sábado, 20 de novembro de 2010

SOFIA COPPOLA E O CONFINAMENTO

Me ocorreu que o tema central da obra de Sofia Coppola é o confinamento. Num primeiro instante, mais óbvio, o confinamento espacial, real. Mas, nas entrelinhas, um confinamento extremamente subjetivo (sua marca registrada e que faz seus filmes serem inconfundíveis). Porque os personagens de Sofia, se pararmos para pensar, são prisioneiros circunstanciais e de si mesmos. Eles gostam de contemplar horizontes, de observar janelas, com um olhar perdido como se estivessem buscando por respostas. E, de dentro destas prisões, constroem situações que fazem com que todos os filmes sejam especiais em inúmeras formas. 
As virgens de Sofia Coppola: prisioneiras circunstanciais

Se pensarmos sobre "As Virgens Suicidas", por exemplo, vamos observar um grupo de lindas meninas, reféns de pais excêntricos. Elas são prisioneiras, de fato, daquela casa onde suas liberdades e sexualidades são reprimidas de tal forma que ocasiona o trágico final retratado por Coppola com delicadeza e brilhantismo. As meninas são cativas de seus pais, mas essencialmente são cativas de si mesmas. Da falta de opções, das confusões da adolescência, de uma vida sobre a qual elas não tinham a menor compreensão ou controle. São punidas pela beleza, pelo corpo, pelo medo de seus pais que elas fossem machucadas. "Obviamente doutor, o senhor nunca foi uma menina de 13 anos". Confinadas naquela casa, não havia nenhuma fuga para as meninas Lisbon a não ser aquela que os garotos da rua jamais esqueceriam.
Charlotte e Bob querem fugir. Mas para onde?

Em "Encontros e Desencontros", temos um hotel do qual Bob anseia desesperadamente por um "plano de fuga". Ele quer fugir daqueles compromissos, daquele lugar, daquele idioma incompreensível. Mas, principalmente, ele quer fugir da estagnação da sua própria vida. Um casamento falido, uma carreira desaparecendo, a quase indiferença sobre si mesmo. Charlotte, igualmente presa à sombra do seu marido ausente, perambula pelo hotel e pelas ruas, sem a menor ideia de onde está indo pela simples vontade de se movimentar. "Estou presa", ela diz. Jovem, cheia de dúvidas sobre a vida, o casamento, a profissão, Charlotte observa a janela com os olhos do pássaro que sonha em fugir da gaiola. E os dois experimentam, na companhia um do outro, um suave sabor de liberdade, mas com prazo de validade. Há liberdade enquanto caminham juntos, mas os dois sabem que a separação é inevitável. Para onde fugir, então?

Maria Antoineta. Prisioneira de um palácio de sonhos artificiais

Mesmo em "Maria Antonieta", que poderia ser meramente um filme de caráter histórico, fica evidente essa reflexão. Uma rainha criança, estrangeira, indesejada, aprisionada por um conjunto de regras sociais num palácio que jamais seria o seu lar. "Lá vem a austríaca". Versalhes também é um hotel, se pararmos para pensar, e uma cadeia para Maria Antonieta que, não por acaso, demonstra inúmeras vezes o desejo de quase sufocado de fugir. Luís XVI até fabrica um refúgio para ela brincar de liberdade. Mas não havia nenhuma rota de fuga para Maria Antonieta a não ser uma festa sem fim, "a festa que antecedeu a revolução", para entorpecer a dor de sua existência e que, eventualmente, lhe custaria a cabeça. 

Um hotel nunca é um lar. Expectativas sobre "Somewhere"

As expectativas para "Somewhere", na minha opinião, também não ficam distantes deste pensamento recorrente. Não vi o filme, mas sei o suficiente para imaginar que também aqui Sofia Coppola não se afastará da sua reflexão do confinamento. Um astro de Hollywood, novamente preso numa vida superficial, num hotel de luxo, é sacudido pela visita de sua filha. Uma desculpa, uma rota de fuga ou, pelo menos, um novo prisma para repensar a sua vida.

Sofia Coppola aprisiona seus heróis e tenta compor uma linha, ainda que tênue, que possa dar-lhes uma esperança de fuga. É onde ela parece exorcizar seus fantasmas, suas próprias dores. Sua reflexão sobre a solidão na multidão, possivelmente o pior de todos os confinamentos. Os heróis de Sofia Coppola são frágeis, solitários, silenciosos. E com a ajuda deles ela cria esses filmes delicados, preciosos e absolutamente seus. E, de alguma maneira, "nossos" também. Nós que também enxergamos as dores camufladas, que ninguém faz muita questão de descobrir. Uma honestidade que despe a ela e a nós,  transpirada por todas as cenas, enquadramentos característicos e músicas que, juntos, fazem com que um filme de Sofia Coppola não seja como nenhum outro. Nunca. Sua compaixão pela fragilidade humana comove, é o seu maior trunfo, e a matéria com a qual ela costura estes filmes até imperfeitos, claro, mas simplesmente inesquecíveis.

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