terça-feira, 31 de janeiro de 2012

domingo, 29 de janeiro de 2012

"A OUTRA TERRA"

Por acaso cheguei a esse filme. Grata (tíssima) surpresa. "Another Earth" conta a história da jovem Rhoda Williams, uma menina brilhante que acaba de ser aprovada no MIT. Celebrando a vida, a juventude, as possibilidades infinitas, por distração ao trânsito ela acaba cometendo uma tragédia, ao matar a família do professor John Burroughs num acidente de carro. Cumpre pena por 4 anos e, ao sair, vê-se desolada, vazia, perdida. Rhoda gostaria de voltar no tempo e corrigir aquele erro terrível mas ela sabe que isso não é possível. Para aprender a viver com a culpa, ela desiste da carreira acadêmica e começa a trabalhar como faxineira.

Eis que, então, um planeta igual ao nosso, batizado de "Terra 2", surge na nossa atmosfera. E mais, o governo americano descobre que esse planeta é um espelho literal do nosso - onde "outros" de nós também estão vivendo. Uma empresa decide dar uma viagem à Terra 2 e Rhoda, como os descobridores das Américas, decide que é a escolha ideal. Aquelas caravelas não haviam trazido heróis ao novo continente, afinal, mas párias, condenados, bandidos e criminosos. Era como ela se via e, para sua surpresa, ela ganha a viagem.
Seria a "Terra 2" uma oportunidade para Rhoda refazer sua vida?

O que haverá na Terra 2? Será possível reencontrar a nós mesmos e, possivelmente, reverter os equívocos cometidos pelos "nós originais"? Há um mesmo tempo, um mesmo momento, no outro lado? É um espelho real? Rhoda decide que, por não ter nada a perder, ela é a candidata perfeita a descobrir.

E, com um delicado soco na barriga ao final, o diretor Mike Cahill nos convida a uma reflexão inacreditável.

sábado, 28 de janeiro de 2012

BUT I STILL HAVEN'T FOUND...

...what I'm looking for.

"AS PALAVRAS PREVALECERÃO"

E se o maior autor da língua inglesa, pai das mais belas peças já escritas pelo homem, fosse - em verdade - uma fraude? Eis a trama de "Anonymous" (Anônimo), filme de Roland Emmerich e estrelado por Rhys Ifans e Vanessa Redgrave. Na Inglaterra elizabetana, a corte é um emaranhado de intrigas políticas, ambição e manobras sucessórias. No epicentro da corte está Eduardo, conde de Oxford, vivido com muita competência por Rhys Ifans. Devoto súdito de Elizabeth II, Oxford se desdobra em proteger sua rainha e se dedicar à maior paixão de sua vida: escrever peças, sonetos e poemas. Como não pode se expôr publicamente como autor, Oxford constrói um estratagema para levar suas peças ao público, com a ajuda de um autor fracassado. E, num acaso do destino, esse plano é atropelado pelo ator William Shakespear, notoriamente iletrado e ignorante, mas que acaba sendo identificado como o pai de preciosidades como "Henrique V", "Hamlet" e "Macbeth".
Rhys Ifans vive o conde de Oxford. Seria ele o pai das mais belas palavras da língua inglesa?

Há, sem dúvidas, um exercício histórico absurdo, mas que é articulado com muito cuidado pelo roteiro e a direção ao ponto de nos fazer coçar a cabeça. O uso do teatro como arma de mobilização é percebido desde cedo pelos nobres, o que dá um ar de verosimilhança para as estratégias de Eduardo, conde de Oxford. Por fim, é um filme interessante e que, durante suas duas horas, oferece um punhado de deliciosas reflexões. Imperdível para os entusiastas do bardo. 

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

ILUSTRANDO

Joseph Minton - "Hibernação"

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

PARA VER E OUVIR: ELVIS ("UNCHAINED MELODY")

O último concerto. Fortes emoções. E eis que ele deixou o prédio.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

EPIFANIA

No dia em que, enfim, ele percebeu que tudo havia chegado ao fim - a um fim verdadeiro, definitivo - ele sentiu desejo de contemplar o mar. Sentia-se aprisionado na terra sem lados, melhor, sem começo e fim. Ele havia crescido com o entendimento de onde acaba a terra e começa o mar e percebeu a importância deste referencial geográfico.

Gostaria desesperadamente de saber voar de avião. Como Saint-Exupéry. Como o príncipe sem planeta, que precisa sequestrar um punhado de pássaros para ir embora, não importa muito para onde. Ele a havia amado perdidamente por longos anos, cheios de dias, semanas e horas. Cheios de páginas, e fotos, de presentes e desejos. Como em filme, como em música, como em livro. Mas percebeu - tardiamente - que caminhara uma estrada solitária que, inevitavelmente, chegaria no beco, no muro gigantesco, decorado com uma enorme placa que brilhava feito néon: 

"Volte por onde veio".

Ele aprendera a amar cada detalhe, segundo e centímetro de sua alma, corpo, jeito, gênio. Cada prenda, cada defeito, cada loucura e ato de brilhantismo. Ele a admirava como quem contempla uma musa, como quem admira um quadro, e contava as horas dos seus dias desimportantes para correr para os seus braços à noite. Era ela, e somente ela, quem importava. Como se fossem as duas únicas pessoas no planeta. Sua amiga, sua amante, sua senhora inquestionável.

Quando tudo aquilo se desfez, porém, ele se espantou com a fragilidade daquele tecido que ele julgava ser constituído de elos de aço, feito pele de rinoceronte, feito cota de malha medieval. Um material que resiste a golpes de espada, que resiste ao tempo, que protege na guerra. Não. Engano. A muralha de néon demonstrou que o tecido era, em verdade, papel molhado, que se desfaz diante dos olhos. Como vento, como sombra, poeira, ruína. O castelo se transformando em escombros, feito mágica. 

"Eu habitava esse castelo", pensou. "Esse castelo tomado pela grama".

No ocaso daquela história, com olhos atentos ao movimento das águas quebrando na areia, ele refletiu sobre a fina linha que separa o amor e o ódio. Não como dizem os clichês. Ele refletiu, mesmo, honestamente. A paixão e o ressentimento. A confiança e o arrependimento. E não havia mais nada ali. O quadro fora despintado, a foto destirada, o texto desescrito. Sentiu vontade de abrir as caixas de lembraças e espalhá-las pelo ar, feito cinzas mortuárias. Feito ritual.

Porque ele percebeu que odiava tudo a respeito daquela mulher. Seus hábitos, suas roupas, suas músicas, seus vícios. Sua presença. Ele sentia raiva de tudo. E eis que um mundo de coisas, sensações e lembranças desapareceu como fumaça. Como mágica. Feito nuvem que abre caminho para os raios de sol. Feito vento de liberdade. Feito soldado que rompe os cadeados dos campos de concentração.

Sentia-se como o prisioneiro tímido, dos documentários em preto e branco. Um fiapo de gente, escorando-se nas paredes, sem saber se pode realmente prosseguir. Feito bicho que não sabe que a gaiola está aberta. Até que uma voz de conforto diz que está tudo bem. E então o prisioneiro não sabe se ri ou se chora. Porque é difícil compreender plenamente o fim da noite quando se julga que ela será eterna.

Sentiu seu corpo, seu rosto invadido por aquelas linhas mornas que se desenhavam de cima a baixo, das nuvens brancas, infantis, que pareciam carneiros; como se Deus estivesse querendo parlamentar algum segredo. Aquele vento de tarde mexendo com as folhas das árvores, como música. Pássaros voando ao seu redor; e, não fossem os automóveis passando em velocidade não muito longe dali, ele teria certeza de que tudo aquilo era um sonho. Um sonho bom. De reflexão, de resolução.

Levantou-se, sem pressa. A areia pendendo preguiçosa de sua calça, caindo nos seus pés descalços. Limpou-se. Foi o que ele fez naquele dia. Naquele dia em que, enfim, ele percebera que tudo havia chegado ao fim. Limpou-se.

E se descobriu feliz. Obscenamente feliz.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

domingo, 22 de janeiro de 2012

ILUSTRANDO

Franz Marc "Nu com gato, 1910"

sábado, 21 de janeiro de 2012

23 SEGUNDOS PARA O FIM DO MUNDO

O compasso preciso dos ponteiros em seu pulso. 22, 21, 20. Pensou em um punhado de amigos, sua mãe, sua gata. Um amor de infância, um beijo sob a chuva, seu filme preferido, o livro que deixaria pela metade. Olhou suas mãos, frente e verso; pés com cadarços desamarrados. Contemplou-se como podia, pela última vez. Sentiu tanta saudade de tudo. Uma saudade que o engolia. 17, 16, 15. Pessoas ao seu redor faziam suas próprias despedidas. Fotografias mentais, bonecos de ação, jogos infantis, jogos de adultos. Algumas canções que até naquele momento arrepiavam os pelos em seus braços. O coração disparado por aquele caleidoscópio forçado de lembranças. Uma rajada de eletricidade em suas veias. Coisa demais em tão pouco tempo. Tanta vida. O céu já estava tomado por um tom diferente, meio melancólico, meio magenta. 8, 7, 6. Sabores que ficariam para trás, para sempre. Cheiros, texturas. Gostava de lençóis de algodão e de vinho tinto. De vento nas cortinas e água escorrendo no corpo. Cheiro de mar, abraços apertados. Fechou os olhos, úmidos, em prece. 3, 2, 1.

E então o silêncio.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

ILUSTRANDO

Claude Monet - "Passeio sobre o monte em Pourville, 1882"

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

BLESSED ARE THE FORGETFUL

"Feliz é o destino da inocente vestal. Esquecendo o mundo e sendo por ele esquecida. Brilho eterno de uma mente sem lembranças. Toda prece é ouvida, toda graça se alcança." (A. Pope)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

MENSAGEM NA GARRAFA

Eu não te conheço. Nunca ouvi sua voz, não sei dos seus gostos, tesouros e tristezas. Para falar a verdade, não sei como você é. Não sei nada ao seu respeito. A única coisa que eu sei é que você está em algum lugar e, enquanto escrevo aqui, quem sabe você não está pensando em mim também? Nós dois, que ainda nos somos tão estranhos? Não, não sabemos nada um do outro. Nem de nossas existências. Estamos em algum lugar, desencontrados, aguardando ansiosamente pelo encontrão promovido pelo destino. Por que precisamos um do outro. Eu sei disso. Você sabe disso. O dia em que, enfim, vamos descobrir que o pior já passou e que é hora de ser feliz. Não sei onde você está, portanto, não tenho como te procurar. E imagino que deva estar pensando a mesma coisa. Não sei como equacionar a matemática do destino - ele age por conta própria e me parece um senhor um tanto quanto irredutível. Ele faz o que quer, quando, onde, na hora que quer. Mas somos impacientes, eu e você. "Paciência". É preciso. Estamos em doce rota de colisão. Eu sei. E seguiremos juntos, inebriados pelo pensamento sobre a razão de não termos acontecido antes. Vai aqui a minha mensagem na garrafa, com todo o meu amor a você, estranha. Estarei te esperando. 

But don't take your time. We've lost too much of it, already.

domingo, 15 de janeiro de 2012

O VENTRÍLOCO



"A lógica o levará de A a B. A imaginação o levará a qualquer lugar" (A. Einstein).


Segunda-feira, 7 de agosto.

À noite, o rádio relógio marcava dia e hora em números vermelhos fortes, brilhantes como sinal de trânsito. Deitou-se, exausto, em sua cama sem nem ao menos olhar o relógio. Não deviam ser nem 10 horas da noite, ainda. Havia um peso, que o puxava para o meio dos lençóis, como uma canção de sereia, como algo hipnótico e irresistível. Escovou os dentes com olhos meio abertos e despencou num abismo de sono.

O sol batia forte em seu rosto, quando amanhecia o dia seguinte. Algum barulho na rua evidenciava que a cidade também já havia despertado. Sentiu fome, muita fome, como se o seu estômago estivesse se contorcendo. Sentiu desespero por uma xícara de café e um cigarro. Providenciou tudo, de forma improvisada sobre a pequena mesa na cozinha. Uma caneca fumegante, torradas, geléia, queijo e um cigarro preguiçoso entre os dedos compondo um caótico festival de aromas, sabores e sensações. Mas era tudo o que ele precisava.

Encostou-se na parede, e sentiu uma pontada de desconforto na nuca, como se estivesse machucado. Viu que deixou uma pequena mancha de sangue na parede e se deu conta que havia um corte atrás de sua cabeça. Tocou-se, incrédulo, e constatou. Estava ferido. Nada grave, como um corte de barba mal posicionado. Depositou a louça na pia e voltou para o quarto, paralizado por segundos na porta. Imóvel, como uma estátua. O rádio-relógio parecia lhe pregar uma peça.

Segunda-feira, 14 de agosto.

"Meu Deus, eu dormi por uma semana".

Desesperado, correu para o seu celular. Fato. Havia se passado uma semana. Dezenas de números estranhos, em horários estranhos, confundiram ainda mais sua busca por entendimentos. Tocou seu rosto, liso, sem um fio de barba como se tivesse barbeado ainda naquela manhã. Cheirou-se. Ainda havia aroma de sabão em suas juntas. Tocou-se, de cima a baixo. Olhou-se no espelho. Usava roupas limpas, cueca limpa, meias limpas. Ele era, sem exageiro, a cópia fiel da última noite de que se lembrava. Com exceção de um misterioso corte em sua cabeça, um celular que aparentemente fez ligações por conta própria e um calendário que o roubou sete dias de vida.

Sentou-se no chão. Olhou os cantos do seu apartamento como se não reconhecesse nada. Mas estava tudo ali, como sempre. Até que seus olhos pararam num objeto estranho. Uma pequena caixa de mogno, sobre a mesa de café, no centro da sala.

"Abra-me".

O coração invadiu sua boca, galopante. Estendeu a mão trêmula e, com gestos desajeitados, abriu a caixa, deixando cair seus conteúdos no chão. Uma chave que não reconhecia e um pequeno cartão com um punhado de coisas escritas. Sua caligrafia. Um endereço desconhecido, seguido de uma instrução misteriosa.

"64, Rua Charles. Para onde aponta Miguel".


Vestiu-se, rapidamente, sem muito critério. Camisa, jaqueta, tênis - nem sabia se havia escolhido os pares iguais. Com a chave do carro na mão, correu as escadas do prédio e seguiu em velocidade para o endereço. Um galpão abandonado, no meio do nada. Diante de um portão imenso, enferrujado, ergueu a chave, encaixando-a perfeitamente na fechadura. A porta rangeu, como se não fosse aberta a centenas de anos. Sentiu um vapor úmido, de poeira e coisa abandonada, e seguiu em frente.

Buracos, dezenas de buracos no teto, criavam um ambiente espectral, como uma catedral fantasmagórica. O lugar estava abandonado, vazio, cortado por centenas de raios de luz de cima a baixo, em todas as direções, como uma cama de gato. Caminhou, lentamente, até parar por completo diante da parede ao final do galpão.

Ali, um grande afresco improvisado. O arcanjo Miguel, de lança em punho, subjugando o mal. Lembrou das instruções e, com olhos ávidos, seguiu a direção da lança do anjo que, de fato, apontava para um ponto no chão. Aproximou-se e encontrou um gravador.

"Aperte-me".


E, pelo que pareceu uma eternidade, ouviu, incrédulo, o som de sua própria voz.

"Se você está ouvindo esta gravação é porque nós conseguimos. Deu certo. Era impossível, mas deu certo. Você está aqui, você está ouvindo essa mensagem. Mas agora é hora de voltar. Brincamos demais com essa coisa. Sabemos que funciona. Desculpe-me pela cabeça".

Sentiu um golpe forte na cabeça, que o fez desabar no chão sujo. Antes de os seus olhos desligarem, pode perceber as imperfeições no assoalho sob seu rosto, já misturado numa selva de poeira, terra e restos de jornais.

Abriu os olhos, como num susto. O coração disparado. O teto do quarto parecendo girar. Sentou-se na beira da cama determinado. Sabia exatamente o que fazer.

Foi até a rua, para uma errância que não lhe tomou mais que uma hora. Posicionou um objeto na sala e caminhou em direção a sala, parando brevemente diante da porta do quarto. Olhou a pessoa dormindo ali, em paz. Talvez não houvesse mais volta, então. Como o que é feito e não pode ser desfeito. Desligou a luz. Trancou a porta e foi embora.

E desapareceu naquela manhã de 8 de agosto, terça-feira.

sábado, 14 de janeiro de 2012

A MUDANÇA É UMA MUSA

O que eu deixo? Dífícil de saber. O que eu levo comigo? Absolutamente nada.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

LATE CATMAS


Com certa dose de atraso, o Natal ao melhor estilo do "Gato do Simon".

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A MINHA TERAPIA

A minha terapia está em acordar e, realmente, não me importar em ir para o meu trabalho; melhor, gostar de ir para o meu trabalho. Gostar do que faço. É rir com os poucos - e bons - amigos. Andar de kart, falar de filme, rir de bobagens sem muita graça. É aguardar a hora do almoço, como criança. É dormir abraçado com a minha gatinha, entorpecido por um carinho gratuito de um ser não falante que depende de mim para sobreviver. 

É cantar uma canção no meu carro, sem pudor. É andar no meu carro. É fazer um sanduíche de queijo e geléia para tomar com café fresco e achar essa a melhor refeição do planeta. É ver algo bonito. É ler algo bonito, que me dá vontade de chorar. É chorar aquele choro gostoso, de purificação, que parece lavar o peso da alma aprisionado atrás dos meus olhos. 

É sorrir com meus filmes velhos, repetidos. É descobrir um filme novo que, rapidamente, se transforma no filme mais importante da minha vida. É gargalhar com as bobagens que só eu pareço achar graça. É conversar amenidades com uma senhora simpática no supermercado que me lembra a minha vó. É ir ao supermercado. É ler meu livro preferido, depositando-o cuidadosamente ao meu lado, ansioso pelo que ainda pode acontecer. 

É aguardar pela visita da minha mãe. É fazer a minha mudança, como um ritual religioso de quem aguarda a nova - e boa - surpresa da vida. É jogar os meus jogos solitários, numa catarse ao final do meu dia. Como se eu não tivesse problemas. É comer pão de queijo. É dormir o sono dos justos, aquele sono profundo que só quem não faz mal a ninguém consegue dormir. É sorrir para um estranho. Ou uma estranha. É fazer algo bom. É fazer algo bonito. É amar irremediavelmente, com a certeza inquestionável de que sou amado de volta. Na mesma proporção. Ou pelo menos aguardar para que um dia eu descubra realmente como é isso.

É escrever o que meus dedos parecem ditar, como se pensassem por mim. É ligar a televisão, num canal aleatório, e assistir a algo que realmente gostaria de ver. É mexer nas minhas fotografias. É refletir sobre as coisas antigas, sobre o que passou, sobre o que não volta mais. Por mais que isso me machuque. É acordar com chuva na janela. Ou com sol, quando tenho uma das minhas errâncias desimportantes e inadiáveis. 

É conversar com as pessoas que amo, muitas das quais nem sabem que as amo. Ou o quanto. É refletir sobre a metafísica dor de existir e, mesmo me afligindo mais do que o necessário, confortar o meu peito com a certeza infantil de que tudo dará certo. É expulsar as borboletas que vez ou outra nublam meu peito com pensamentos sombrios. 

É comprar algo que sempre quis - e muitas vezes nem sabia que queria - e ainda pagando pouco por isso. Ou caro, às vezes. É cozinhar o pouco que sei e que gosto. É abraçar a minha própria companhia em momentos de solidão quando me sinto a pessoa mais feliz do mundo por, justamente, me conhecer. É me entregar à arte, à poesia, ao cinema, à música, porque na arte encontro uma pedra de salvação, que tenho certeza que é o que me impede de enlouquecer. É saber que ainda existe gente boa neste mundo esquisito, de gente esquisita.

É ser feliz com pouco. E ser feliz com a ideia de que não quero muito mais do que já tenho. É celebrar as minhas vitórias, dando um tapinha nas minhas próprias costas, quando ninguém, só eu, parece perceber o meu feito. É ser o adulto mais chato e responsável do mundo, sabendo que há também um menino dentro de mim que ainda se veste com inocências e capas de super-herói. 

Minha terapia é sentar aqui, onde estou, trabalhando essas linhas sem ordem, sem começo nem fim, num dia tão longo quanto o de hoje. Minha terapia. Meu treino. Meu reino. Minha brincadeira de ser adulto. Meu medo de existir. O que me ajuda a seguir em frente. 

Como vento nas velas. Como combustível de foguete.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

ILUSTRANDO

Warhol - "Freud"

domingo, 8 de janeiro de 2012

"EVERYBODY WANTS TO BE FOUND"

ILUSTRANDO

John Everett Millais - "Ophelia"

sábado, 7 de janeiro de 2012

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A CONFISSÃO

A minha mãe morreu quando eu não havia completado nem cinco anos de idade, de maneira que foi o meu pai quem me criou. Ele era um homem simples, engraçado, de hábitos comuns. Não era muito dado às artes, nem às leituras. Gostava de corridas de carros e tudo mais que fosse relacionado a automóveis. Era esse o grande prazer do meu pai.

Éramos amigos. E não havia como ter sido diferente. Tínhamos costumes, rituais, hábitos só nossos. O principal deles era consertar um velho Maverick que o meu pai tinha desde quando era jovem e que havia se transformado num projeto de vida. Reformar o velho Ford era o epicentro de sua existência.

Todos os dias, quando eu voltava da escola, corria para a garagem de casa, onde já encontrava o meu pai deitado no chão, coberto de graxa, fazendo barulho e, eventualmente, xingando alguma bobagem por conta de parafusos e cabos que pareciam ter vida própria. Ele era um homem forte, habilidoso e dedicado. Só não tinha o dinheiro necessário para consertar aquele carro na velocidade que desejava. Seu sonho era rodar com o velho maverick dourado pela cidade, exibindo as listras de corrida com orgulho; aquele carro que haveria renascido de suas mãos. "Meu tesourinho, meu filho, meu tesourinho".

Mas isso nunca aconteceu.

Aos quinze anos, eu consegui o meu primeiro trabalho num frigorífico, o que me rendia mãos inchadas ao final do dia e um salário rizível ao final do mês que eu empregava quase inteiramente no conserto do carro. Meu pai relutou muito no começo, mas foi se acostumando com a ideia. Começamos a dar ritmo à empreitada. O Maverick estava renascendo.

Sentados juntos, no chão da garagem, dávamos risadas, refletíamos sobre banalidades, bebíamos cervejas inocentes e o meu pai contava histórias sobre mamãe, que eu praticamente não havia conhecido. Uma doença a havia levado cedo e meu pai nunca se recuperou dessa perda. Não havia se casado novamente e nem manifestava qualquer desejo sobre isso. Ele era um homem solitário, mas feliz. E gostava de se dedicar ao carro.

Quando eu completei 20 anos, saí da cidade para estudar. Sei que o meu pai não gostou disso mas também não demonstrou resistência. Ele estava orgulhoso e triste. Meu pai não tinha muito jeito em lidar com a saudade, e hoje lembro daqueles dias com arrependimento. Eu não deveria ter deixado ele para trás. A partir dali, eu o veria cada vez menos até perdê-lo por completo.

O Maverick havia ficado de lado, esquecido na garagem. Não que meu pai não quisesse mais consertá-lo. Ele queria, acho que só lhe faltava ânimo. Todas as vezes que voltava para casa eu ía até a garagem, tirava a lona que cobria o carro e tentava estimulá-lo a vir trabalhar. Mas ele não queria. Pelo menos, não queria fazê-lo sozinho, algo que ele deixava escapulir vez ou outra, dizendo "quando você estava aqui, a gente fazia mais rápido".

Repentinamente, meu pai decidiu se casar. Surgiu uma ruiva de meia idade em sua vida e, por medo da velhice, da solidão, ou ambos, em poucos meses os dois já estavam morando juntos em nossa casa. Eu nunca gostei daquela mulher. Não por ciúmes ou qualquer coisa assim, mas porque eu sabia que o meu pai estaria melhor sozinho. Ela era uma mulher implicante, impaciente, intransigente e que, naquela altura da vida, queria mudar todos os hábitos do meu pai. Mas ele se dizia feliz e eu respeitava, contra a minha vontade. Por ele, tolerava aquela mulher quando voltava para casa, algo que, com o tempo, foi ficando cada vez mais raro. Por ela, por causa daquela ruiva de meia idade, de hábitos suspeitos e olhos dissimulados, eu passei a ver meu pai cada vez menos. Algo de que igualmente me arrependo.

Um belo dia, ao voltar para casa, vi que o Maverick não estava mais lá. Havia sido vendido. A mulher havia exigido, já que precisava do espaço que "o carro velho" ocupava. Fiquei surpreso, furioso, não apenas pela perda do carro mas por meu pai ter aceitado aquilo. Aquele carro era nosso, nossa história, nossa vida, o fio condutor de praticamente toda a minha juventude ao lado do meu pai. E, por causa daquela mulher, o carro havia sido vendido. Pior, durante os dez anos que se passaram, ela nunca usou o espaço para nada. Ficou para sempre aquele vazio, aquela ausência, do carro que ela havia obrigado meu pai a vender. Procurei o Maverick, tentei comprá-lo de volta, mas o novo dono não aceitou nenhuma de minhas ofertas.

Anos depois, num dos dias mais tristes de minha vida, descobri que meu pai estava padecendo de Alzheimer. Lembro de me esconder no banheiro de casa, para chorar quieto, sem que ele percebesse. Nem ela. Principalmente ela. Infelzimente, a doença o pegou de assalto e a progressão foi vertiginosa. Cada vez que voltava para casa, encontrava o meu pai mais distante, mais ausente. Mas o que mais me entristecia era ver seu abandono. Eu achava que aquela mulher cuidaria dele. Mas isso não acontecia. Quase nunca eu a encontrava em casa. Meu pai estava sempre sozinho, eventualmente na companhia de um enfermeiro ocasional. 

Ele estava sempre mal vestido, despenteado, com a barba por fazer, o quarto sujo. Eu o abraçava, longamente, afagando sua cabeça enquanto disfarçava os soluços que iam escalando a minha garganta. Ajudava-o a tomar banho, penteava seu cabelo, fazia sua barba, arrumava o quarto e sentávamos juntos na cozinha para comer e conversar. Tentar conversar. Meu pai me olhava, aquele olhar aguado, perdido, que já nem me reconhecia.

Então eu o levava de volta para a sala, onde tentava fazê-lo assistir a alguma fita com as corridas que ele gostava; mas era em vão. Ele nem percebia ou pelo menos não demonstrava. Ficávamos horas na sala até adormecermos. Eu fazia café e ocasionalmente meu pai lembrava de algo, mas esses momentos eram raros e fugazes. Eu segurava em sua mão, do outro lado da mesa, vendo o café dele esfriar lentamente, intocado. O sol ía se pondo vagaroso na nossa janela, sussurrando a lembrança de dias mais felizes.

Na última vez em que vi meu pai, chovia torrencialmente. Eu o abracei, na soleira da porta, e ele me abraçou de volta, pela primeira vez em muito tempo. Senti o vigor dos seus braços ao meu redor e, por breves instantes, ele estava de volta. A mulher nos olhava, sentada na sala, aquele rosto de megera. Até que meu pai sussurrou baixinho em meu ouvido:

"Foi-se embora o meu tesourinho, meu filho, foi-se embora o meu tesourinho".

Sorri, disfarçando minha tristeza sob a chuva. Fiz um último afago em meu pai e voltei para o carro, onde explodi num choro longo e desesperado. Um choro represado, de impotência, de infelicidade, de culpa, de arrependimento. De vontade de voltar no tempo.

Meu pai morreu dois dias depois daquele dia.

No retorno de seu funeral, a viúva me pediu uma carona de volta para casa. Ao celular, conversando com alguma outra velha trágica, ela não parecia se importar muito com os acontecimentos daquele dia. Apertei o couro do volante com uma força que me machucou os dedos. O couro rangia como pele de pescoço. Com os olhos fixos na estrada, voltei para a casa da minha infância, onde olhei a mulher entrar lentamente, fechando a porta atrás de si. Naquela casa que não era dela.

E, confesso, foi naquele momento que fiz algo de que jamais me arrependerei.

Com o dinheiro da casa vendida, consegui enfim comprar o carro de volta. O carro que hoje é meu e que desfilo orgulhoso na cidade. Todos os anos, sem exceção, visito meu pai, para lhe contar sobre minha vida, de meus filhos, dos meus sonhos. E me despeço, trocando as flores da sua lápide, sempre da mesma forma. De um jeito que me dá a certeza que, em algum lugar, ele está sorrindo para mim. Aquele seu riso largo, de quem dorme sem culpas. Aquele sorriso que eu nunca esquecerei.

"O nosso tesourinho voltou, papai. O nosso tesourinho voltou".

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

ILUSTRANDO

Joan Miró - "O Gatinho" (1951)

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

RESOLUÇÃO

2011 foi um ano sem inspiração, sem musa, sem criatividade. Quero postar mais em 2012. Será que consigo um post por dia? Desafio lançado.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

domingo, 1 de janeiro de 2012