quarta-feira, 26 de maio de 2010

E AFINAL...

Nada de esoterismo, ciência, viagem no tempo, civilizações perdidas ou obscuras iniciativas de pesquisa. Percebi, afinal, que este tempo todo LOST foi um seriado sobre o amor. Quanta saudade...

terça-feira, 25 de maio de 2010

ADORÁVEL PORTA-LÁGRIMAS


A Cosac Naify lançou uma discreta preciosidade no mercado brasileiro: "Fico à espera", de Davide Cali com ilustrações de Serge Bloch. Com um inusitado formato de envelope, o livro é uma coleção de cartas de um menino que devaneia sobre a passagem do tempo, da vida e, eventualmente, a chegada da morte. É uma comovente e delicada história de uma criança que está amadurecendo e, no seu crescimento, ele ri, sofre, se apaixona, tem filhos e envelhece. Um fio de lã vermelha une os inúmeros aspectos da complexa existência, do amor à guerra, do bolo de infância à dor das despedidas. É um punhado de cartas, é um álbum de lembranças, é um livro de rabiscos sem pretensão; é um adorável porta-lágrimas que, apesar de ser destinado às crianças, vai, sem pudor algum, comover qualquer adulto. Ganhou prêmio Livro do Ano no Salão de Montreuil (França), em 2005. Lindo, lindo demais.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

PARA VER E OUVIR: CHOPIN (ETUDE OP. 10, N. 3 - "TRISTESSE")


Ao piano, Freddy Kempf. Dizem que Chopin foi o "poeta da música". Difícil discordar.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

TEMPO DE DESPEDIDAS

Falta apenas um episódio para o desfecho da série de TV mais importante do século 21. "LOST" reinventou o entretenimento ao misturar ação, aventura, mistério e esoterismo numa série de sucesso que durou 6 anos. No próximo domingo (23), descobriremos, enfim, o que une uma ilha, um grupo de náufragos, um urso polar, uma fumaça escura, viagem no tempo, entre tantos segredos que mexeram com o nosso imaginário nestes últimos anos. Em clima de despedida e nostalgia, Josh Holloway (Sawyer), Evangeline Lilly (Kate) e Matthew Fox (Jack), que protagonizaram um complexo triângulo amoroso, fizeram um ensaio para a Vanity Fair em uma praia do Havaí. Deixará muita saudade...

domingo, 16 de maio de 2010

HÁ ALGO FANTÁSTICO EM SER... DIFERENTE

Wes Anderson encanta novamente como seu filme mais recente: "O Fantástico Sr. Raposo", baseado no clássico homônimo de Roald Dahl. Como em todos os seus filmes, este também é marcado por uma direção elegante, silenciosa e uma deliciosa melancolia marcada por um quê de sonho e devaneio que permeiam todas as suas obras. Aqui, igualmente, a temática central é a figura paterna e sua complexa existência (ou ausência) na família. Anderson tem fascínio em retratar relações familiares complicadas e pais excêntricos, com a cabeça nas nuvens e ideias mirabolantes. É assim em "Os excêntricos Tenenbaums", "Viagem à Darjeeling", "A vida marinha" etc.
Há algo realmente fantástico sobre o Sr. Raposo...

O Sr. Raposo é uma figura carismática, cheio de charme e fleugma, e quer levar a vida caçando galinhas. A sua esposa, porém, o convence que este tempo passou e é hora de arrumar um trabalho de verdade. Ela engravida, ele arruma um trabalho como colunista de um jornal e os dois passam a levar uma vida "normal", com contas a pagar e dias a serem sobrevividos. Mas tudo o que o Sr. Raposo mais sonha é em roubar galinhas novamente.

E ele o faz, escondido da mulher, ao invadir as granjas de três vizinhos. O roubo desencadeia uma série de eventos que chegam a proporções épicas, que constroem uma atmosfera caótica e obviamente engraçada, sob a qual se esconde a verdadeira alma desta animação. As crianças vão gostar, claro, dos bonecos animados e das situações cômicas. Mas são os adultos que vão apreciar e se comover com este filme da maneira que ele realmente deve ser apreciado e sentido.

Como todos os protagonistas de Anderson, ele é absolutamente desorientado e encantador

Como tudo que Wes Anderson faz (ainda hoje acho as câmeras lentas de Darjeeling inebriantes), este é um filme lindo na sua mais pura simplicidade e desprovimento de complicação. Anderson não tem nenhuma grande ambição aqui, a não ser pontuar esta história da maneira como ele enxerga o mundo, a vida e as complicações da existência (esse é o maior valor do seu estilo característico).

Porque também há, no calor da discussão sobre galinhas e fazendeiros, reflexões sobre amor, auto-estima, cumplicidade e medo de existir. E um punhado de animais adoravelmente complicados, mas que tanto têm a nos ensinar sobre nós mesmos.

Delicado, precioso e imperdível.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O GATO E A CULPA

Terminou o jantar sem pressa, apreciando cada pedaço, cada gole. Beijou a sua mulher na testa, acariciou o seu rosto, sorriu com ternura para as suas duas filhas adolescentes, pediu permissão para se ausentar e subiu para o escritório.

Os degraus de madeira, aquela madeira centenária que havia pertencido ao seu trisavó, rangiam sob os seus pés. Lâmpadas à meia luz amarelavam o seu caminho e pequenas janelas, como escotilhas, mostravam uma chuva insistente que caia sobre o jardim. Parou alguns instantes e contemplou um punhado de poças de lama e grama ao redor da fonte onde um querubim de braço quebrado parecia sorrir. Trovejava, ocasionalmente, e as explosões pintavam sombras nas paredes que, a um olhar descuidado, simulavam esqueletos.

Fechou a porta do escritório e se sentou à mesa. Uma imponente mesa de mogno vermelho onde habitavam, com muita simplicidade, um bloco de anotações, uma luminária de vidro verde e uma caneta tinteiro, presente do seu avô, quando completara 18 anos. Com a ponta dos dedos, rolou a caneta, para trás e para frente, para trás e para frente, como um pequenino rolo de macarrão. Como se estivesse maquinando algo, mas os pensamentos não ganhavam corpo e pareciam sumir de sua cabeça, como fumaça. Explosões de luz inundavam as suas costas através da imensa janela, de onde ele podia ouvir os pingos golpeando o vidro como pequenos meteoritos.

Algo cai à sua esquerda e ele rapidamente vira o olhar para encontrar o gato que sempre se escondia no escritório em dias chuvosos. O gato se ajeitou no chão com elegância e num piscar de olhos, como mágica, já estava acocorado sobre o encosto do sofá de couro de porco perpendicular à mesa onde ele estava. E ali, parado, como uma esfinge, o gato ficou observando o homem. Sem piscar, sem mexer a cabeça, o velho gato era uma estátua.

Olhou de volta para o gato e ambos ficaram, por longos instantes, contemplando-se mutuamente. Ele não gostava daquele gato. E naquela noite, especialmente, sentia ainda mais raiva do animal. E ele podia ver em seus olhos. O gato sabia. O gato sabia o que ele havia feito.

Como um inquisidor, o gato o olhava profundamente, como se aguardasse uma confissão. Ele sentia seu coração palpitar dentro do peito, como uma bomba descontrolada. Suor frio escorria de sua testa, como a chuva na janela. O relógio martelava em seus ouvidos como um juiz e os relâmpagos enchiam o velho escritório de vultos que pareciam cada vez mais perto, de mãos erguidas, com longas garras, como se quisessem enforcá-lo.

Do encosto do sofá, o gato continuava olhando-o, como um falcão empoleirado que observa a sua vítima com desdém. Ele não tinha a menor dúvida. O gato sabia. O gato sabia de tudo e ele precisava fazer algo. Não podia suportar aquela culpa. E refletiu que pescoços, de gatos e de homens, são frágeis como gravetos.

Um último relâmpago emoldurou o escritório inerte. Um gato esticado no chão feito um pedaço de pano, um homem pendurado sob o teto, uma folha de papel com desculpas apressadas.

O gato sabia sobre tudo, mas a sua culpa morria com ele.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A INSESPERADA PRESENÇA

Ninguém sabia quem era o pai ou a mãe do presidente. "Ele nem deve ter uma", era um pensamento partilhado por todos na empresa. Porque o presidente era um homem rígido, discreto, de poucas palavras. Conhecido e respeitado por ser um destes homens de antigamente, que "se fizeram sozinhos", o presidente era assim, admirado e temido por todos que trabalhavam para ele.

Secretárias cruzavam seu caminho de olhos baixos, enquanto outras, mais abusadas, arriscavam um "bom dia" ou "até logo". Quase sempre sem resposta. Ele passava e, como Átila, deixava silêncio em seu caminho. Conversas eram interrompidas abruptamente, olhares voltavam para as mesas. Era como se o tempo parasse quando o presidente passava.

Ninguém sabia ao certo de onde vinha aquela fama, na verdade. Ele nunca havia feito mal a ninguém, jamais tratara um funcionário sem cortesia e nunca ouviram o presidente sequer elevar o tom da voz. Poucas, aliás, foram as vezes em que ele foi ouvido, até. Como um imperador japonês, sua voz era reservada aos cômodos discretos, dentro dos quais as decisões realmente importantes eram tomadas.

Sabia-se pouco sobre sua vida. Era o filho mais novo, de cinco irmãos, e vivera até os 17 anos  no interior, onde ajudava sua mãe e irmãos a cuidar de uma granja e uma horta muito humildes. Sua mãe, viúva, havia cuidado dos cinco filhos com muito esforço e dedicado à vida para que todos pudessem estudar na cidade.

Ao que parecia, ele não tinha mais contato com nenhum irmão. Nem se sabia, de certo, se algum ainda era vivo. Sua mãe morrera, em casa, quando ele ainda estava no segundo ano da faculdade. Mas ele não foi ao enterro. Na verdade, ele nunca mais voltou à sua cidade. Sua vida, desde que foi embora, era aquela fábrica, onde ele teve a sua carteira assinada pela primeira e única vez. Tudo para ele era aquela fábrica. O resto havia se perdido na poeira dos anos.

O presidente era um homem solitário e muito simples. Viúvo, pai de três filhos homens, chegava ao escritório na primeira hora da manhã, quando sempre aceitava uma xícara de café do vigia da madrugada, que prontamente lhe abria a porta. Agradecia ao velho porteiro com um breve aceno de cabeça e subia para a sua sala. Era também o último a ir embora, limitando-se a oferecer um discreto "boa noite" ao mesmo vigia que, ao amanhecer, recebia-o com café.

Todos os dias. Às vezes até no domingo. E assim se transformou num mito vivo e chefe inesquecível por razões não convencionais. Não era odiado, definitivamente, mas não era amado por ninguém. Ele mantinha distância. De tudo. E seguiu esta rotina todos os anos de sua vida, mesmo com quase 80 anos. Sempre bem vestido, bigode aparado, cheirando à colônia cara, ele era o relógio, a alma e o coração da velha fábrica.

Eis que certa vez, ao sair para almoçar no restaurante da esquina, onde ia todos os dias, esbarrou com uma senhora, na porta da sua fábrica. Muito idosa, frágil, lenço amarrando os cabelos, roupa puída. Com mãos calejadas, ela segurava uma sacola pesada onde guardava marmitas para vender aos funcionários. A senhora o olhou, com olhos tenros, e sorriu delicadamente, enquanto enxugava o suor do meio-dia que insistia em molhar a sua testa.

Foi quando, inesperadamente, ele tocou o rosto da mulher e se aproximou, abraçando-a longa e carinhosamente. E, sob o olhar espantado de todos, desabou num choro sentido, engasgado, e soluçando como se houvesse arrancado de suas costas toda a dor do mundo.

A mulher o abraçou de volta, ainda que confusa, e acariciou os cabelos prateados daquele homem tão bem vestido e perfumado que, por alguma razão, a abraçava. Ela tinha um cheiro de mofo, azaléia, tempero e suor e sobre o ombro de sua blusa florida, as lágrimas pingadas já haviam formado uma mancha.

No dia seguinte, a fábrica amanheceu de luto.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

MAYBE IN ANOTHER LIFE

E se, como em LOST, existir uma outra dimensão em que nós somos exatamente as mesmas pessoas, só que... não somos? PS: Não quero, em hipótese alguma, dar uma de pseudo-filósofo. É uma pergunta mesmo.

PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("MORNINGSIDE")

domingo, 2 de maio de 2010

ILUSTRANDO

Modigliani - "Jovem ruiva em vestido de noite" (1918)