sexta-feira, 30 de outubro de 2009

FOTOGRAFIAS DE VINCENT BOUSSEREZ - "PLASTIC LIFE"




Um pouco mais da obra do talentoso Vincent Bousserez pode ser conferido no seu Flickr.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

UM GUIA DE ENGENHEIRO SOBRE GATOS


Qualquer dono de gato vai amar esse vídeo. Engraçado e amoroso.

SIMON´S CAT: "HOT SPOT"

terça-feira, 27 de outubro de 2009

PARA VER E OUVIR: SARAH VAUGHAN ("MY FUNNY VALENTINE")


É difícil imaginar que esta senhora já padecia com um câncer durante esta apresentação tão eletrizante.

domingo, 25 de outubro de 2009

CONSTANTINO E O QUADRO


Constantino levava o seu trabalho a sério. Não se considerava apenas um mero segurança de museu. Para ele, aquele não era um museu qualquer. E, assim, ele jamais poderia ser um guarda qualquer. Acreditava, portanto, que a providência o havia colocado naquele posto, como um fiel templário que aceita fervorosamente o dever de proteger a santa cruz. Adorava todos os cantos, todas as sombras, cheiros, até as imperfeições no chão. Sabia de cor a localização de cada obra e mesmo os nomes dos respectivos artistas buscou conhecer. Talvez fosse uma ânsia de aprender, talvez fosse apenas o vazio do turno da noite, como saber?

Não tinha a menor pressa. Andava vagarosamente pelos corredores silenciosos que beiravam a penumbra. Mas não sentia medo, nem solidão. Aliás, aquele era o único momento do dia de que verdadeiramente gostava. Se pudesse, dormiria e acordaria entre as cenas de batalha, as paisagens bucólicas, crianças, frutas e as imagens abstratas. Tudo para ele era especial no museu. Era quando, pelo menos por algumas horas, apreciava a sua vida.

Sua mulher o havia deixado, seus filhos não o procuravam, sua família não parecia fazer muito caso dele. Vez ou outra havia uma reunião familiar, um encontro de Natal, de Páscoa e nada mais. O resto do tempo passava sozinho entre as paredes do quarto que alugava não muito longe do trabalho. Não gostava de se atrasar. E mesmo sem precisar, fazia questão de estar lá logo cedo, pela manhã.

Mas havia algo em especial, que roubava a sua atenção. Um quadro pouco famoso, de um pintor quase desconhecido que ficava exposto na ala menos popular. Mas para Constantino, visitar todas as noites aquela obra era como ir ao encontro de uma mulher amada. Arrumava a gravata e a camisa, como se alguém o estivesse esperando. E ficava por horas e horas, hipnotizado pela pequenina cena emoldurada: Uma mulher deitada preguiçosamente sob a sombra de uma árvore à beira de um lago. Ficava horas observando aquela mulher misteriosa e que roubava sua atenção todas as noites.


Numa madrugada especialmente melancólica, ele ficou mais tempo ali, de pé, com o olhar fixo na jovem mulher que parecia encará-lo de volta, sem pudor. Queria tocá-la, ouvir a sua voz e estar em sua companhia. E então, como uma criança, Constantino fechou os olhos e se atreveu a sonhar.


* * *


Na manhã seguinte, pela primeira vez em tantos anos, Constantino não apareceu para o trabalho. Os corredores pareceram estranhos sem o zeloso guarda, que durante tanto tempo cuidou para que cada obra estivesse íntegra e protegida de qualquer ameaça. O seu turno teve de ser remanejado e outro veio fazer a sua ronda. Tudo parecia muito estranho e desconexo naquele dia. Talvez pelo fato de Constantino não estar contemplando o quadro que o hipnotizava, talvez fosse só impressão, como saber? A verdade é que, pouco tempo depois, ninguém mais dava por sua falta.


E novos visitantes vieram, dia após dia, ano após ano. E o pequenino quadro continuou lá, insignificante e despercebido: A imagem congelada de uma manhã de sol na qual, à beira de um lago, uma mulher e um homem pareciam entreter-se um ao outro imensamente, como um casal de namorados.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

"ERA UMA VEZ... NA FRANÇA OCUPADA PELOS NAZISTAS..."


Não vou ser do contra. "Bastardos Inglórios" (Inglorious Basterds), o novo filme de Quentin Tarantino, é o máximo. O filme é um primor, um deleite do começo ao fim; um desfile de técnica, estilo próprio e originalidade. Tarantino saltou, ao longo destes anos, do estigma de "diretor de filmes B ultra-violentos" para um dos mais completos, independentes e autênticos do momento. Tarantino não segue ninguém, não copia nada e, ao mesmo tempo, copia tudo, ao costurar um filme que é um mosaico infinito de referências. Uma ode apaixonada ao cinema e, sobretudo, ao cinema DELE, de sua juventude; os filmes que marcaram sua vida e fizeram dele este diretor-artista, este maestro da novidade. "O Picasso do cinema", como já ouvi falarem dele.

"Nós não estamos no negócio de fazer prisioneiros"

"Bastardos", estrelado por um elenco impecável, narra a história (fictícia) de uma milícia de judeus americanos que são lançados no coração da França ocupada com o único objetivo de caçar nazistas e espalhar o terror entre os soldados alemães, durante a II Guerra Mundial. E eles ganham fama rapidamente, que se espalha como um vento de terror entre os nazis, sobre histórias de escalpelamento e cabeças esmagadas com tacos de baseball. Os bastardos se transformam no pior pesadelos dos alemães, que já os imaginam como monstros e gigantes. Brad Pitt, que interpreta de forma magnífica o coronel Aldo "Apache" Raine, define muito bem o que são os bastardos: "Nós não estamos no negócio de fazer prisioneiros".

Brad Pitt brilha no papel de Aldo "Apache" Raine

Aliás, Brad Pitt merece atenção especial pela sua atuação. Na pele do coronel Raine, ele está na melhor canastrice possível, com sotaque caipira e excelentes tiradas. Em alguns momentos, Pitt me lembrou muito Marlon Brando, no "Poderoso Chefão". A maravilhosa sequência no cinema, em que Pitt traja smoking branco - ao tentar passar como cineasta italiano - é a reencarnação do chefão inesquecível. Vi Brando novamente, vivo, canastríssimo, poderoso.


O talentoso ator austríaco Christoph Waltz vive o col. Landa, "o caçador de judeus"

Merece grande lembrança, também, a atuação de Christoph Waltz, que leva à tela um dos melhores vilões dos últimos tempos. Ele é o coronel Hans Landa, "o caçador de judeus". Landa é um príncipe, refinadíssimo, educado, poliglota, de fala mansa e suave. Apesar de transparecer os modos de um homem extremamente calmo, as cenas com o coronel Landa são de uma tensão inacreditável. A atuação dele é tão boa ao ponto de transformar um simples copo de leite num objeto de medo. A sequência inicial - clara homenagem ao western "Era uma vez no oeste" de Leone - é dele.


Mélanie Laurent é Shosanna, "o rosto gigante vingativo". Ela brilha.

Outra jóia do filme é Mélanie Laurent, que interpreta Shosanna Dreyfus, a menina judia que consegue fugir das garras do coronel Landa. Shosanna se esconde em Paris, onde dirige um cinema sob falsa identidade. Na marquise do seu cinema, podemos ver discretamente, uma referência à deusa imperfeita, Leni Riefenstahl. A atuação de Mélanie Laurent é incrível. É um show de emoção: amor, desdém, raiva.  Shosanna é a heroína nos bastidores e um dos personagens mais interessantes do filme.


"Bastardos Inglórios" é um filme violento, claro; editado ao melhor estilo Tarantino e pouquíssimo preocupado com a fidelidade histórica. É um conto de fadas barra pesada, no qual o diretor conta a sua própria versão da guerra, onde os alemães não apenas foram derrotados, mas destruídos pelas mãos de uma milícia de soldados judeus. Só na cabeça genial de Tarantino é possível desenhar esse mundo - tão crível - onde judeus bem badass vão à Europa para dar o troco aos nazistas. É o ápice da vingança. O que todos gostariam que tivesse acontecido. O filme inventa um novo fim para a guerra e as figuras mais notórias do III Reich: Goebbles, Goering, Bormann e, naturalmente, Hitler. "Bastardos Inglórios" é caricato, exagerado, engraçado, violento e clássico instantâneo. É um tesouro do cinema moderno, que merece - precisa - ser visto por todos. Absolutamente imperdível.

Inglorious Basterds - Trailer from Florian KARMEN on Vimeo.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

ANNABEL LEE (EDGAR ALLAN POE)


It was many and many a year ago,
In a kingdom by the sea,
That a maiden there lived whom you may know
By the name of ANNABEL LEE;
And this maiden she lived with no other thought
Than to love and be loved by me.

I was a child and she was a child,
In this kingdom by the sea;
But we loved with a love that was more than love-
I and my Annabel Lee;
With a love that the winged seraphs of heaven
Coveted her and me.

And this was the reason that, long ago,
In this kingdom by the sea,
A wind blew out of a cloud, chilling
My beautiful Annabel Lee;
So that her highborn kinsman came
And bore her away from me,
To shut her up in a sepulchre
In this kingdom by the sea.

The angels, not half so happy in heaven,
Went envying her and me-
Yes!- that was the reason (as all men know,
In this kingdom by the sea)
That the wind came out of the cloud by night,
Chilling and killing my Annabel Lee.

But our love it was stronger by far than the love
Of those who were older than we-
Of many far wiser than we-
And neither the angels in heaven above,
Nor the demons down under the sea,
Can ever dissever my soul from the soul
Of the beautiful Annabel Lee.

For the moon never beams without bringing me dreams
Of the beautiful Annabel Lee;
And the stars never rise but I feel the bright eyes
Of the beautiful Annabel Lee;
And so, all the night-tide, I lie down by the side
Of my darling- my darling- my life and my bride,
In the sepulchre there by the sea,
In her tomb by the sounding sea.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

PARA VER E OUVIR: GERARD BUTLER CANTA "MUSIC OF THE NIGHT" (THE PHANTOM OF THE OPERA)


Apesar das críticas, acho que Gerard Butler interpretou lindamente o papel do fantasma nesta adaptação muito bem feita por Joel Schumacher.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

UM FILME SOBRE ELE, UM LIVRO SOBRE ELA


O livro "A mulher do viajante do tempo", bestseller de Audrey Niffenegger, é uma das histórias que mais me encantaram nos últimos tempos. Um romance inesquecível sobre uma mulher, Claire, que se casa com o amor de sua vida, Henry, um homem marcado por um raro disturbio genético que o obriga a viajar no tempo contra a sua vontade. Os dois se conhecem quando Claire é apenas uma menina e Henry surge magicamente numa pradaria onde ela brincava. A partir daí, encontros esporádicos ao longo de anos nos quais Claire espera ansiosamente pelo dia que encontrará Henry num tempo partilhado por ambos. O filme, dirigido por Robert Schwentke, e que, para o meu desespero, foi batizado no Brasil como "Te amarei para sempre" (quem escolhe esses títulos?!) não é uma adaptação ruim mas, definitivamente, não está à altura do livro. E por razões bem específicas. A primeira delas, como diz no próprio livro, "esta é uma história sobre saudade" e o filme não consegue comunicar isso. A segunda, é que o filme é sobre ele, Henry, quando, na verdade, essa história é sobre ela, Claire. A solidão de Claire, seu martírio, seu sofrimento em esperar por um marido que surge e desaparece como num pesadelo. Suas refeições sozinha, Natal, ano novo, sempre solitária. O desespero de não saber quando seu marido irá sumir e quando irá reaparecer. E em que estado. O filme distorce isso, com certa banalidade, talvez para converter essa história complexa em algo mais palatável ao grande público. Um outro aspecto muito presente no livro é o intenso erotismo partilhado por Henry e Claire que, simplesmente, não conseguem se largar de tão apaixonados. O filme nos mostra um casal apaixonado, claro, mas sem grande intensidade física, sexual. Inevitavelmente, algumas passagens belíssimas do livro não foram levadas à tela. Mas isso é normal, uma vez que seria impossível colocar tudo em 2 horas. Estrelam Eric Bana (Henry) e Rachel McAdams (Claire) que, na verdade, estão muito bem no papel, mas mereciam um roteiro melhor. Uma adaptação mais apaixonada daria um filme de arrasar. Mas, na minha opinião, o maior crime possível foi a criação de um final diferente do livro que, obviamente, não irei contar aqui. O que posso dizer é que, no livro, o final é de fazer soluçar de tão belo e comovente. No filme, porém, o final é extremamente ameno e banal, com ar de final feliz. Não que o final original seja triste, pelo contrário! É imensamente poético e tocante. Não consigo entender porque os roteiristas não seguiram o final de Niffenegger. Espero que na edição em DVD haja a opção "final alternativo", fiel ao livro. Apesar de não ser um filme ruim - na verdade é um ótimo filme - recomendo a leitura do livro que é imperdível. Com o livro, viajamos no tempo, com Henry e Claire. Partilhamos de sua dor e de seu amor. Com o filme, infelizmente, só vamos até a esquina. É uma pena.

sábado, 17 de outubro de 2009

PARA VER E OUVIR: JOHN MAYER ("WHO SAYS")


Realmente, acho que o sr. M surpreenderá novamente. Aguardo ansiosamente pelo novo álbum...

PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("BOTTLE IT UP")


Sara Bareilles - "Bottle It Up"

Sara Bareilles | Vídeos de Música do MySpace

PARA RIR UM POUCO: RYAN REYNOLDS DUBLA "I SWEAR"


Uma breve pausa, entre meus devaneios semi-superficiais e reflexões quase profundas, para rir um pouco. O irreconhecível galã Ryan Reynolds dubla "I Swear", no papel de um gordinho frustrado no filme (muito engraçado, por sinal) "Apenas Amigos". Absolutamente hilário. Ryan tem um talento nato para a ironia e o sarcasmo, muito pouco reconhecido. Deveriam investir mais no potencial cômico deste ator tão talentoso.

O MELHOR DIÁLOGO DE KILL BILL


"Aquelas são as suas roupas". Nesta cena inesquecível, Bill devaneia sobre o Super Homem e o define da forma mais original e bonita que eu já vi. A saga KILL BILL é preciosa. E essa cena é um tesouro. Saudoso Caradine.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

DEVANEIO SOBRE A SOLIDÃO

Muito me impressionou a história do senhor português encontrado morto, esta semana, num apartamento alugado, em Paris. Dois anos depois de sua morte. Essa triste notícia da vida real soou como um conto. Segundo os bombeiros, o corpo do imigrante foi encontrado sentado numa poltrona da sala. "Mumificado", apesar do avançado estágio de decomposição. Pode ter morrido do coração, sentado na sua cadeira, sozinho. Sem ninguém para dar por sua falta. Os vizinhos informaram que era um homem discreto, que falava pouco e ouvia mal. As autoridades o identificaram pelo número de série do seu aparelho auditivo. José Gomes de Macedo. Ele era engenheiro civil, nascido em Braga, onde ainda mora a sua ex-mulher, com quem continuava casado legalmente. Segundo a perícia, estaria morto desde 2007. Ninguém entrava no apartamento, de onde há algum tempo exalava um odor ruim, relataram os vizinhos. O senhor, discreto, não possuia conhecidos nas redondezas. E as contas, por débito automático, continuaram sendo pagas. Apenas a luz havia sido cortada e a caixa de correio transbordava com correspondências antigas. Na geladeira, a validade de um iogurte estragado deu algumas pistas: novembro de 2007. É uma crônica real da solidão. De uma vida desfeita e descoberta pela informação de um iogurte velho. Uma crônica sobre o desaparecimento. A história me lembrou uma professora de faculdade que, precavida, solicitou com muita antecedência todos os seus desejos funerários a um advogado. Muito solitária, temia ser descoberta pelo cheiro do corpo. Às vezes a vida é bela, às vezes é crua. Às vezes é, simplesmente, real. Demais.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

PARA VER E OUVIR: LUCIANO PAVAROTTI (PAGLIACCI - VESTI LA GIUBBA)



A ária que fazia chorar até um homem truculento como Al Capone interpretada magistralmente por Pavarotti.

A LIÇÃO DE CARRERAS


Os "Três Tenores", Plácido Domingo, Luciano Pavarotti e José Carreras

Nem todos conhecem esta fábula da vida real, mas esta é uma história que merece ser conhecida e compartilhada. Desde 1984, José Carreras e Plácido Domingo, dois dos 3 tenores, eram inimigos declarados e que não deviam ser convidados para os mesmos eventos.

Em 1987, José Carreras descobriu que sofria de leucemia e passou a se submeter a tratamentos caríssimos nos Estados Unidos, país para o qual viajava quase todos os meses. Impossibilitado de trabalhar e com as despesas elevadas, em pouco tempo José Carreras viu sua fortuna se desfazer.

Sem meios para continuar seu tratamento, ele descobriu que havia uma clínica em Madri, a Fundación Hermosa, que tratava e apoiava portadores de leucemia. Com a ajuda da fundação, Carreras conseguiu vencer o câncer.

Recuperado, José Carreras voltou a cantar e decidiu se associar à Fundación Hermosa para ajudá-la financeiramente. Porém, ao tomar mais conhecimento da instituição, Carreras descobriu - para seu espanto - que o fundador da Hermosa era ninguém menos que seu maior inimigo: Plácido Domingo. E mais, Carreras descobriu que a clínica havia sido criada, na verdade, para atendê-lo exclusivamente. Plácido Domingo se mantinha anônimo para que José Carreras não se sentisse constrangido, humilhado ou negasse a ajuda do seu "inimigo".

Um belo dia, numa apresentação de Plácido, em Madri, José Carreras interrompeu-o e se pôs de joelhos à sua frente. Pediu perdão, publicamente, e agradeceu a Plácido Domingo por ter salvo a sua vida. Uma jornalista, então, perguntou a Plácido Domingo o motivo de ele ter criado a Fundación Hermosa que, além de beneficiar um inimigo, manteria vivo um dos poucos tenores capazes de superá-lo artisticamente. Ao que Plácido Domingo respondeu: "eu não seria capaz de privar o mundo de sua voz".

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O ABISMO AZUL


Ele não fazia idéia do impacto que sentiria, tão desprevenidamente, ao folhear a revista que há poucos segundos estava esquecida na sala de espera. Uma revista de turismo e aventura, daquelas que ele jamais cogitaria folhear. Sempre há tantas outras mais importantes, de assuntos tão mais interessantes. Mas aquela revista desinteressante, de páginas soltas, por alguma razão misteriosa, roubou seu olhar.

Na capa havia a foto de uma grande extensão de oceano, azul claro e cristalino, algumas ilhas breves desenhadas com graça abraçando um círculo azul escuro ao centro, como um olho índigo no meio de um céu de verão. Meia dúzia de palavras descreviam a edição daquele mês: “os misteriosos abismos azuis”. Quase em transe, como se estivesse com sede, correu dedos desesperados direto para a reportagem de capa.

“O que havia feito de sua vida?”, pensava tanto naquelas semanas que antecediam seus 40 anos. Quatro décadas. “Nós não somos treinados para completar 40 anos”, ele discutia ardorosamente consigo mesmo. É uma idade que não se deve alcançar. “O que havia feito de sua vida?”, ele pensava como um mantra insistente e amargo, a cada nova manhã, a cada nova xícara de café, a cada partida no carro. E a falta de resposta – ou pelo menos uma que fosse convincente – o deixava cada vez mais desesperado. “São anos que não voltam mais, nunca mais. É o começo indiscutível do fim”.

Sua vida, até aquele ponto, havia sido uma jornada de passos medidos, de decisões cautelosas e planos desenhados como uma equação que teria que dar certo. Só poderia dar certo. E a costura dos eventos vividos fora feita com uma linha morna de relacionamentos banais, empregos medíocres, o jantar solitário de todas as noites e mensagens em secretárias eletrônicas, para pessoas que ele sequer lembrava os sobrenomes. Amores e amizades, negligenciados pela passagem dos dias.

Naquela manhã comum, ele tinha uma consulta no oftalmologista. Nem havia a necessidade, para falar a verdade. Seus olhos estavam ótimos e ele sabia disso. Mas fazia parte de suas checagens anuais. Olhos. Dentes. Impostos. Fazia parte do plano. De um plano secreto, íntimo, para que ele não entrasse em colapso. Para que não se lançasse contra a parede como um trem desgovernado. São as correntes pesadas para fixar ao chão aqueles que flertam com o abismo.

Ao dedilhar cuidadosamente as páginas sobre os abismos azuis, fenômenos um tanto quanto misteriosos da natureza - que compreendem túneis de águas profundas em pleno oceano - ele sentia os olhos umedecerem. Na foto principal havia um mergulhador, flutuando como um anjo, descendo sob um manto de luz cortando um longo declive de escuridão azul. “O que haveria lá, que segredos habitavam os abismos azuis?", ele pensava ansiosamente. Outras fotos mostravam corais de múltiplas formas e cores e pedras estranhas, como se demarcassem pontos especiais do planeta. Marcas num mapa.

“O senhor já pode entrar”, disse a atendente, quase sussurrando, sem sequer tirar os olhos do computador. Silêncio. Os dedos interrompem a atrapalhada digitação para constatar que não havia mais ninguém lá na sala de espera.

. . .


“O senhor já pode entrar”, disse-lhe com forte sotaque, um sorriso sincero e um leve tapa nos ombros. "O senhor já pode entrar".

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

DEVANEIO EM 140 CARACTERES

Acordou. Na cozinha, mulher e filhos. Café. Conversas. Despediu-se. Já no carro se perguntou desesperado “quem diabos eram aquelas pessoas”.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

THE HYENA & OTHER MEN


Vale conferir o trabalho do talentoso fotógrafo Pieter Hugo, em especial as suas fotos dos "Homens Hiena" da Nigéria. As imagens mostram o trabalho destes homens que parecem habitar um mundo paralelo, desértico, apocalíptico. Eles são coletores de dívidas que visitam seus "clientes" acompanhados por uma hiena selvagem. Homens de um outro mundo, sem dúvidas. De uma África desconhecida, inóspita, inatingível, que não nos é compreensível nem no pior pesadelo. As fotografias de Pieter Hugo são de uma beleza crua e violenta, com retratos perfeitos da frieza destes homens e de seu trabalho. Absolutamente inacreditável.


domingo, 4 de outubro de 2009

"WOULD YOU ERASE ME?"


E se realmente fosse possível apagar memórias tristes das nossas mentes? Sumir com aquelas lembranças que nos fazem sofrer; as memórias que já não tem utilidade; eliminar qualquer vestígio de alguém que amamos perdidamente como num passe de mágica? Essa é a grande questão deste brilhante filme de Michel Gondry, lindamente protagonizado por Jim Carrey (no seu melhor papel dramático) e Kate Winslet, perfeita como sempre. O título é uma alusão à famosa citação de Alexander Pope: "Feliz é a virgem inocente. Esquecendo o mundo e por ele sendo esquecida. Brilho eterno de uma mente sem lembranças". A história transpira profunda beleza e metafísica ao narrar a vida de um casal infeliz que decide apagar um ao outro da memória por meio de um questionável procedimento médico. Joel e Clementine viveram juntos e chegaram a um ponto em suas vidas que simplesmente "não funcionavam mais". O fim do relacionamento é triste e doloroso e ambos decidem se apagar. Essa metáfora discute o caminho mais fácil, que sempre escolhemos: fugir, esquecer, apagar. O caminho mais difícil, mais longo, é sempre mais doloroso, porque envolve amadurecimento, comprometimento e aceitação. Mas será, mesmo, que seria tão fácil simplesmente apagar alguém das nossas vidas? Rompendo com pensamentos e memórias como se fossem arquivos de computador? Essa reflexão, durante o filme, é ambiguamente melancólica e romântica. Joel e Clementine, apesar de terem se apagado, nunca conseguem se "eliminar" por completo. Algumas memórias são fortes demais, presentes demais, o que faz com que ambos se reencontrem, eventualmente, e saibam, de alguma forma, que há algo ali e que eles precisam ficar juntos novamente. O filme é recheado de passagens comoventes, quando exprime na linguagem do filme, a confusa e misteriosa costura de lembranças, sempre caótica, sempre explosiva, sempre poderosa. Por fim, compreendemos que o amor genuíno é, em si, um conjunto de idéias conflituosas: paixão, raiva, desejo, admiração, pena, desprezo, cuidado, respeito. Algo simplesmente poderoso demais para ser apagado. E as nossas memórias, as piores e as melhores, são sempre um mapa para nos retirar do labirinto da estagnação; o farol que nos aponta o caminho de casa. "Brilho eterno de uma mente sem lembranças" é um filme dificil, confesso. Mas, para mim, é mais que um filme. É uma experiência que merece ser vivida. Uma lembrança que merece ser registrada.   

sábado, 3 de outubro de 2009

A FILHA DO REI


Ninguém tinha muita paciência com aquela menina. Professores, amigos, nem mesmo os seus pais. Na escola era sempre motivo de piadas e dificilmente conseguia manter uma amizade nova. Todos a achavam estranha demais, uma criança excêntrica, quase assustadora. Ninguém se interessava pela companhia de uma menina como ela, que tinha um jeito diferente de abordar as pessoas e compreender o mundo. Enquanto todas as crianças de sua idade vinham em busca dos “porquês de adultos” ela entretinha-se de trazê-los suas próprias respostas.

Curiosamente, ela era amada pelos animais, que se aglutinavam ao seu redor como se atraídos por um farol. Passarinhos pousavam em sua cabeça, cachorros interrompiam o latido incessante diante da sua presença ou mesmo insetos, grandes e pequenos ficavam imóveis na palma de suas mãos pequeninas. Aquela era, inegavelmente, uma menina doce, solitária e reflexiva. Um pouco silenciosa, claro, mas não havia motivo para ser tão hostilizada.

A verdade é que ela parecia pouco se importar. Quando sua mãe a repreendia mesmo sem razão, ela sorria e a abraçava. Quando seu pai a castigava, aceitava quase feliz a punição, ainda que não entendesse sua culpa real. Os amigos que a perseguiam na escola ela já nem perdia tempo em ouvir. Apenas os olhava, sem julgar nem sentir raiva. Ás vezes sentia pena, até. E nunca, nunca, sentia-se só ou triste. Mesmo quando nada no seu dia dava certo, ainda assim ela olhava para cima e se confortava em aquecer as bochechas ao sol.

A menina adorava a natureza e parecia ser adorada por ela também. Nunca tropeçava numa pedra, nunca pegava uma gripe de chuva, nunca cortava seus pés descalços, nunca comia uma fruta estragada. Havia algo para ela, na estranheza daquele mundo tão imenso - e que em nada a intrigava - a certeza de que ela sempre estava na melhor das companhias. Gostava do frescor do vento e da água gelada, da grama molhada e da areia áspera, da casca das árvores e das rochas imóveis, das gaivotas e dos besouros. Tudo, para ela, era uma doce companhia.

Os passeios da escola sempre criavam inúmeras situações para que ela fosse alvo de mais piadas e perseguição. Não que ela se importasse, pelo contrário, mas é que se sentia um pouco cansada daquilo, de vez em quando. Feliz, porém, com seus sete anos recém completos e mais um dia ensolarado, ela deixava para lá e os ignorava. Se não havia motivos para que gostassem dela, para que procurar entendê-los?

Os banhos de lagoa eram muito divertidos, no entanto. Os meninos e as meninas se ocupavam com tanto esforço em ignorá-la, que nem percebiam que ela era a única criança cujos pequeninos pés se equilibravam gentilmente acima da fina superfície das águas.

Era quando ela mais ria de tudo aquilo.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

O RIO DE JANEIRO CONTINUA LINDO...


Parabéns, Rio, cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016!

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

CENAS INESQUECÍVEIS DE "AMADEUS"


Salieri esquecido pelo tempo: "você não se lembra de nenhuma de minhas canções?"


Salieri se recorda da música de Mozart: "era a voz de Deus"


Mozart defende "As Bodas de Figaro": "ele está apenas medindo a sua cama..."


O humilhante duelo entre Mozart e Salieri: "Grazie signore"


Mozart perde seu pai e compõe "Don Giovanni", a mais obscura de todas as peças


A mais linda e comovente de todas as cena: Salieri em êxtase apenas em ler as partituras originais de Mozart

CURTINDO A VIDA ADOIDADO


Começo o mês de outubro em clima de nostalgia, ao lembrar de um dos filmes mais importantes para mim e mais emblemáticos para nós que éramos adolescentes inocentes dos inesquecíveis anos 80. É impossível não se deixar contagiar pelo filme "Curtindo a vida adoiado" (Ferris Bueller´s Day Off). Neste cultuadíssmo filme de John Hughes, Ferris é a representação de uma época. Do nosso tempo. Uma era em que achávamos, realmente, que poderíamos ser heróis, que mudaríamos padrões e venceríamos o sistema. Ele é o símbolo dos valores de uma época: não se deixar sucumbir pela escola, enganar os pais, driblar os diretores e superar toda e qualquer forma de autoridade enquanto, de quebra, se aproveita a jornada. "Aquilo que sempre sonhamos fazer, Ferris fez tudo em um dia e dirigindo uma ferrari emprestada" é o mote do filme. Na deliciosa e inesquecível história, Ferris (Matthew Broderick) leva seu melhor amigo Cameron (Alan Ruck) e sua namorada Sloane (Mia Sara) numa jornada de um dia que eles jamais se esquecerão. No caminho, uma trama inteligente para despistar o diretor Rooney, maravilhosamente vivido por Jeffrey Jones, um almoço de graça num bistrô chique de Chicago, uma visita a um museu de arte e a participação numa parada comemorativa no centro da cidade, num caminho recheado de estripulias. E quem viveu nos anos 80 sabe que a melhor forma de assistir a esse filme é vendo a versão dublada, com a voz de Nizo Neto dublando Ferris. "Curtindo a vida adoidado" é uma das melhores formas para se fazer uma viagem rápida aquelas memórias que gostamos de sacar, vez ou outra, para aquecer o coração e trazer um sorriso ao rosto.

Uma cena emblemática de um filme emblemático: Ferris Bueller dubla "Twist & Shout"