segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

PARABÉNS AO REI

Parabéns ao sr. Firth pelo Oscar mais do que merecido. Ontem, sem dúvidas, Colin was the king.

O GATO E A FITA


Novo curta do Gato do Simon.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

O HIEROFANTE

Enfim havia chegado o dia que ele tanto temia. Lutara, todos aqueles anos, contra a sua própria natureza, sua moral, seu orgulho. Por amor, fingiu acreditar em todas as mentiras e meias verdades. Agia, atuava, todos os dias, como se não soubesse de nenhum dos pecados de sua mulher. E aquilo o corroía por dentro e ele sabia que acabaria por matá-lo, muito cedo, como veneno.

Por amor, ele pensava, conseguia tolerar aquela teia de traições e fingimentos. Amor por ela, claro, seu amor de infância. Amor pela estabilidade, pelos filhos meio criados. Amor ou medo, ele já não sabia. Medo de se ver só, errante, sem saber o que fazer da outra metade de vida que ainda o restava. Mais medo, chegou a conclusão. E quando se deu conta disso, que apenas o medo, e não mais que isso, era o fio que o mantinha preso aquela realidade foi que decidiu enfrentar o seu temido ponto de mutação.

Ela era uma mulher adúltera, ele sabia. Sabia de tudo, desde o princípio. Das pequenas traições, fugazes e quase inocentes, a todas as suas escapadas e aventuras. Sabia de cor as suas desculpas, já havia decorado aquelas falas falsas que ela inventava para encobertar suas falhas e rabos soltos no caminho. Porque ela não fazia nenhuma questão de cometer o crime perfeito. Longe disso. Deixava pistas e rastros tão fáceis que até chegavam a ofendê-lo. Era como se ela quisesse ser descoberta. E quando ele ameaçava brincar de detetive, algo que a deixava extremamente desconfortável, ela tergiversava e ele fingia, como sempre, acreditar.

Mas ele sempre soube de tudo, como se lesse um livro de onde apenas faltam algumas páginas. Porque ela era, simplesmente, tão óbvia. Ele nem chegava a se consumir pela fúria, puramente. Muitas vezes, sentia nojo, desprezo, às vezes pena. Era tão ridículo todo aquele fingimento que ele sentia vergonha. Ela não, claro. Ela não fazia a menor ideia de que ele sabia de tudo. Para ela, estava tudo bem, ele continuava ignorante. Para ele, o contrário. Era como se estivesse estampado em sua testa e agir como se ele não soubesse de nada era tão patético que ele tinha dificuldade em olhá-la nos olhos.

Como ela conseguia? Isso era para ele o maior mistério. Como ela conseguia viver com a culpa, se é que a sentia? Como ela podia agir daquela forma, ter cometido tantos erros, a um homem tão bom, que sempre esteve ao seu lado, irrepreensível como um sacerdote? Ele coçava a cabeça todas as vezes que se pegava pensando. Olhava-a pelos cantos de espelho e sorria, para si mesmo, como quem arma uma armadilha. Como um policial competente que faz o bandido acreditar que tudo está sob controle até pegá-lo definitivamente.

E ela não iria fugir mais. Tudo estava decidido. Ele iria matá-la naquela noite. Um plano perfeito. Seu plano perfeito. Tinha todos os passos desenhados com rigor em sua mente atribulada de engenheiro elétrico caçoado pelos colegas de trabalho.

Tudo iria começar com um drink. Como ela gostava. Esperou-a chegar do trabalho, como um assassino, camuflado sob as sombras que se desenhavam na sala. Acendeu um punhado de velas para surpreendê-la, mais uma vez, como o idiota romântico que sempre havia sido. E assim que ela desse o primeiro gole ele despejaria sobre ela aquelas três toneladas de segredos que ele sabia, para desmascará-la de uma vez por todas, e assassiná-la com a certeza de que ela morreu ciente de que ele riu por último. O castigo das adúlteras, pensava. Sentia-se bíblico naquele dia. 

Mas ele não fazia ideia, nem por um segundo, que no meio dos seus planos sem fim era ela quem vinha até o apartamento para assassiná-lo. E assim o fez, com uma pequena arma de bolsa, um tiro certeiro, que rasgou o seu coração. Por fim, era ela quem destruía o seu coração. Uma última ironia. 

Tombou, em câmera lenta, vendo o apartamento girar ao redor de sua cabeça. Do chão, ele sentiu o carpete acariciar o seu rosto. Gostava daquele carinho e, só então, percebeu como havia esquecido de um toque estrangeiro sobre o seu rosto. Observou-a de baixo, terminar o seu drink enquanto falava ao celular. Pelo que ele podia ainda escutar, "tudo estava resolvido".

E ele sorriu. Porque seria dele o riso final. E, assim, quando a taça despencou das mãos dela, arrebentando-se em dezenas de pedaços, ele soube que havia acertado na dose de veneno. 

Sim, tudo estava resolvido.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

AMOR PLATÔNICO

Sade. Um amor platônico nutrido desde a infância que é possível recordar. Ao mesmo tempo, um encantamento fadado ao fracasso porque sempre tive a plena noção que Sade seria demais para mim. Too much information. Cantora demais, mulher demais, bela demais, alienígena demais. Dizem que Sade é britânica-nigeriana. Eu custo a crer. Para mim, Sade não é deste mundo. Tampouco é a sua voz. É tudo transcendental demais, estrangeiro demais. Ouvir Sade entorpece, é algo alucinógeno. Os sons, do jeito como saem de sua boca, são um instrumento extraterrestre que, de alguma maneira, consegue nos transportar para um outro planeta. Música de ninar e música para fazer bebês. É isso que Sade consegue com a sua música. Misteriosa, mágica, estranha, silenciosa, discreta, etérea. Sade é como uma brisa de mar que nos pega despercebidos e vai embora, deixando um rastro de conforto e arrepios. Sade é o sol se pondo no mar. Mais um amor platônico e impossível.

PARA VER E OUVIR: SADE ("BY YOUR SIDE")

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

"A MELHOR PIOR PRAIA DO MUNDO", TEXTO DE ELIANE BRUM (ÉPOCA)

A cada ano meu pai vai silenciando. E minha mãe se tornando mais falante, como se as palavras tivessem o poder de pregá-la à vida. Ele vai se tornando mais lento, um passo estudado de cada vez. E ela desafia as leis da medicina com seus joelhos gastos e seus pés de dedos tortos que saltitam pela casa e, sempre que possível, escapam para a rua. Cada dedo do pé da minha mãe parece querer avançar mais rápido que o outro, então se amontoam, como numa cena dos Três Patetas.

Sempre achei que os pés das pessoas contam tanto delas quanto o rosto. Os pés do meu pai se esparramam sólidos e largos, querendo estar sempre certos de onde pisam. E os da minha mãe se adiantam, curiosando, querem andar não importa para onde. E não raro se enfiam em buracos de onde ela os arranca recitando palavrões de lavra própria.

Passei a última semana com meus pais naquela que para mim será sempre a melhor pior praia do mundo. De repente, meu olhar foi capturado pelo andar de cada um. É perto de um milagre que eles andem juntos há quase 60 anos com esses pés descombinados. Percebi o quanto nós todos, seus filhos e netos, precisamos que eles reeditem esse desconcerto dos pés.

O que viemos averiguar, nós que moramos longe, é se continuam andando no seu modo improvável. Meu pai cada vez mais lento, minha mãe cada vez mais rápida, encontrando-se em algum lugar dessa distância entre dois pontos. Acabo divagando se meu irmão do meio não se tornou físico para compreender a trajetória destituída de lógica que é o caminhar desordenadamente sincronizado de nossos pais.

Visitá-los nesta praia que eles amam, onde para nossa decepção o mar não sofreu nenhuma influência do aquecimento global e mantém a temperatura constante de iceberg, onde os ventos varrem largas porções de areia e às vezes até os bichos mais frágeis e todas as suas sarnas, tornou-se um destino sólido de nossos verões. A cada início de ano nós sabemos que o vizinho se tornará um flagelo com seu cortador de grama às 7 horas da manhã de cada dia. E quando não for o cortador de grama será alguma outra máquina infernal que ele prefere pilotar sempre de manhã bem cedo ou logo depois do almoço. Também temos certeza de que as dúzias de cachorros não nos darão trégua latindo ao mesmo tempo e o tempo todo.

Que ninguém vai dormir nas noites de sábado para domingo porque uma romaria de adolescentes celerados vai passar diante da nossa casa estourando as caixas de som como um triste rito de passagem num mundo em que todos os rituais soam como um reality show de má qualidade. Que algum problema sempre vai acontecer com a água, que desta vez faltou por três dias. Que o único mercado cobrará preços tão abusivos que cogitaremos deixar uma fatia do rim na hora de acertar a caderneta. E a marca de cerveja será sempre a pior possível. Mas resistimos porque a melhor pior praia do mundo tem suas garras de areia cravadas no nosso coração.

Todo ano, mal boto meus pés descalços no chão e já vou jurando que é a última vez que piso naquela praia insana. E no dia seguinte a compreensão me atinge. Sei por que vim. E sei que continuarei vindo. Volto ano após ano para ter certeza que tudo continua exatamente igual. Ainda que às vezes insuportavelmente igual.

Neste verão, duas cenas cavoucaram minha alma com uma daquelas pazinhas de criança esquecidas na areia e se instalaram para ficar. Lá está meu pai. Depois de um acurado estudo sobre o rumo dos ventos, em que ele anda para lá e para cá, apalpa as nuvens com os olhos e aspira a maresia, meu pai posiciona uma cadeira e uma dessas mesas ordinárias de plástico exatamente onde a brisa circula sem obstáculos.

Lá ele se senta com alguma de suas preciosidades. Neste ano o primeiro livro sobre a história do Brasil escrito por um brasileiro, Frei Vicente do Salvador, datado do início do século XVII. Só interrompe essa leitura para esmiuçar o jornal, de onde recorta as melhores partes. Não há tecnologia que o convença que recortar o jornal com tesoura não siga sendo a melhor maneira de organizar um arquivo. Eu o espio da minha rede e, a certo momento, não consigo evitar. Grito: “Pai, a vida é boa, né?”. E ele responde de volta, meio sobressaltado com a interrupção: “É muito boa, sim!”. E desandamos a rir. E eu choro.

A outra é de minha mãe. Desde que ela ganhou um laptop dos filhos desdenha todos os outros tipos de comunicação. Lá vem ela caminhando pelas bordas dos pés, meio de lado, como é o seu estilo, meio sabendo que interrompe a minha leitura, mas sem conseguir resistir a compartilhar a brincadeira que acaba de lhe chegar por email. Tu conheces a mágica do 111? Não, eu não conhecia. Então pega os últimos dois algarismos do teu ano de nascimento – 66 – e soma com a idade que vais fazer neste ano – 45.

Eu não sou muito boa em matemática, mas consigo. E ela quase dá pulinhos de alegria. Testamos juntas vários nascimentos e aniversários e, incrível, sempre dá 111. Ela passa então o resto do dia em um animado balé com seus pés problemáticos, satisfeitíssima com a mágica do 111. Feliz como no tempo em que trepava nos pés de laranja da chácara do pai para roubar fruta verde. Eu a observo, com respeito máximo pela conquista do povo egípcio e por tudo o que significa para o mundo inteiro. E ao mesmo tempo meio envergonhada porque naquele meu canto acanhado de planeta, na melhor pior praia do mundo, o acontecimento mais importante daquele dia foi testemunhar minha mãe saltitando de ladinho por causa do 111.

Aperto a minha filha com força antes que ela parta rumo ao Rio de Janeiro e, como sempre, me surpreendo de como é possível amar tanto assim um outro ser humano. Afofo seus pequenos pés que ela afirma serem em forma de raquete. E aceito que pela lógica é natural que seja ela a primeira a partir para longe. Nós que ficamos não compreendemos bem como ela pode preferir Ipanema e Leblon à melhor pior praia do mundo. Mas, por amor, fingimos entender.

Deste lugar geográfico-sentimental fazemos de conta que o tempo não avança, enquanto com o canto dos olhos cada um de nós anota mentalmente as marcas que assinalam nosso corpo e também os daqueles que amamos. Registramos, mas não contamos para ninguém. Para o ano que vem esperamos um novo par de pezinhos gorduchos e ainda sem nome, um bebê novo que acolheremos. Ele mal saberá onde está enquanto engatinha sua vida nova pelo assoalho, sem adivinhar que a melhor pior praia do mundo já crava nele suas unhas de areia.

A vida é mais intensamente isso do que todo o resto. Essa nossa capacidade de fingir desconhecer que um dia essa casa será alugada para outros porque nossos pés já não andarão por esse mundo. Mas enquanto isso, resistimos. Cheia de medo, tento algemar com palavras o que já não alcanço prender de outro jeito.

Se me perguntarem agora o que eu desejo para o próximo verão, com toda a fome do meu querer, é isso: perseguir com os olhos os cada vez mais lentos passos do meu pai por esse mundo. E observar os dedos dos pés de minha mãe se atropelarem na pressa de chegar a algum lugar que ela nunca soube bem onde fica.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

ILUSTRANDO

Edward Hopper - "Morning Sun"

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

PARA VER E OUVIR: CHET BAKER ("MY FUNNY VALENTINE")


De arrepiar dos pés à cabeça. E em lembrança dos Valentines.

A FOTOGRAFIA DE THOMAZ FARKAS

A misteriosa e encantadora arte de Thomaz Farkas, húngaro de nascimento, naturalizado brasileiro.

PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("SEND ME THE MOON")

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

"LÁ EM CASA, QUEM MANDA É A PATROA..."

Uma cena engraçada - ou fábula da vida real - no Zoológico Nacional de Washington (EUA). Na jaula onde reside uma família de leões, um leãozinho muito corajoso decide pregar uma peça no papai...
Mas a brincadeira dura pouco e o leãozinho quase descobre o preço da sua traquinagem...
Até que a dona leoa, a patroa, diz quem manda naquela jaula...
E tudo fica bem.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A JORNADA


Das mentes brilhantes por trás de "Flower" virá uma nova experiência digital chamada "Journey". O jogo, projeto mais recente da that game company retratará a jornada de um ser solitário através de um deserto gigantesco. Aparentemente, haverá interação (anônima) com outros jogadores, que poderão viajar juntos, agir cooperativamente e, quando bem entenderem, seguir caminhos distintos. Tudo sem jamais trocar uma palavra ou saber qualquer informação a respeito um do outro. Uma jornada de silêncios e solidão. Promete.

PARA VER E OUVIR: FLORENCE & THE MACHINE ("BETWEEN TWO LUNGS")

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O ESPELHO

Acordava, todos os dias, num ritual preguiçoso e de atividades coordenadas. A primeira visita ao banheiro para resolver alguns compromissos fisiológicos. Olhos semi-serrados, cabelos em múltiplas direções. Olhava-se no espelho por alguns instantes, molhava o rosto, avaliava o surgimento de sinais, rugas ou espinhas inesperadas. Escovava os dentes, sem pressa, sentindo o posicionamento de cada um deles dentro da boca.

Barbeava-se e então seguia para o começo de mais uma manhã com ações automáticas que envolviam fazer café, ignorar as notícias, exercitar-se e então rumar para o primeiro, e rápido, banho do dia. Observava o seu corpo com algum rigor, culpando-se por eventuais exageiros gastronômicos na noite anterior. Adorava comer comidas boas e beber vinhos bons. Era seu pecado preferido. Não que fosse dado a pecados. Não era.

Saía do banho, a água fria escorrendo das pernas para os azulejos no chão. Enxugava-se com delicadeza, massageando cabeça, braços, costas. Gostava deste cuidado, sentia-se abraçado. Voltava ao espelho para pentear os cabelos, hidratar a pele tão ressecada de janeiro e se perfumar para mais um dia de trabalho.

Vestia-se sem muita exigência. Gostava de elaborar algumas combinações não muito criativas. Não tinha muita paciência. Desde que as cores não berrassem entre si, estava tudo bem. Calça, meias, cinto, camisa, botões. E retornava ao espelho para amarrar a gravata em volta do pescoço. Estava vencido 1/3 do dia. Era hora de sair.

Quando voltava para casa, com o sol se derramando vermelho na janela da sala, jogava a mochila de maneira desplicente sobre o sofá. Chutava sapatos e se despia como se fosse o super-homem saindo de uma cabine telefônica. Sentia calor quando voltava. Alguns bons blocos caminhando. Ajudava a manter o peso.

Olhava-se por alguns instantes ao espelho, observando o desgaste do dia. E tomava um último banho. Este, diferente do primeiro, sem pressa. Gostava da sensação da água morna no corpo, como se estivesse lavando o peso de um dia inteiro de trabalho árduo. Árduo, não. Não era, de fato. Mas não menos cansativo. Secava-se, penteava os cabelos e vestia um confortável pijama de algodão para, então, elaborar uma ceia modesta que, em dias comportados, não passava de uma sopa, torradas e chá preto.

Realizava algumas atividades banais e então se preparava para encerrar a terceira parte do seu dia. Deitar-se e dormir. Molhava o rosto para então secá-lo numa massagem preguiçosa. Olhava-se uma última vez, apagava a luz e deitava sob um emaranhado de cobertas que o mantinham aquecido durante a noite.

Ele era um homem só. Muito só.

E nunca, nem uma única vez, percebeu a estranha mulher que o observava, todos os dias, dentro do espelho; não percebia a mulher nem os seus olhos amarelos. Aqueles olhos de gato. Ohos de bruxa.

No dia seguinte, nada de rituais e rotinas. Apenas silêncio, um emaranhado de lençois vazios sobre a cama, e os ruídos da cidade que despertava para mais uma manhã.

O apartamento estava vago novamente. Era iluminado, espaçoso e tinha um aluguel bem abaixo do mercado.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

2 DE FEVEREIRO

Dia de mandar coisas bonitas para as águas, na esperança que todas elas se multipliquem.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

ILUSTRANDO

Brasília, vista do espaço. Linda, esquisita, inconfundível. Ave moderna que parece um pássaro pré-histórico fossilizado. Até assim Brasília é uma cidade de contradições. Ame-a ou deixe-a à parte, não há nada no mundo igual a Brasília.