Esqueça tudo o que você ouviu falar até hoje sobre vampiros, porque a história que eu vou contar em nada se assemelha à cultura pop e milionária de livros e filmes da atualidade. Essa é a breve história sobre o curto tempo em que eu convivi com Andrzej Popescu.
Quando eu tinha 15 anos, consegui meu primeiro trabalho como assistente num velho teatro no centro da cidade. O local, apesar de ainda ostentar uma fachada art déco e cadeiras de veludo vermelho puído, era um pouco decadente e esquecido como tudo naquele emaranhado caótico de ruas e avenidas. No entanto, aquele era o último reduto que ainda oferecia projeção de filmes antigos e apresentações de peças independentes. Os demais teatros e cinemas do centro, como é comum, já haviam se transformado em pontos de encontro para todas as práticas sociais do submundo.
Menos o Theatro Apolo. Quem ía até lá queria ver filmes e peças. Não estava interessado em outra coisa além disso. Eram pessoas solitárias, insones, um pouco marginais, que se encontravam ali, nas sessões que aconteciam tarde da noite. Era como se habitássemos numa ilha, cercada de tubarões. Mas ali, naquela ilha decadente, não havia riscos. E eu gostava de trabalhar lá.
O dono do velho teatro era um homem de meia idade, bem apessoado e muito discreto. Andrzej dizia ser filho de ciganos e o fato é que ele falava com certo sotaque. Era difícil adivinhar; a pele tinha um tom castanho incomum, olhos e cabelos muito escuros, mas nenhum traço identificável. Pelo menos não para mim. Mas eu era um menino de 15 anos, não um antropólogo. Ele era estrangeiro, não havia dúvidas. Muito silencioso, reservado, poucas vezes me recordo de ter conversado com ele mais do que alguns minutos e, sempre, para receber instruções. Ele não falava de sua vida ou de assuntos pessoais. Apenas trabalho.
Também o via muito pouco. E somente à noite, quando o espaço funcionava madrugada a dentro. Pela manhã, quando eu ía lá para fazer trabalhos diversos, geralmente nas sextas e segundas, nunca o encontrava. A chave estava, como sempre, escondida atrás de um tijolo falso. Eu entrava, fazia o que tinha que ser feito e ía embora, apenas para retornar à noite. Andrzej vivia como artista. Dormia ao longo do dia para respirar os ares da madrugada. Foi assim durante todos os dias em que convivemos.
O dono do velho teatro era um homem de meia idade, bem apessoado e muito discreto. Andrzej dizia ser filho de ciganos e o fato é que ele falava com certo sotaque. Era difícil adivinhar; a pele tinha um tom castanho incomum, olhos e cabelos muito escuros, mas nenhum traço identificável. Pelo menos não para mim. Mas eu era um menino de 15 anos, não um antropólogo. Ele era estrangeiro, não havia dúvidas. Muito silencioso, reservado, poucas vezes me recordo de ter conversado com ele mais do que alguns minutos e, sempre, para receber instruções. Ele não falava de sua vida ou de assuntos pessoais. Apenas trabalho.
Também o via muito pouco. E somente à noite, quando o espaço funcionava madrugada a dentro. Pela manhã, quando eu ía lá para fazer trabalhos diversos, geralmente nas sextas e segundas, nunca o encontrava. A chave estava, como sempre, escondida atrás de um tijolo falso. Eu entrava, fazia o que tinha que ser feito e ía embora, apenas para retornar à noite. Andrzej vivia como artista. Dormia ao longo do dia para respirar os ares da madrugada. Foi assim durante todos os dias em que convivemos.
Mas ele não era um boêmio. Nunca o vi beber, fumar ou apresentar qualquer tipo de conduta questionável. Nunca. Ele se encontrava com alguns rapazes, à noite, no seu quarto, mas o real sentido deste hábito eu só fui compreender muitos anos depois. Naquela época, ele me dizia que receberia alguns amigos e me dispensava mais cedo. No resto do tempo era um patrão agradável, educado e cordial. Parecia educado demais, até, refinado demais. Como se não pertencesse aquele resto de lugar.
Isso era evidente no seu tom de voz, baixo e melodioso, mas sem afetação. Os gestos contidos, elegantes, o caminhar imponente, de quem parece marchar. Um olhar penetrante, sábio e negro como o de um tubarão; um olhar de quem enxerga de cima, sem se misturar mas, ao mesmo tempo, sem ser pretensioso. Uma expressão impávida e sedutora. Algo de nobre.
As roupas, porém, eram muito simples, mas isso não desmerecia sua postura. Os cabelos, também muito negros, sempre mantidos curtos e nenhum acessório. Não usava relógios, correntes, pulseiras, chapéus. Havia um anel, pequeno, com uma pedra vermelha, que ele mantinha no dedo mindinho. E só. Andrzej era um homem fino, de hábitos simples e que se esforçava, justamente, em não chamar atenção.
As roupas, porém, eram muito simples, mas isso não desmerecia sua postura. Os cabelos, também muito negros, sempre mantidos curtos e nenhum acessório. Não usava relógios, correntes, pulseiras, chapéus. Havia um anel, pequeno, com uma pedra vermelha, que ele mantinha no dedo mindinho. E só. Andrzej era um homem fino, de hábitos simples e que se esforçava, justamente, em não chamar atenção.
Ele seria apenas mais um na multidão se não fosse por uma particularidade. Andrzej era um vampiro.
Mas ele não era sombrio. Não rejeitava crucifixos, nem alho, nem espelhos. Dormia manhãs e tardes inteiras, é verdade, mas de resto, era um homem comum. Se bebia sangue, não sei. Nunca o presenciei fazendo isso. No entanto, tampouco lembro de tê-lo visto bebendo ou comendo qualquer coisa. Andrzej também não dormia num caixão. Na única vez em que vi o seu quarto, quando suspeitei que o teatro poderia ter sido roubado, vi um cômodo pequeno, simples, sem nenhum luxo. Cortinas pesadas, uma cômoda, uma cama de solteiro e só. O quarto parecia muito mais com uma cela num monastério.
Como eu sei, então, que ele era um vampiro, você me perguntaria.
Porque ele simplesmente assim me disse. Foi a única vez em que falou sobre ele mesmo. E, mesmo assim, não me disse em pessoa, mas por meio de uma carta que guardo até hoje. Num dia qualquer em que cheguei para trabalhar, encontrei o lugar completamente abandonado. Primeiramente imaginei que o teatro havia sido assaltado. Subi às escadas nos bastidores em direção ao quarto de Andrzej e não o encontrei lá. Em nenhum lugar. Ele havia ido embora.
A única coisa que havia restado era uma carta, escrita em papel cartão grosso, com uma linda caligrafia e um selo em cera. Coisa de filme, pensei. Andrzej era um fugitivo, como todos da sua estirpe, ele relatou. Nômades, sem lar, sem família, sem laços. Eram hóspedes de um tempo e de lugares que jamais pertenceriam a eles verdadeiramente. Partiam, sem deixar rastro, no momento em que percebiam que seus refúgios poderiam ser maculados. Há algo de sagrado no repouso de um vampiro, como um santuário que não pode ser invadido. É assim que se mantém um segredo tão antigo quanto o homem. Eles estão entre nós, disse-me Andrzej.
"Procure-nos entre os insones, entre os solitários, entre poetas desolados e os músicos mais melancólicos. Procure-nos nas ruas da noite porque nós estaremos lá".
Andrzej me desejou boa sorte. Agradeceu pelos serviços que eu havia prestado e deixou outro envelope com dinheiro suficiente para pelo menos quatro meses de salário. Um tempo razoável para que eu arrumasse outro emprego. Não deixou endereços, nem contatos ou uma pista qualquer de seu destino. Flertava com a luz, dizia ele na carta, mas tomaria precaução em se refugiar num lugar tão confortável quanto o velho teatro. E assinou, sem datar a carta, com um simples "A.P".
Atualmente, já não existe nenhuma sombra do velho Theatro Apolo. Meses depois que Andrzej foi embora, o lugar acabou sendo demolido e reformado. A prefeitura o transformou num centro de auxílio social e recolocação profissional. Até pesquisei, à época, os detalhes da transação para descobrir alguma novidade sobre o paradeiro de Andrzej Popescu, mas fui informado que a prefeitura recebeu o prédio como doação de um estrangeiro que estava indo embora do país. Não havia nenhum detalhe, nada. Andrzej havia desaparecido.
Ainda hoje, tantos anos depois, me pego ocasionalmente pensando onde estaria Andrzej Popescu. Se estaria vivo, se seria mentira toda aquela história, se ele não seria um louco para quem eu havia trabalhado alguns meses. Provavelmente. Eu jamais teria como saber. Mas sempre gostei, secretamente, de imaginar que um dia trabalhei para um vampiro. Melhor, no teatro de um vampiro.
* * *
"Imagine que este conto pertence ao meu bisavô. Meu pai dizia que ele era um ótimo contador de histórias, mas que esta seria a única que ele havia registrado em papel. Era a sua história preferida".
* * *
"Empresário europeu reforma velho hotel no centro da cidade", dizia notícia do caderno Cidades no dia em que Bento releu o conto do seu bisavô pela centésima vez. Ele folheava o jornal à procura de emprego e a notícia parecia animadora.
Anotou o endereço. Hotel Apolo, aparentemente.
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