórias, narrando eles mesmos episódios que vivemos. Imagens, personagens, diálogos, trilhas, tudo que nos emociona de alguma forma e que guardamos com carinho como se "aquele filme" fosse parte da nossa biografia, porque nos vemos ali, sentimos cumplicidade e muitas vezes confortados pela descoberta de que não estamos sós em muitos dos nossos pensamentos. Os "nossos filmes" são um reflexo no espelho, radiografia de quem somos, tenho cada vez mais certeza disso. Os meus filmes marcaram de alguma forma o meu entendimento do mundo, por terem sido influências infantis, inspirações românticas, por que me educaram de alguma forma ou me impressionaram profundamente. Uma lista de filmes, portanto, é um ótimo meio de navegar pelas almas das pessoas. Um mapa. Eis o meu, de 18 filmes que ficam e ficarão para sempre no meu imaginário, alma e coração:
*
Encontros e Desencontros, As virgens suicidas, Maria Antonieta, Alta Fidelidade, Serendipity, A casa do lago, Amadeus, Filhos do Paraíso, Em busca da Terra do Nunca, Para o resto de nossas vidas, Desconstruindo Harry, Antes do amanhecer, Antes do pôr do sol, Elizabethtown, Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Os Goonies, Henrique V e Clube dos Cinco.

quinta-feira, 27 de março de 2008

AS CINZAS DE CALLAS


Maria Callas não foi apenas uma estrela na história da música. Ela foi um evento, uma aparição. E neste sentido emocionante, breve, efêmera. Uma frágil luz sobre o canto lírico, uma ópera em vida, de amor, paixão e tragédia. Nasceu em Nova York, no dia 2 de dezembro de 1923 e surgiu aos olhos do mundo em 1947, na interpretação de La Gioconda, na Arena de Verona. E se consagrou como diva, exigente e temperamental na obtenção dos seus caprichos. Ganhou notoriedade pelo talento e a polêmica em torno de sua imagem. A voz, de um veludo trêmulo, é inconfundível e comove, fazendo os olhos corroerem em lágrimas. É inevitável não sucumbir ao poder da voz de Maria Callas, que parece tocar a alma numa canção de ninar, como se estivéssemos sonhando acordados. Ao final da década de 50 a voz começa a definhar e a diva gradualmente deixa os palcos, fazendo demandas impossíveis de serem atendidas como uma forma de dizer "não" aos inúmeros convites. Passa a se dedicar a outros projetos profissionais, como escolas e coros, que não a satisfazem. Casa-se com Aristóteles Onassis, o milionário, com quem diz ter "enfim começado a vida". E o fim do casamento (ele se casa com Jackie Kennedy) e sua morte são golpes decisivos para o caminho sem volta à reclusão. As apresentações passam a ser cada vez mais escassas até a famosa interpretação de Norma, em Paris (1965). Com a saúde e a voz debilitadas, ela não consege se manter pé até o final, desmaiando ao cair das cortinas no final do terceiro ato. A definitiva apresentação final foi no Japão, em 1974. Entregou-se por fim à solidão, vindo a falecer em 16 de setembro de 1977, no seu apartamento da avenida Georges Mandel, em Paris, vítima de um ataque cardíaco. Um coração partido, sem metáforas. E como era a sua vontade, teve as cinzas derramadas sobre o Mar Egeu.

segunda-feira, 24 de março de 2008

NUNCA É TARDE DEMAIS


Vez ou outra aparece diante de nós um daqueles filmes simples, mas de uma delicadeza comovente. "Antes de partir" (The Bucket list), de Rob Reiner, é um destes filmes. A história narra o encontro de dois homens doentes terminais (Jack Nicholson e Morgan Freeman), que se conhecem na UTI. Um é um mega bilionário (Nicholson) o outro é um mecânico aposentado (Freeman). Ao descobrirem que possuem alguns meses de vida, decidem fugir e viverem verdadeiramente os momentos finais e, para isso, organizam uma lista de coisas a serem feitas. Viajam pelo mundo, visitando as pirâmides e o Taj Mahal, fazem um safári na África, andam de bicicleta pela muralha da China, pulam de pára-quedas, fazem tatuagens, tudo aquilo que gostariam de ter feito e que, como um salto filosófico, "encaram de olhos fechados e coração aberto", como bem diz a linda canção "Say", de John Mayer, que compõe a trilha sonora. O diálogo sobre cremação e lata de biscoito é bonito e a alusão a este momento no final do filme é emocionante. "Antes de partir" é um filme inesquecível, um clássico instantâneo, de cenas e dilálogos maravilhosos. Jack Nicholson está louco como sempre, Morgan Freeman ilumina a tela e tudo caminha para um final original, sensível e comovente (para não dizer de soluçar). Poderia ser óbvio, mas passa longe, longe disso. É um daqueles filmes que são fiéis à essência do cinema: contar uma história, mexer com o nosso espírito, tocar nossas vidas e nos transformar de alguma maneira. E nos mostrar que, por mais que pensemos o contrário, nunca é tarde demais para nada.