quinta-feira, 31 de março de 2011

ILUSTRANDO

Roy Lichtenstein - "Drawing for a Kiss V"

FILMES QUE COMBINAM

Pequena Miss Sunshine ("Little Miss Sunshine", Jonathan Dayton e Valerie Faris - 2006): Uma excêntrica família norte-americana cruza o país com um único objetivo em mente: realizar o sonho de  uma garotinha gorducha que quer ganhar um concurso de modelo infantil. Numa kombi amarela e caindo aos pedaços, pai, mãe, avô, tio (suicida) e um irmão adolescente se unem e vencem as diferenças num lindo e ensolarado filme capaz de fazer rir e chorar. Uma pequena grande aventura sobre o poder e a importância das pessoas com as quais somos obrigados a conviver. Aquelas pessoas que, nos momentos realmente importantes, ficam do nosso lado.

O Hospedeiro ("Gwoemul", Joon-ho Bong - 2006): Surpreendente filme de terror/ficção sul-coreano. Numa manhã qualquer, um monstro surge inexplicavelmente e começa a aterrorizar uma cidade. Entre o caos promovido pelas pessoas em fuga desesperada, o monstro rapta uma garotinha e a leva embora para o seu refúgio. A partir de então, uma família extremamente pitoresca e disfuncional parte em seu resgate. Indo na contramão dos fugitivos e das orientações do exército, um pai arregimenta os demais familiares numa perigosa busca em que todos deverão descobrir talentos inatos (ou desconhecidos) para enfrentar um perigo impensável. No fim das contas, entre monstros e segredos de governo, uma demonstração de amor capaz de unir uma família em torno de um único objetivo: o amor por uma garotinha que cometeu o erro de estar num parque num dia de sol. Pérola do cinema da Coréia do Sul e um filme imperdível.

Dois filmes que combinam.

segunda-feira, 28 de março de 2011

ABRAÇO DE LEÃO


O carinho de um leão por sua tratadora, na Colômbia. Inacreditável. Quem não quer um abraço assim?

sexta-feira, 25 de março de 2011

O CASO DO ASSASSINO DE ANJOS

"Eu sou o anjo caído.
Eu sou luz.

Meu Deus, eu fiz novamente".

* * *

Luis não se considerava o homem mais corajoso do mundo, tampouco se achava covarde. Não era bonito, nem viril, nem o mais forte, mas também não era dos piores. Pelo menos, nenhuma de suas namoradas eventuais havia reclamado. Era um sujeito mediano, sossegado, meio desimportante, destes que não chamam muita atenção.

Meio invisível, achava, o que para ele era uma excelente qualidade de detetive. Entrou para a polícia por conta de suas próprias cicatrizes emocionais. Órfão de pai e mãe, viu sua família ser brutalmente assassinada quando não tinha nem 6 anos de idade. Numa madrugada qualquer, seus pais e irmãos foram mortos e apenas ele sobreviveu. Buscava, assim, entre os policiais, uma família postiça e um meio para resolver esses fantasmas que atormentavam o seu sono.

Não era o melhor policial, claro, mas isso também não o impedia de resolver alguns casos e assuntos importantes. De todos eles, porém, Luís se sentia impelido em resolver o famoso "caso do Assassino dos Anjos". Conhecido, nos bastidores da polícia, como um caso sem solução.

O Assassino dos Anjos não deixava bons rastros e não se permitia classificar. Matava homens e mulheres, jovens e velhos, sem um padrão muito detalhado. A única coisa que permitia ligar os crimes era a maneira como os corpos eram encontrados. Nus, deitados de bruços e enterrados em covas rasas. Em suas costas, asas rústicas desenhadas com o sangue das próprias vítimas. Nenhuma outra violência era cometida, a não ser por uma longa perfuração no peito, feita sem muito critério com algum objeto não cortante, como uma chave-de-fenda, possivelmente.

Era a única repetição do assassino. Pessoas desaparecidas que eram encontradas dias depois, semi-enterradas e com suas asas vermelhas mal desenhadas. O sangue, já seco, ganhava contornos cor de vinho, como tatuagens pré-históricas. Jovens corretores, enfermeiras idosas, crianças em idade escolar. Ao mínimo sinal de desaparecimento, a polícia já se mobilizava para encontrar um anjo antes que fosse tarde demais.

Ninguém conseguia entender as motivações por trás daqueles crimes. E Luís tampouco. Debruçava-se, horas a fio, sobre fotos, notícias e dossiês, tentando ler as entrelinhas daquela série de crimes que se sobrepunham num infinito de informações cifradas, como um labirinto. Café esfriando sobre a mesa, olhos vermelhos de cansaço contemplando costas nuas, gordas, magras, definidas. Costas de velhos e de modelos. Pobres almas unidas pela sina de se tornarem os anjos de sangue do assassino que aterrorizava a cidade havia meses.

Solitário, Luís voltava todas as noites para o seu obscuro apartamento, sempre com um vazio no peito. O vazio de não cumprir seu dever. O vazio de não ter ninguém para retornar. Não havia se casado, não tinha família. Não conseguia criar laços, acreditava. Não tinha "jeito com pessoas".

Caminhava, a passos lentos; a calçada mal iluminada e inundada por aquela penumbra da madrugada que parece esconder todo o tipo de perigo. Um silêncio esquisito, interrompido por alguns barulhos distantes, como gatos revirando latas de lixo. Um vento cortante, invadindo seu corpo por baixo do casaco pesado. Chuva fina.

Um barulho chama a atenção de Luís num beco, adiante. Um homem encostado na parede, fumando, olhos escondidos sob uma cortina gris. Os dois se olham por longos segundos até que o estranho oferece um cigarro a Luís. "Maldita madrugada fria". Não suportava cigarros, mas Luís aceita a gentileza. As mãos de ambos se tocam durante um breve instante, onde dedos incompetentes tentam fazer a chama do isqueiro sobreviver ao vento e à chuva.

Um vento quente invadindo boca, pescoço, pulmão, narinas. Uma sensação estranha, amarga e saborosa.

Naquela noite, Luís chegou em casa exausto, cansado demais até para um banho. Respirava pesadamente, como se tivesse subido pelas escadas. Olhou-se no espelho do banheiro, tocando seu rosto pálido com as mãos vermelhas e sujas de terra. E, balbuciando qualquer coisa inaudível até para si mesmo, apagou a luz para dormir.

"Meu Deus, eu fiz novamente".

quarta-feira, 23 de março de 2011

ADEUS A UMA DEUSA

Hoje se despede deste plano terrestre mais uma deusa imperfeita. Elizabeth Taylor (1932-2011). Hoje o cinema perde o mais lindo par de olhos violetas e muito de sua mágica. No célebre papel da Rainha Cleópatra descobri mais uma de minhas inúmeras paixões platônicas. O mundo amanhece mais cinza nesta quarta-feira.

segunda-feira, 21 de março de 2011

O REINO DOS ÓRFÃOS

Ubirajara, mais conhecido como "vô Bira", era um sujeito incomum. Hippie inveterado, socialista fervoroso, sentia orgulho de ostentar uma longa cabeleira prateada que, ocasionalmente, prendia num descuidado rabo-de-cavalo. Meio extraterrestre, seu lugar preferido - e refúgio - era uma chácara a quase 2 horas de distância da cidade, onde passava os seus dias conversando com passarinhos, pescando peixes num lago - para em seguida devolvê-los à água - e matando mosquitos com os pés, hobby responsável por um punhado de mesas quebradas, marcas de pés nas paredes e três divórcios.

Ele vivia como um hermitão, feliz, sempre de pés descalços. Era de sua "herança indígena", ele dizia orgulhosamente quando recusava, pela centésima vez, um par de sapatos de presente. Gostava de caminhar com os pés no chão, tão sujos e mal tratados, que era quase como se ele tivesse desenvolvido uma sandália orgânica que deixava uma silhueta inconfundível na parede após mais uma tentativa de extermínio de zumbidos.

Vô Bira gostava da natureza. De tirar fotos das árvores, de tomar banho sem roupa no rio, de deitar sob o sol e comer frutas e legumes frescos, ainda com aquele aroma de terra. Não tinha inibições nem quando deixava a todos desconfortáveis com alguns de seus hábitos de nudismo ou mera falta de traquejo social.

Ninguém lembrava, ao certo, quando ele havia comprado roupas novas. Era impossível lembrar. Uma foto antiga, do primeiro casamento, era a lembrança coletiva de todos. Vô Bira vestindo terno e gravata. Depois disso, camisetas manchadas e shorts tão furados que pareciam tangas, como se ele estivesse enrolado em uma rede artesanal de pesca. Ele pouco se importava. E ria, um riso solto, uma gargalhada inocente de quem descobriu, antes de todos, que não faz muito sentido em se preocupar tanto com as miudezas que nos tornam civilizados.

Ele não gostava de dinheiro. Nem de televisão. Nem dos correios. Nem de colônia pós-barba. Gostava da sua casa, da sua bagunça ordenada e do que a vida ao seu redor provia. Frutas, legumes, um pequenino cercado onde criava galinhas. Sentia pena de cada uma que abatia, claro, e sempre fazia questão de cumprir todos os rituais funerários. Mas era impossível, mesmo para ele, abrir mão do seu prazer mais mundano: galinha assada, com batatas e arroz.

Não bebia. Não muito, pelo menos. Nem fumava, salvo por alguns charutos que ele gostava muito mais pelo aroma da fumaça e pelo fato de que o hábito ocasional o fazia lembrar Fidel Castro. Quem fizesse a comparação ganhava muitos pontos de simpatia com o vô Bira.

Tinha dois cães e dois gatos que viviam harmoniosamente. "Os animais são socialistas!", dizia, da janela de casa, apontando para os animais juntos no quintal. Vô Bira gostava das crianças da família. Dos netos novos. Dos novos casamentos e das formaturas. Celebrava as pequenas conquistas de todos e nunca esquecia de nenhum dos aniversários. Cada aniversariante da família podia ter pelo menos uma certeza em seu dia: de que receberia uma ligação, no raiar da manhã, com uma voz rouca e melodiosa do outro lado da linha cantando - com fortíssimo sotaque - alguma canção de Bob Dylan, dos Beatles ou dos Rolling Stones. "Sympathy for the Devil", foi a minha última. Acho que mais por uma provocação a minha mãe do que qualquer outra coisa. Sorrio, todas as vezes que lembro disso.

Mas que criaturas misteriosas somos nós, que nos permitimos afastar de um ser de outro planeta como era o nosso avô Ubirajara. Um personagem de livro que vivia ali, a quase duas horas de nós. Deixamos esse tempo passar e não aproveitamos a sua companhia. Quase nada dela, salvo pelas obrigações familiares. Alguns por falta de tempo, outros por vergonha, outros tantos por incômodos quaisquer. A verdade é que deixamos o vô Bira de lado, em detrimento da "vida que importava". Deixamos ele passar.

Quando ele morreu, somente então, percebemos o valor daquela existência escondida, no meio do mato, entre os bichos e as frutas. Mas era tarde demais.

Fechar a casa do vô Bira pela última vez. Vendida. Futura pousada. E então, só então, descobrimos a desesperadora impossibilidade de voltar o tempo perdido e o reino de órfãos que, repentinamente, havíamos nos tornado.

sexta-feira, 18 de março de 2011

FILMES QUE COMBINAM

Como John Cusack que, no imperdível "Alta Fidelidade" (High Fidelity), adora imaginar listas para tudo, eu gosto de elaborar um pequeno passatempo cinematográfico muito simples: imaginar sessões duplas de filmes. O objetivo é juntar dois filmes que tenham alguma relação seja no roteiro, temática, cenário, época, enfim, alguma conexão subjetiva. Mas o desafio é fugir do óbvio, porque eles não podem ser intimamente relacionados. Inauguro essa reflexão aqui com uma sessão dupla de cinema que há um bom tempo pretendo fazer:
Viagem a Darjeeling ("Darjeeling Limited", Wes Anderson - 2007): Três irmãos decidem buscar auto-conhecimento e aproximação numa pitoresca viagem de trem pela Índia. O Darjeeling Limited é o cenário (e o microcosmos) onde eles trocam memórias e mágoas novas e antigas. O plano é simples: se (re)conhecerem enquanto chegam a um mosteiro onde a mãe deles decidiu se tornar freira. Um filme alegre e ocasionalmente melancólico, excêntrico e comovente recheado com câmeras lentas lindas de morrer...
Assassinato no Orient Express ("Murder on the orient express", Sydney Lumet - 1974): Na famosa história de Agatha Christie, passageiros encontram-se no Orient Express, o famoso e luxuoso trem que, em 1935, fica preso numa tempestade. Durante a madrugada, um milionário que havia sido ameaçado de morte é assassinado e, rapidamente, todos os seus passageiros são suspeitos. Cabe ao inesquecível detetive Hercule Poirot desvendar esse mistério. Um filme imperdível para amantes do gênero e uma ótima companhia para o trem desgovernado dos irmãos Whitman, que se perdem e se encontram sob o sol escaldante da Índia.

Dois filmes que combinam.

quinta-feira, 17 de março de 2011

SÓ PORQUE EU NUNCA MAIS HAVIA FALADO NELES...

É um amor difícil de explicar. Meio platônico, acho. Eles não dão nenhuma bola para a gente (para nada, na verdade). Mas é impossível não amá-los perdidamente.

terça-feira, 15 de março de 2011

MUITAS FOTOS, POUCAS PALAVRAS

As fotos e vídeos da tragédia no Japão andam deixando pouco espaço para as palavras. Meus mais sinceros pensamentos a este povo tão (infelizmente) acostumado a se refazer no caos.

sexta-feira, 11 de março de 2011

O INCIDENTE

Aquela família jamais seria a mesma. Após o incidente, tudo havia ganhado outras cores e profundidades, como se pairasse no ar uma suspeita, um perigo, um segredo. Olhavam-se, em silêncio, durante todas as refeições. Escondendo-se, uns dos outros, como se vestissem máscaras de um carnaval em Veneza. O incidente havia mudado tudo. Para sempre.

As conversas eram pautadas por amenidades. Nada que importasse. Conversas anestésicas, sem grandes propósitos. Risos postiços, toques forçados sem nenhuma intenção real de carinho. Desde o incidente, eles haviam se tornado estranhos. Quase inimigos. Não sabiam mais como lidar com a convivência diária. Haviam se tornado estrangeiros naquela modesta casa onde cinco pessoas pareciam ocupar o espaço de um exército.

O pai saía, todas as manhãs para trabalhar. Saía e voltava com o mesmo punhado de palavras necessárias. A mãe ficava, quase todo o dia, na cozinha e orquestrando as atividades da máquina doméstica. Comida, limpeza, roupas. Ações automáticas e precisas, similares ao do seu marido, que do outro lado da cidade soldava componentes de eletrodomésticos. Mãos e pernas que pensavam pela cabeça. Olhos para guiar no percurso, ausência quase completa de pensamentos. Assim era depois do incidente. Era melhor não pensar em nada.

Os dois filhos mais velhos ficavam quase todo o dia fora. Um para cumprir uma exaustiva agenda de estudos e trabalho. Outro para uma agenda mais flexível, geralmente sem nenhum propósito construtivo. Mas nem por isso deixava de chegar em casa no cair da madrugada. Na solitária companhia da mãe ficava a filha mais nova, pré-adolescente, que estudava pela manhã e ajudava a mãe durante os afazeres da tarde. Silenciosa, como se muda, navegava os poucos cômodos como um fantasma. Aquela menina de olhos trágicos e vestidos puídos que ficavam cada vez mais curtos diante dos olhos de todos.

O incidente havia mudado tudo. Havia destruído aquela família. Eles não conseguiam mais olhar nos olhos uns dos outros. Não sabiam o que dizer, o que perguntar. Não riam. Não havia música. Quando muito o silêncio embalado pelas notícias sem importância na televisão. Eles eram estátuas de cera vivas, ocupando espaços em conjunto, convivendo com dificuldade. Habitantes de um labirinto. Prisioneiros sem muros.

Pela manhã, logo cedo, começava o pior de todos os rituais familiares. Tomar café, naquela mesa de toalha florida onde os braços e cotovelos quase podiam se tocar. Mãos que trocavam desastradamente facas e manteiga com grande inibição. Olhares ressabiados, pernas inquietas sob a mesa. Os filhos exalando um cheiro misturado de sabão e desodorante. Aquele cheiro de quem começa uma nova jornada diária. A mãe ainda de camisola, os cabelos amarrados sem rigor atrás da cabeça. O pai transpirando álcool em excesso da noite anterior. Todos os dias. Depois do incidente, tomar café juntos se transformou numa sessão de tortura para aquela família.

Como um batalhão dispersado, cada um praticamente saltava da cadeira para cumprir as obrigações necessárias ou mesmo inúteis. E o silêncio tomava conta, mais uma vez, da casa. A mãe recolhia os pratos, como uma cega, tateando os utensílhos sobre a mesa. O pai se arrastava para a porta, como se carregasse uma tonelada sobre suas costas cansadas de trabalhador braçal. Olhava para a mulher, de costas, na cozinha, lavando pratos. Um barulho excessivo de louça na pia, como se para abafar algo. Como se ela gritasse e aquela louça balançando violentamente pudesse fazer algo para abafar o barulho que vinha de sua mente. Ameaçava ir ao seu encontro e tocar o seu ombro. Mas desistia todas as vezes.

O sol invadindo lentamente a sala. Móveis baratos, flores de plástico. Tudo coberto por uma iluminação pobre que, ao final do dia, produzia um desagradável cheiro de coisa mofada.

O incidente havia mudado tudo, não havia como negar.

Aquela era uma família de pessoas infelizes. Reféns de um segredo. Eles que, em companhia de seus travesseiros, pediam secretamente, todas as noites, para não acordar no dia seguinte.

Aquelas pobres seis pessoas.

quinta-feira, 10 de março de 2011

ILUSTRANDO

Frida Kahlo - "As duas Fridas Kahlo"

quarta-feira, 9 de março de 2011

PARA VER E OUVIR: GROOVE ARMADA ("MY FRIEND")


Música número 1 para o retorno de um feriadão. Duvido que alguém discorde.

sexta-feira, 4 de março de 2011

quarta-feira, 2 de março de 2011

PARA VER E OUVIR: THE STROKES ("UNDER COVER OF DARKNESS")


Primeiro clipe da banda em meia década.

PARA VER E OUVIR: CHET BAKER ("SOMEONE TO WATCH OVER ME")


Às vezes é só isso que a gente precisa.