sexta-feira, 28 de novembro de 2008

29

O 29 já começa a despontar no horizonte. O céu é parcialmente nublado - como era de se esperar - mas os sinais de crise são mínimos. Chuva passageira, no máximo. E ainda que seja eterno o desejo de nunca crescer, nada impede que se celebre a parada em mais uma estação de trem. Com direito a quilos de pó mágico que fazem voar, por meio da combustão espontânea de pensamentos felizes que nos levam, sem medo, à Terra do Nunca. Pó mágico ou mantega de amendoim. Dá no mesmo. E continuo criança, mesmo que seja apenas - e infelizmente - em pensamento, coração e espírito.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

UM DAQUELES FILMES...


Sabe um daqueles filmes que dificilmente daríamos algum crédito? Ou que ouvimos apenas críticas negativas a respeito? E que, assim, acabam esquecidos nas prateleiras ou em promoções de "R$ 9,90" nas lojas? "Diário de uma louca" (Diary of a mad black woman) é um desses filmes. Tyler Perry, que interpreta diversos papéis (especialmente o da velha louca Madea) é um comediante que deveria receber mais atenção. Ele é ótimo. O filme é adaptação de uma peça homônima (escrita pelo próprio Perry) e trata da volta por cima (com pitadas de vingança e humor escrachado) de uma mulher que sofreu 18 anos com um casamento ruim. No fim das contas, nada de novo: uma família esquisita, milhões de estereótipos manjados, um romance repentino, redenção religiosa e um final feliz. Parece bobo e comum. E é. Mas também não é. Essa é a graça, porque consegue ser um filme interessante, que garante boas risadas e em nenhum minuto das suas quase duas horas, se perde. É, simplesmente, "um daqueles filmes".

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

ILUSTRANDO

"Nighthawks" - Hopper

ATUAL E ASSUSTADOR. SEMPRE.


É impressionante como "O silêncio dos inocentes" (Silence of the lambs) é sempre tão atual e assustador, todas as vezes o assisto. Por mais que a história já esteja decorada do primeiro ao último minuto, com a costura afiada das entrelinhas e pequenas surpresas, o olhar frio e magnético de Hannibal Lecter, interpretado com maestria por Anthony Hopkins, por detrás da parede de vidro, ainda é absolutamente aterrorizante. Muito já se fez, depois do sucesso do filme - que mereceu cada um dos seus cinco Oscars (melhor ator, melhor atriz, melhor diretor, melhor roteiro adaptado e melhor filme), mas pouco se conseguiu. Aquele frio na espinha, o corpo contraído de tensão, a incerteza angustiante sobre o que irá acontecer no próximo segundo. O filme comunica isso aos expectadores. Considero como uma história completa em si e não parte de uma trilogia (ou quadrilogia, sei lá). Assisti os dois filmes seguintes (fracos e gratuitos) e não tive chance de ver o filme mais recente, sobre a juventude de Lecter. Mas algo me diz que é mais um desnecessário prolongamento de algo que já havia sido encerrado, desde o começo. "O silêncio dos inocentes" é uma miríade de coisas, sensações, imagens, estilos. É drama, terror, policial. Transborda tensão, sarcasmo, perigo. Denuncia fragilidade, complexidade e imperfeição. Questiona nossas formas, métodos e padrões. Uma bola de demolição nas nossas estruturas de segurança que, por fim, deixa-nos em silêncio. Como cordeiros.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

NUM DIA RUIM


Te encontrar em casa quando volto faz do meu pior dia um bom dia.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

ILUSTRANDO

"Outono na Bavária" - Wassily Kandinsky

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

UM ACONTECIMENTO


Acho que a crítica cinematográfica criou rejeição gratuita ao diretor M. Night Shyamalan. Concordo que "O Sexto Sentido" é um dos seus melhores trabalhos e que, após ele, houve uma sucessão de fracassos, a exemplo de "Corpo fechado", "Sinais", "A vila" e "A dama na água". Mas uma série de erros não deve engessar a nossa percepção e nos impedir de aceitar um sucesso. Isso é resistência infantil. É birra. O último filme de Shyamalan, para mim, é um triunfo, clássico instantâneo. "Fim dos Tempos" (The Happening) é absolutamente aterrorizante e cumpre seu papel de chocar, angustiar e mexer com nossa subjetividade. A trama é original, e como todo filme do gênero um pouco hiperbólica, claro. Mas todos os exageiros (e superficialidades) podem ser perdoados em nome do todo. Acompanhamos um surto de suicídios sem explicação no leste dos Estados Unidos. Pessoas que se atiram dos prédios, enforcam-se, jogam-se sob máquinas. Por alguma razão, todos perderam o senso de auto-preservação. E qual o motivo aparente disso? Uma resposta da natureza. Uma rápida evolução química para revidar contra à devastação do planeta. Existem, naturalmente, lacunas aqui e ali, mas o filme é competente, não faz rodeios, é visionário. A vontade de abraçar alguém, ao final, é praticamente obrigatória; um desejo desesperado de proteção e amparo, de encontrar a certeza de que aquilo ali é apenas ficção. E não é qualquer filme que consegue fazer isso. Para mim, "The Happening" é um acontecimento e o retorno triunfal de um diretor que se cansou de errar.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

PARABÉNS, SR. MICKEY MOUSE


são 80 anos, desde a primeira aparição do camundongo mais amado do mundo. Em 18 de novembro de 1929, "Steamboat Willie" chegava às telas e fundava um dos ícones eternos da nossa cultura moderna. Portanto, parabéns, sr. Mickey Mouse. O senhor, agora, é um octagenário!

NEM O CÉU É O LIMITE


Quem disse que Biologia não daria um bom game? Spore é a prova inegável disso. É impossível não se render à explosão criativa, de idéias tão originais, que esse aguardado projeto da EA oferece. Até onde sei, foram quase 10 anos de preparativos e expectativas. E o resultado justifica. Que jogo oferece a chance de começar como um organismo microscópico, cuja única finalidade é comer (e não ser comido) e permite conduzir esse ser até batalhas interplanetárias? Nenhum! Não há nada, absolutamente nada, como Spore. A trajetória é incrível e, em nenhum momento, superficial. Da poça à terra. Da terra ao ninho. Do ninho à tribo. Da tribo à sociedade. Da sociedade à guerra. Da conquista de um território à conquista do planeta. E, por fim, à busca por outros planetas. É o jogo definitivo, com elementos interessantes de estratégia, coroado com a melhor investigação genética. Criar patas, bicos, asas; está lá. Mais altura, mais capacidade de interação; também está lá. Paz ou violência, carne ou planta. Como deuses da nova criação, as possibilidades são infinitas. É um mundo ao alcance dos dedos. E as decisões sobre o que será feito dele, nossas. Um jogo que precisa ser jogado. E ainda que a brincadeira seja maravilhosa, levado à sério.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

DIETA MEDITERRÂNEA


Após uma linha descendente de filmes (com exceção de "Matchpoint" e, com um pouco de boa vontade, "Scoop"), Woody Allen faz um filme memorável novamente. Um filme que fica. "Vicky Cristina Barcelona" é delicioso. Uma tragicomédia equilibrada, com a dose certa de humor, sarcasmo, comédia, romance e drama. Um filme que, se fosse comida, faria parte da melhor dieta mediterrânea. Tem inspiração, frescor, inovação, risco, com há um bom tempo parecia faltar a Woody Allen. O elenco formado por Javier Bardem, Scarlett Johansson e Penélope Cruz está à vontade, como se a câmera filmasse a trajetória de suas vidas reais. É a impressão que passa, de que todos estão muito à vontade. Não há muita invenção nem reviravoltas inteligentes. É uma história simples, sobre duas amigas americanas que acabam se envolvendo num triângulo (ou seria quadrado?) amoroso. No meio tempo, reflexões muito pertinentes sobre escolhas, futuro, desejo e o amor. Uma revisão de padrões. Ou melhor, o exercício de se questionar "porque não?". Isso até parece refletir o que o próprio Woody Allen fez consigo mesmo. "Vicky Cristina Barcelona" é uma revisão de seu trabalho, em que ele se permite, com muita categoria, transitar por territórios diferentes e com muito sucesso. Seus personagens (extremamente reais e convincentes) levam isso para a tela sem esforço. Por fim, nem percebemos o tempo que passa, enquanto nos deliciamos em férias de quase duas horas na calorosa cidade de Barcelona. Pacote com direito a um final de semana inesquecível em Oviedo.

ESTÁ TUDO LÁ


John Cusack, no filme "Must love dogs" define com muita precisão a obra-prima cinematográfica que é "Dr. Jivago", baseado na obra de Boris Pasternak: "it´s all there, man". E é basicamente isso. Um filme completo, mágico, que narra uma história dolorosa de encontros e desencontros na Rússa em ebulição social. Acompanhamos a vida de Jivago, jovem médico idealista, que ganha vida pela atuação (sempre) magistral de Omar Sharif, uma aparição em tela. Uma vida cheia de altos e baixos, na qual Jivago é empurrado de um lado para outro como se fosse um náufrago à deriva. E à deriva ele vê sua vida escorrendo por entre seus dedos, nas errâncias pelos Urais. Uma luta pelo retorno. "Está tudo lá": amor, paixão, tragédia, separação, expectativa, preservação. É uma linda e comovente história sobre a necessidade de se construir e se preservar os laços. Laços de amor, de sangue, de família, que nem a guerra e a morte podem desfazer. Absolutamente eterno e indispensável.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

LAMENT OF A YELLOW KITE


LAMENT OF A YELLOW KITE


The Yellow Kite searched for Wind, but found no answer. "Where are you today, my sweet, sweet wind?", she asked softly. But the wind was not there anymore. "Why have you left me? Why can´t I go with you through skies, and oceans and forests?", she cried out. But the wind didn´t even bother to answer her. "Don´t you fancy me, anymore? Come back to me, let me be faithful to you forever", she begged. But the wind barely looked her in the eyes. "Can´t you remember our promises? We would fly countries and kingdoms!", she shouted, alone. But the wind appeared to have no interest in her. "I see, my sweet wind, you don´t love me anymore", she concluded sadly. But the wind kept running without noticing her cries. "My delicate silks and bamboo sticks did not tame your heart", she dropped a few tears.
*
And then the wind decided to look at her."My sweet innocent Kite, don´t you ever believe a Wind´s promise. Your fate is to paint the skies with your yellow skin, cutting clouds, making kids laugh. You can´t have me. No one can. Yesterday you were my dedicated lover and bride. But today, I want to run mountains, skirts and dent-de-lions. And tomorrow I shall run papers, leafes and drying clothes. Yesterday I flew with you. And you flew with me. Tomorrow I might want to go to African lands or Chinese fields. For I have no home, just desire, just paths. I could never promise to love you. Forgive me, then. I must depart now", he answered.
*
And the Kite looked at Wind, as he flew away. She had tears on her eyes, while she kept dancing like a sad fairy. And she cried, and cried, and cried. And her tears soked her completely, making her body heavy like a stone. And no longer she could fly, quickly descending to her kite´s grave on the ground.
*
The green grass embraced her gently, happily holding her with love and devotion."I always looked at you from down here, but you were nothing but an impossible dream, always chasing Wind. I shall love you, dear Kite, because now we are one with the earth", the grass whispered on her ears.
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The Kite smiled.
And she felt like home.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

ILUSTRANDO

"Baía de Marselha, vista de L´Estaque" - Cézanne

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

SOMETHING ELSE

Não seria esse um pensamento comum a todas as pessoas? Praticamente coletivo? "Tentar outra coisa"; "tentar algo novo"; "tentar algo diferente". Porque chega uma hora que é como se essa idéia gritasse dentro de nós. É o pensamento que nos acorda, junto com o alarme das 8h da manhã, quando abrimos os olhos, perplexos e incrédulos que o dia já amanheceu: "outra coisa". É inevitável o aborrecimento diante da rotina ou o esgotamento da máquina humana que não é máquina, é carne e se desgasta. E sentimos como se as engrenagens, eixos e correias orgânicas estivessem exaustas, sedentas por lubrificação e reparo. É por isso que nós, máquinas humanas, celebramos as tardes de sexta-feira, os feriados e as sonhadas férias. E maldizemos as noites de domingo e as manhãs de segunda-feira. Não pela preguiça mas simplesmente pela vontade DESESPERADA de "fazer outra coisa". Quem inventou, afinal, que a vida se resume em trabalhar, com curtos espaços (curtíssimos) para a resolução de outras coisas? E os 99% restantes da existência? Sim, para mim, trabalho representa apenas "1%". Eu me recuso a dar ao trabalho mais importância do que ele merece. Porque trabalho é apenas um meio para um fim; garimpar recursos em troca do nosso produto subjetivo e pagar contas, compras e caprichos. 1% é mais do que suficente. Porque é o resto que realmente importa: amor, arte, lirismo, silêncio, sono, lazer, viagem, memória, música, cinema, entretenimento bobo, ócio. Perdemos tempo demais nos dedicando ao estresse, como se fosse algo a ser cultuado. Porque inventaram que deveria ser assim e ninguém parece ter se atrevido a dizer o contrário. E assim, pagamos todos os dias o preço de sonhar com "algo diferente". Something else.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

VITÓRIA DA ESPERANÇA

E todos gritaram, o tempo todo, "yes, we can".

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

ILUSTRANDO

"A liberdade guiando o povo" - Delacroix

EUROPA EM DUAS HORAS


É adorável o filme "Bonecas Russas" (Les poupées russes), uma espécie de continuação sem compromisso do "Albergue espanhol". Resumidamente, é um filme gostoso de se ver. O elenco é encantador, os lugares explorados (em Paris, Londres e São Petersburgo) são maravilhosos, a direção é atraente. Emenam charme, sensualidade, musicalidade. Uma história da qual é possível sentir saudade. Sentimos como se conhecessemos aquelas pessoas; como se fossem amigos de longa data que o destino nos dá uma chance de reencontrar. E é tudo muito favorável: diálogos, situações, cenários. Conhecemos um pouco mais sobre Xavier Rousseau, escritor cheio de possibilidades que se vê dividido entre os dois lados do Canal da Mancha. No caminho, paixões, decepções, descobertas e um casamento a se realizar em São Petersburgo. Ao final, fica a reflexão - bem vinda - sobre as escolhas que fazemos na vida e o desejo urgente de subir no primeiro avião com destino ao outro lado do Atlântico. Na falta de tempo e recursos financeiros, "Bonecas Russas" serve perfeitamente como uma breve visita de alguns dias ao continente europeu, com direito, ainda por cima, a ótimas companhias.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

HERÓI DE MUITAS CAPAS

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segunda-feira, 27 de outubro de 2008

LONGE, LONGE DAQUI


Quero assistir, novamente, ao filme "Come early morning" (me recuso chamá-lo por seu nome brasileiro, "Encontros ao Acaso"). Essa birra se deve à incoerência - recorrente - do "abrasileiramento" sem critério que muitas vezes recai sobre bons filmes, cometendo injustiças imperdoáveis. Esse filme, em que Ashley Judd brilha, é mais uma vítima. A história fala do desejo humano, genuíno, de se encontrar, de uma mulher desorientada que vive cada dia como a repetição do anterior, pulando entre relacionamentos de uma noite, na sua impossibilidade de se entregar, de se envolver. É um filme melancólico, silencioso, de cenários decadentes que ilustram vidas medíocres no sul dos Estados Unidos, perdido no tempo. Nada há de especial, além de boa fotografia e a atuação sempre impactante de Ashley Judd (como é de se esperar). É um desses filmes reflexivos, sobre a investigação do "que diabos estamos fazendo aqui, nessa vida?"; a briga que travamos com nossa história, nossa identidiade, o que herdamos de nossos pais. E, sob essa lente, é um filme que merece ser visto. Mas aqui há o grande problema: expectativa. Ao escolher esse filme, em nossas prateleiras verde-amarelas, encontramos a promessa de uma comédia romântica ensolarada, como tantas por aí, em que a mocinha, por pior que seja sua jornada, encontrará um final feliz. E, esperando que isso aconteça, deixamos de apreciar o filme. Porque não haverá final feliz. Pagamos por esse desespero da indústria cultural do nosso país que força, a qualquer custo, para oferecer o consumo do óbvio. E assim se permite pecar, de forma tão tosca, como no caso deste filme. "Come early morning" é um filme valioso (eu percebo semelhanças interessantes com "Flores Partidas"). E merece ser visto. Só não aqui.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

"DÁ-ME PENSAMENTOS NOVOS"


Converso comigo todos os dias sobre isso. Acho que ando sentindo falta de novos pensamentos. O cansaço do dia, o trabalho que consome, a rotina tão cheia de rituais automáticos; um conjunto de coisas que vão sufocando a criatividade e pouco a pouco tirando aquela poeira misteriosa que nos ajuda formular pensamentos novos. Não sei. Talvez seja um mês mais cansativo, também, acontece. Dias melhores virão, não é? Os pensamentos não são uma indústria, procuro me consolar; não dá para fabricar, plantar para colher. É uma combustão espontânea. Um balão que estoura, a lâmpada que acende, como nos desenhos animados. Mas acredito que eles às vezes ficam mais arredios, mais distantes; meio magoados, sem querer mostrar a cara; e se escondem, em cantinhos mal iluminados da nossa cabeça, como se não existissem. Ou talvez fiquem doentes, de cama, como nós, e decidam não vir trabalhar. Ou também fiquem eles sem inspiração. De repente os pensamentos têm vida própria, são de lua, agem conforme o tempo e a maré. E é preciso respeitá-los. Mas é que sinto falta deles, quando os percebo longe. E fico a procura, à espera que cheguem, ansiosamente. E corro os campos abertos do meu imaginário, como se gritando ao meu cérebro, por entre os vales e colinas, que vão surgindo sob os meus pés: "dá-me pensamentos novos".

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A REINVENÇÃO DO FORDISMO


Às vezes acho que estamos correndo contra a maré das tendências. E reinventando o passado, corrempendo nossos valores, ficando mais arcaicos, escolhendo ser ultrapassados. Honestamente, adoro trabalhar. Acho que é um benefício para o corpo, mente e espírito; como amar, alimentar-se, dormir, aprender. Faz parte da vida. E não apenas por uma questão de obrigatoriedade - "temos contas a pagar" - mas porque a sensação de produtividade, de fazer parte de um processo criativo que transforma o nada em algo é valioso. O cansaço ao final do dia é a prova que colocamos nossa máquina humana para exercitar-se a pleno vapor. Mas essa é a parte bonita da história. É o que todo mundo diz e quer acreditar. Mas a verdade é que esse é o "trabalho como o idealizamos", porque a realidade sempre nos obriga a acreditar o contrário: que o trabalho é a escravidão e a tortura da vida moderna; que reprime, sufoca, esmaga nossas idéias mais originais, nossa liberdade; que nos afasta da família, que suprime nosso lazer e prazer; que nos impede de viajar, de expressar nossa individualidade: porque temos um horário, um prazo e alguém, acima de nós, para responder pela origem de todos os nossos problemas. Trabalho deveria estar em sintonia como aquilo que funciona em nossas vidas: sendo algo que nos trouxesse prazer e não ansiedade. Somos questionados, cobrados e exigidos em transformar a nossa subjetividade em concreto, moldar nosso espírito a padrões que não são nossos e nos adequar a um sistema falido que parece querer reinventar o fordismo, todos os dias. As pessoas erradas estão no poder, é a conclusão que chego todos os dias. Onde estão os detentores das melhores idéias, libertárias, renovadoras? Onde eles estão, que não assumem seus postos de lideranças dos novos tempos? Não. As pessoas erradas estão no poder. No poder de gritar, de demandar o impossível, de questionar o absurdo, de exercer a desumanidade travestida de autoridade. O trabalho, como atividade espartana, tem sido abandonado gradualmente em todo mundo esclarecido. No nosso país, talvez por herança cultural, dependemos de uma estrutura infeliz, onde ainda somos escravos do café e do açúcar. E assim trabalhamos, aquartelando nossa indignação, transformando-a em pólvora, no anoitecer das nossas revoluções pessoais escondidas. Guardamos nossa revolta, sob a capa de cidadãos comprometidos. Mas ela está lá, como capoeira que nos fortalece as pernas. E um dia, mais uma vez, tudo queimará nas cinzas da renovação. E talvez, quem sabe, as pessoas certas atendam ao chamado.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

VOANDO LONGE DA SUA ATMOSFERA

Brincamos, às vezes, de indagar se "seríamos amigos, caso tudo desse errado". E eu sempre te digo que eu simplesmente não conseguiria; seria impossível. E você ri e questiona a minha inflexibilidade. Afinal, perderíamos tanta coisa, não? Mas eu simplesmente não conseguiria, porque envolveria imaginar o dia, a minha vida sem a idéia de voltar para você. Ou pior, saber de você sem poder voltar. Eu veria as ruas e os lugares, por onde passamos algum dia, vazios. E, para mim, você estaria em toda parte. E meu coração sentiria um aperto a cada esquina. E então eu me descobriria refém das fotos de uma história inesquecível que iria me perseguir até o fim. Eu teria que "voar longe da sua atmosfera", para sobreviver, para não me queimar por completo, para não me desfazer em mil pedaços a cada momento em que o acaso te trouxesse de volta ao alcance dos meus olhos. É como a música, que tenho ouvido no carro. É exatamente como a música.

A mim seria destinada uma vida de errâncias sem sentido. E todas as curvas da cidade me diriam "esqueça, deixe passar, a vida é assim...", algo que não seria possível. Porque eu atravessaria os dias e as noites imaginando em que lugar de sua vida eu (ainda) estaria ou se eu teria ficado, para sempre, como uma lembrança de algo bom que passou e ficou para trás. E, como uma maldição, carregaria comigo esse pensamento.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

PARA TODAS AS IDADES (E COLEÇÕES)

É praticamente uma obrigação, para qualquer amante de cinema, assistir "A Bela Adormecida", o 19º longa-metragem de animação produzido pela Disney inspirado na obra de Tchaikovsky. Aliás, é simplesmente uma obrigação, não importa. Acaba de ser lançada uma edição especial, com dois DVDs, que merece constar em qualquer coleção. O desenho é um marco (certamente um dos meus preferidos, juntamente com "Cinderela" e "Branca de Neve e os sete anões"), com belíssimos traços góticos, de tom medieval. Os cenários são detalhadíssimos, demonstrando o cuidado e a riqueza do trabalho artesanal de animação, numa época em que o amor era mais importante que computadores de ponta. A música é inesquecível (utiliza melodias da própria obra de Tchaikovsky). E a história é absolutamente clássica: a princesa amaldiçoada, que adormece numa torre enquanto espera pelo príncipe encantado que, antes de acordá-la com um beijo, precisa derrotar um dragão em um labirinto de espinhos. Malévola, a mais interessante de todas as vilãs Disney, está lá, roubando a cena sempre, com sua voz e olhar inconfundíveis. Ao assistir essa obra de arte viva, dá para entender o porquê de ter demorado 6 anos para se finalizada. E até hoje, "A Bela Adormecida" é um marco na animação, servindo como referência de técnica e poética. Um, entre tantos, presentes eternos de Walt Disney para todas as gerações.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

UM NOVO RAPAZ NO PEDAÇO


Ele é mais charmoso e mais engraçado que eu. Chegou de surpresa, como quem não quer nada, e agora somos dois homens na casa, dividindo o amor e a atenção da mesma mulher. Desleal competição. Mas é inevitável morrer de amores pelo entruso miúdo que veio roubar um cantinho das nossas vidas. Filho felino. Não tem problemas, pequenino Nietzsche. Seremos um trio, agora.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O RETORNO DA LENDA


Meus heróis ainda vivem. O lançamento em DVD do filme "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" é um exemplo. Para os fãs verdadeiros, vale ficar com a edição especial, com DVD duplo (um deles com mais de duas horas de extras). O filme, definitivamente, não é o melhor (ainda fico com "A última cruzada"), mas é muito fiel à trilogia original e tem o mais genuínio DNA da aventura clássica que aprendi a amar, desde muito pequeno. Harrison Ford, com 65 anos(!), dá um show e veste com muita categoria o chapéu, a jaqueta de couro e o chicote que o consagraram há mais de vinte anos. É um presente vê-lo de volta, na investigação de mais um mistério e no combate incansável contra aqueles que põem em risco o futuro da humanidade (nesse caso, os russos e não os nazistas que adorávamos odiar). Confesso que não aprecio muito a questão com os seres alienígenas (ou de "outra dimensão"), fruto inegável da influência de George Lucas. Mas isso é pequeno demais para estragar a festa. Steven Spielberg, George Lucas e Harrison Ford estão perdoados de qualquer pecado. No fim das contas, é um filme novo que já nasce clássico, que emociona e fará qualquer um assobiar a inesquecível música tema de John Williams, na subida dos créditos. Não tem jeito. É viral. "Tan-tan-tan-tan...tan-tan-tan..."

terça-feira, 7 de outubro de 2008

OS 500 DA EMPIRE


Vale a pena conferir o ótimo hotsite da EMPIRE, que acaba de eleger os 500 melhores filmes de todos os tempos. A lista, apesar de apresentar óbvias controvérsias, é extremamente simpática, ao misturar clássicos antigos e modernos, desenhos e animações, com filmes atuais e mesmo de apelo comercial. Não se trata de uma daquelas listas chatas, apenas com filmes que se convencionou eleger como melhores (sim, "Cidadão Kane" eu estou apontando para você!). Não. A lista da EMPIRE é original, ao apontar, entre tantos filmes maravilhosos, "O Poderoso Chefão" e "Superbad", por exemplo, como filmes importantes para a cultura mundial. O site, em si, é riquíssimo, com informações sobre os filmes e belas imagens para ilustrá-los. Vale o click.

À FUNDAÇÃO DE UM NOVO PAÍS


Celebramos hoje a fundação de um novo país, um planeta descoberto, uma ilha mapeada, um reino particular, nosso principado pessoal. São três anos de "independência", deste lugar só nosso, secreto; de idioma, costumes e tradições próprias. Onde somos felizes, onde somos completos, onde somos amantes, heróis, crianças; onde nos refugiamos de todas as chuvas, onde nos permitimos ser inocentes. Celebramos hoje três anos deste mágico país das maravilhsas, dessa Terra do Nunca, que conquistamos com amor, com guerra e paz. Hoje é dia de deixar voar as bandeiras à janela, com orgulho coroado pela nossa luta diária de consolidar e fortalecer essa nossa citadela de doces ilusões, onde nada é impossível, onde os sonhos são vividos e o tempo corre em passo diferente. Um lugar onde não queremos relógios nem regras, porque temos particularidades, idiossincrasias e filosofias que devem ser seguidas como leis constitucionais. Um país de dias ensolarados e noites com chuva, onde se toma café na cama e descobrimos a verdadeira satisfação nas pequenas alegrias da vida. Onde somos eternos.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

´CHANGE WE CAN BELIEVE IN´


Se os donos do império não impedirem, é uma questão de tempo para uma mudança em que realmente podemos acreditar aconteça, não importa onde vivemos; em que país, sob que língua ou cultura. É uma questão de tempo. Porque eu sei que nas cinzas das nossas esperanças falidas ainda há alguma esperança. E, não importa o que digam os reis, caro Obama; você ainda é o Príncipe.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

ONDE MORA A VERDADEIRA FELICIDADE


Acredito que verei um novo filme, quando assistir novamente a "Na natureza selvagem" (Into the wild). É que me ocupei demais em absorver e me deixar impactar pela história do que simplesmente assistí-la. O filme de Sean Penn é impecável do ponto de vista técnico, com fotografia marcante, pela beleza das paisagens naturais e trilha sonora extremamente adequada, ainda que haja excessos aqui (não sei se era preciso tanto Eddie Vedder em um filme só). A temática, por sua vez, é onde o filme corre por uma linear e ao mesmo tempo acidentada montanha-russa de emoções. O filme nos conta a história de Chris Mccandless, um andarilho que se auto batiza "Alexander Supertramp", ao decidir romper com as convenções e hipocrisias da sociedade, abandonar a família e rumar à "natureza selvagem". Segundo o anti-herói, apenas pela experimentação da mais profunda e humana solidão ele encontraria sua realização pessoal, seu genuíno auto-conhecimento. Para a concretização do plano ambicioso, um destino traçado quase como uma epifania: o gelo inóspito do Alasca. Ao longo do caminho, Chris se depara com pessoas encantadoras e inesquecíves - em especial o senhor Ron, que atua de forma comovente (indicação ao oscar de ator coadjuvante para Hal Hoolbrook). O problema é que a sua determinação em romper com quaisquer laços afetivos é tão grande que ele não se permite apreciar esses encontros e desencontros tão especiais, o que realmente faz da sua jornada uma experiência rica e sem par. Em que oportunidade, além dessa, ele poderia ter vivenciado tanta coisa? Ao invés de abraçar os novos acontecimentos, ele deixa tudo para trás, na sua certeza cega de que nada é necessário, além da pureza natural da vida. Após lutar - e sobreviver - contra a força da natureza, Chris se aprisiona dentro de um ônibus abandonado, onde constrói sua torre solitária e se depara com uma verdade tardia, que põe em cheque toda a sua errância solitária. E então, o seu salto de liberdade se converte em queda melancólica, de reflexões oportunas mas absolutamente inúteis. E ao mesmo tempo que somos tocados pela beleza absurda que o filme promove, tanto do ponto de vista visual como lírico, sentimos raiva pela petulância de um rapaz de 23 anos que decidiu ser Deus. E que pagou caro por isso. Definitivamente, Chris Mccandless não é um herói nem um modelo a ser seguido. Por ninguém, para nada. Mas ele é inegavelmente protagonista de uma história que merece ser conhecida e que Sean Penn o fez eloqüentemente e com muito poucos momentos de parcialidade. Esse filme me deixou extremamente reflexivo ao final, forçando-me inúmeros pensamentos - muitos deles desconexos individualmente, mas todos caminhando para um mesmo conjunto de idéias. Definitivamente, não senti necessidade de romper com a companhia das pessoas para constatar que a verdadeira felicidade está, justamente, em compartilhar. Penso que isso está no campo do óbvio. Do contrário, onde haverá, sequer, a existência?

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

O PEQUENO ENCANADOR

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Para quem sempre se perguntou "como seria um jogo sobre o Pequeno Príncipe?", já há uma forma de saber: Super Mario Galaxy, para o Nintendo Wii. O jogo, que conta mais uma aventura do famoso encanador em busca de salvar a Princesa Peach das mãos do Bowser, apresenta uma série de planetas a serem desbravados, com inúmeros perigos no caminho. Abusando na jogabilidade, carisma, diversão e inovação, Super Mario Galaxy oferece uma experiência única ao nos permitir caminhar pelos micro-planetas em todas as direções, reinventando a física, exatamente como o pequenino príncipe de Saint Exupéry o fazia. Um tesouro; um daqueles jogos que nos faz lamentar cada minuto passado. Deveria ser infinito, misterioso e impossível de navegar por completo. E não acabar nunca. Como o espaço.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

"DAQUI HÁ QUATRO ANOS"


Eis uma das minhas brincadeiras pessoais mais recorrentes. "Daqui há quatro anos, como estará a minha vida?". Tive essa reflexão, concretamente pela primeira vez, ao final da Copa do Mundo de 1994, que aconteceu nos Estados Unidos. O pensamento não tinha nenhuma relação com o esporte, mas com a idéia, puramente, que me ocorreu de imaginar como estaria a minha vida quatro anos depois ou seja, na Copa do Mundo seguinte. Mas chega de futebol. Em nada meus pensamentos se aproximam do futebol. Em verdade, acho que reflito sobre a passagem do tempo desde que existo (penso logo existo; existo logo sofro?). E por isso sinto tanta saudade - de tudo - e sou tão nostáligico sobre tantas coisas. Porque me desespera a idéia de ver os anos escorrendo por entre os dedos enquanto constato que os momentos, tão maravilhosos no presente (que inocentemente julgamos eternos), estão ficando para trás. Lembro de meus anos de capa de super-herói, em que minhas preocupações se resolviam na passagem natural das horas, porque nunca me faltou colo e barra de saia de mãe para me proteger de todas as angústias infantis. Mas mesmo então eu conseguia dizer para mim mesmo: "isso vai passar um dia". O momento presente parece eterno, porque é impossível visualizar a vida, anos adiante. Mas quando menos percebemos, o tempo passou e nos damos conta, às vezes com um susto, o quanto mudou, o quanto se perdeu daquilo que pareceria nunca acabar. Olho para o espelho, todos os dias, e toco o rosto com a sensação de primeira e última vez, porque o dia seguinte já me trará um rosto novo, com células novas, que vão delineando o meu envelhecimento. "O tempo está passando", reflito todos os dias, mesmo de forma inconsciente, porque o pensamento não me deixa; é tatuagem (e cicatriz) de alma. Não há nada que se possa fazer a respeito. E isso é, ora emocionante, ora aterrorizante. E me esforço em esquecer de tudo, das certezas inquestionáveis de que um dia tudo terá acabado. Eis meu maior pesadelo. E quando todas essas idéias se agrupam como uma parede sufocante, que parece desmoronar sobre mim, visto meu espírito com uma empoeirada capa de super-herói e, como nos velhos tempos, finjo que tudo será para sempre.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

80 ANOS

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Hoje é aniversário de Adam West, eterno Batman da juventude dos anos 60 e um de meus heróis mais nostálgicos. De todos os que já vestiram a capa do homem-morcego, eis o meu Batman. Prova inegável de que também os heróis envelhecem. Parabéns a ele.
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O PLANO MAIOR

O espaço do ponto de vista do satélite Hubble da Nasa
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Tenho certeza que Deus olha por nós, todos os dias, por mais difíceis que sejam. É que nada Ele pode fazer pela benfeitoria instantânea sobre um dia ruim. Porque Ele atua no plano maior, para que o resultado final seja bom. Ter fé, na vida, sempre. Tudo dá certo.

JOHN C. REILY MERECE SUA ATENÇÃO


Ele definitivamente saiu da sombra do Will Ferrell. Deixou de lado a vocação de eterno coadjuvante "um pouco engraçado" e assumiu com muita qualidade o papel principal do filme "A vida é dura" (Walk Hard - The Dewey Cox Story). John C. Reilly faz um ótimo trabalho ao interpretar a vida cheia de perdições e abusos de Dewey Cox, um cantor que consegue sair da obscuridade diretamente ao estrelato. No caminho, os anos 60/70, drogas, álcool, sexo e a descoberta do Rock´n´Roll. Não é o filme mais engraçado da minha vida; certamente, Will Ferrell teria feito o papel de forma mais insana e tosca (mas isso já está muito manjado), mas não consegui deixar de rir em 80% do filme, com suas cenas e diálogos insanos e momentos inesperadamente engraçados. "Walk hard" atua, na superfície, como uma paródia as cine-biografias de estrelas da música, mas não deixa de ser um filme de comédia com muito conteúdo e frescor a oferecer. John C. Reilly não abusa das convenções nem das piadas velhas e oferece seu próprio jeito de fazer comédia o que, no fim das contas, nos dá a impressão de estarmos vendo um filme de comédia sem muitos vícios, novo, com o propósito de inovar e fazer rir sem ofender (muito). E nos mostra que a vida, apesar de tão dura, é uma jornada preciosa de realizações e, por que não, muitas gargalhadas.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O QUE ESCONDE O CHEIRO DO RALO?


"O cheiro do ralo" é um filme estranho. É basicamente isso. Mas não é só isso. Trata-se de um filme único, extremamente psicanalítico, com um "cheiro" de filme europeu, cult desde o primeiro segundo, com boa trilha sonora e direção de arte, como não se vê com freqüência no cinema brasileiro. A história é construída num cenário sem tempo nem geografia, onde conhecemos a (falta de) vida de Lourenço, um rabugento dono de loja de penhores, que passa o dia inteiro comprando e vendendo tranqueiras inúteis de pessoas que o procuram desesperadamente em busca de qualquer trocado. E diante desses personagens estranhos ele exerce seu sadismo mais genuíno, enquanto se desculpa por um tal "cheiro do ralo" que emana do banheiro dos fundos. Nos intervalos dessa vida monótona, ele flerta de maneira esquisita com uma garçonete de nome impronunciável. Na verdade, um flerte esquisito com as nádegas da garçonete. Assim, vamos pouco a pouco dissecando a alma perturbada ali retratada (e brilhantemente interpretada por Selton Mello), que descobrimos se tratar da ponta de um iceberg que muito tem a revelar: fixações, obsessões, a busca por um pai ausente, o desprezo pela matéria humana. "O cheiro do ralo" é um filme estranho, não há a menor dúvida. Um filme denso, profundo, não muito acessível. Não é entretenimento gratuito. Mas há algo interessante ali, que nos prende desde as primeiras cenas. Ao final, senti vontade de voltar ao primeiro minuto e ver tudo novamente, na expectativa de descobrir algo novo, na costura misteriosa das cenas que parecem esconder o verdadeiro filme por trás do cheiro que emana do ralo.

sábado, 13 de setembro de 2008

MULHER E MITO


"Elizabeth - The Golden Age" é um filme primoroso, tão exuberante quanto o primeiro. Pessoalmente, ainda prefiro o "Elizabeth" original, mas acho que isso é absolutamente normal e até previsível. É a maldição das continuações, acho. O primeiro, o pioneiro, sempre é referência e marco. Mas esse segundo filme sobre a rainha guerreira da Inglaterra não merece ser ignorado. Na verdade, "A era de ouro" nem parece uma continuação. Trata-se do retrato de mais um momento da história, independente do que foi contado antes. Como produto de arte, apenas, é valioso, marcado por belíssimas cenas, diálogos poderosos, seqüências de tirar o fôlego e todo o caráter épico que se espera de um filme assim. A cena em que Elizabeth surge ao todo do monte, como uma divindade, trajando armadura brilhante sobre um corcel branco é de arrepiar os cabelos - pelo menos para qualquer history-geek (confesso!). No fim das contas, é ótimo filme, que cumpre muito bem o seu papel de contar uma história (por mais que existam aqui e ali alguns equívocos históricos - mas, por favor, isso é um filme! Não dá para contar décadas em duas horas sem alguns ajustes, c´mon). Para mim, foi uma experiência imersiva. É isso que esse filme faz: sem grande esforço te transporta para aquele tempo tão turbulento, onde o fervor religioso e expansionista do império espanhol ameaçava a geopolítica da época. Cate Blanchet, naturalmente, é a jóia da coroa do filme que, basicamente, é uma desculpa para ela mostrar (novamente) o quão maravilhosa consegue ser. Em alguns momentos, sem exageiro, eu deixava de pensar na atriz e enxergava apenas a rainha-virgem, de cabelos vermelhos e punho de ferro, na sua determinada missão de transformar a Inglaterra no império marítimo que ouvimos falar nos livros. Um ótimo filme para se assistir sob cortinas fechadas, chuva na janela e algumas fatias despretensiosas de pizza.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

FANTASIA


para não me permitir afastar da doce inocência, do desejo infantil, da capacidade de rir das bobagens e de acreditar, sempre, que a vida é boa e que não há medos desacolhedores; para crer que não há tempo ruim, suficientemente assustador para inibir a magia.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

"SO SCARED OF GETTING OLDER...


...I´m only good at being young", diz a música. E acho que diz tudo. É uma mistura de sentimentos e reflexões. É o frio na barriga. É o meu olhar diante do espelho, equilibrando indecisamente um talão de cheques em uma mão e uma miniatura do batmóvel em outra. Porque a vida assusta. E encontrá-la repentinamente numa esquina é como ser surpreendido pela chuva. Então me dou conta de que muito passou, e que muito ficou para trás e que por mais que eu me esforce em defender (para mim mesmo) que "sou bom apenas em ser jovem", o tempo põe amigavelmente o braço sobre minhas costas e aponta um caminho, de constatação; de que não dá para "descer do trem" mas que, nem por isso, significa que a viagem será ruim. Porque não há o que temer. Muito fica para trás, inevitavelmente, na paisagem que corre pela janela. Mas muito chega, em quase igual proporção. É preciso encarar esse tempo, sem medo algum que ele encare de volta. É a estrada obrigatória para eu me tornar quem sou.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

SOBRE UMA ALMA TRISTE


Marion Cotillard mereceu cada centímetro do Oscar que conquistou por sua primorosa atuação em "Piaf - Um hino ao amor". Lamentei profundamente não ser mais conhecedor de sua vida, de sua música, sua paixão e sua tragédia. Mas senti de forma verdadeira a sua importância e contribuição. Piaf, definitivamente, foi uma expressão pura da cultura francesa. E com sua alma triste desenhou breve (porém eterna) participação na história.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

CAPITÃES DESTINATÁRIOS


Percebo, diariamente, o quanto é importante (e decisiva) a sua presença na minha vida. Um furacão em muitos momentos, é verdade; mas um oceano de calmaria em tantos outros. Meu oceano particular, onde navego sem temores, descobrindo ilhas sem nome, fundando impérios de sonhos. Uma onda inquebrantável de transformação, de revolução, que até hoje só me tem levado para frente, para cima, destemidamente. Como o Super-Homem. Para o alto, e avante. Encontrei em você a palavra que andava procurando: destemor. Já não sinto mais (tanto) medo e hoje em dia começo a me desprender da idéia de que "só sou bom em ser jovem". Assim você me fez; mais aguerrido, mais combativo, mais corajoso. Faço escolhas, tomo decisões sem pensar tanto nas conseqüências. Porque você tem me provado que a vida agracia quem arrisca, quem aceita o combate. Qual a necessidade de se planejar tanto, você sempre questiona. Não levamos a vida nas linhas preto e branco de um tabuleiro de xadrez, tampouco queremos isso. Queremos o medo, digo o medo gostoso, o frio na barriga, a aventura. Visto minha clássica camiseta com armas de pirata todas as vezes que pressinto uma aventura ao seu lado, num sábado ou domingo qualquer. E sempre acerto. Porque você me leva na carona da sua aventura como quem doma um cometa; uma aventura de conquistas e realizações, pequenas e grandiosas, banais e tremendamente ambiciosas, como se gritássemos do topo do mundo que nada é suficientemente capaz de nos segurar. Não há obstáculos, não há empecilhos. Há a nossa vontade. A determinação de fazer aquilo que queremos, honestamente, vivendo o sonho possível enquanto transformamos o impossível com mãos de quem faz alquimia. Vivemos numa cidade sem muros. E assim vamos vivendo, "como príncipe e princesa", ainda que quase sempre como "dama e vagabundo", no nosso conto de fadas pessoal em que alternamos os papéis para manter eternamente aquecida a história. É que estamos envelhecendo juntos. Fomos cunhados na moeda do tempo, metade e metade, destemidos capitães destinatários.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

A LINHA FINAL


E, um dia, quando chegarmos juntos a linha final, teremos ainda mais uma etapa para vivermos. A mais importante. De vivermos a eternidade e de nela voarmos. Por que seremos pássaros.

ESCARLATE COMPANHIA


Sim, quero ser cronista, arauto, protagonista dessa história. E fico inspirado quando também te vejo assumindo esse papel, ou melhor, dividindo-o comigo. Por isso quero todas as nossas fotos, pedacinhos de papel, ingressos de cinema, colares havaianos, peças de roupa, presentes de pequena e grande importância, músicas, filmes. Esses pequenos tesouros. A prova de "que é para sempre". Tudo se une, todas as idéias; e nessa louca e colorida amálgama, quase caleidoscópica, é que vamos vendo nossa história se formar, se transformar e se revolucionar com os anos que vão passando pela janela do trem. E constatamos: sim, amor, sim, estamos envelhecendo juntos. Esta noite, nesta morna noite como tantas que dormimos na companhia um do outro, uma estrela parece sorrir do alto, para mim. E talvez esteja lá o nosso principezinho, em seu papel de jardineiro estelar, me lembrando de que tudo nesta vida, neste mundo, pode passar. E passa. Mas que você, minha princesa exilada, minha rainha distante, minha Rosa, você fica. E onde eu estiver, seja em que chão, cidade, país ou planeta, estarei sempre olhando para o céu, revolvendo estrelas com a força de pensamentos honestos, contando segundos para roubar carona nas caudas de pássaros imigrantes que me levem, sempre, para o calor escarlate e encantado da tua companhia.