segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O QUE ESCONDE O CHEIRO DO RALO?


"O cheiro do ralo" é um filme estranho. É basicamente isso. Mas não é só isso. Trata-se de um filme único, extremamente psicanalítico, com um "cheiro" de filme europeu, cult desde o primeiro segundo, com boa trilha sonora e direção de arte, como não se vê com freqüência no cinema brasileiro. A história é construída num cenário sem tempo nem geografia, onde conhecemos a (falta de) vida de Lourenço, um rabugento dono de loja de penhores, que passa o dia inteiro comprando e vendendo tranqueiras inúteis de pessoas que o procuram desesperadamente em busca de qualquer trocado. E diante desses personagens estranhos ele exerce seu sadismo mais genuíno, enquanto se desculpa por um tal "cheiro do ralo" que emana do banheiro dos fundos. Nos intervalos dessa vida monótona, ele flerta de maneira esquisita com uma garçonete de nome impronunciável. Na verdade, um flerte esquisito com as nádegas da garçonete. Assim, vamos pouco a pouco dissecando a alma perturbada ali retratada (e brilhantemente interpretada por Selton Mello), que descobrimos se tratar da ponta de um iceberg que muito tem a revelar: fixações, obsessões, a busca por um pai ausente, o desprezo pela matéria humana. "O cheiro do ralo" é um filme estranho, não há a menor dúvida. Um filme denso, profundo, não muito acessível. Não é entretenimento gratuito. Mas há algo interessante ali, que nos prende desde as primeiras cenas. Ao final, senti vontade de voltar ao primeiro minuto e ver tudo novamente, na expectativa de descobrir algo novo, na costura misteriosa das cenas que parecem esconder o verdadeiro filme por trás do cheiro que emana do ralo.

Nenhum comentário: