No ano de 1983, Alice completou 4 anos e seus pais compraram uma casa com um enorme jardim. Na verdade, era um pequeno quintal onde mal cabiam uma mesa e um punhado de cadeiras, mas para os olhos de Alice, era um jardim gigante, repleto de segredos e mistérios. Não havia nada ali, além da grama e uma árvore solitária.
Mas Alice descobriu, rapidamente, que amava aquela árvore. E a abraçou carinhosamente no primeiro dia em que chegaram à nova casa. Quando a menina sumia, algo que adorava fazer, várias e várias vezes seus pais a encontravam abraçada à árvore que, naturalmente, foi batizada de "A árvore de Alice".
Sob a sua sombra, Alice comemorou seu aniversário de 5 anos. Ao seu redor, conduziu chás e casamentos entre príncipes e bonecas. Colecionava suas folhas caídas e gostava de comparar as manchas na casca a zebras e tigres africanos.
Alice amava a sua árvore mas, com o tempo, também começou a se entediar dela.
Sentia raiva, porque a árvore nunca se mexia, nunca emitia som qualquer. Alice a chutava com força, mas ela não respondia. No verão e na primavera, a situação amenizava, porque Alice gostava de ver a a sua árvore cheia de vida. Mas no outono e no inverno se enfurecia novamente, porque a árvore estava feia e triste. "Fale!", Alice gritava a plenos pulmões, os olhos cheios de lágrimas. "Ande!". "Não perca as folhas!". Mas a árvore nunca respondia. Era difícil para a árvore vencer sua natureza de árvore e agradar à menina.
Os anos passaram, Alice cresceu e foi uma questão de tempo para que as visitas à árvore se tornassem cada vez mais esporádicas. Alice já não dava muita bola para ela e às vezes meses se passavam sem que ela sequer se lembrasse da existência daquela árvore solitária que havia visto a menina crescer.
Quando Alice completou 19 anos foi morar em Roma. Lá conheceu um rapaz de pé no chão e olhar nas estrelas que viria a ser o seu marido por toda a vida. E no dia em que descobriu que estava grávida, foi como se tivesse tido uma revelação. Ela precisava voltar. Precisava saber que sua árvore ainda estava de pé, solitária, no quintal da casa dos seus pais.
Chegando em casa, correu para o quintal e ninguém conseguiu celebrar apropriadamente a notícia da gravidez de Alice. Ela queria correr para o quintal. Queria abraçar sua árvore e dizer para ela de tudo que havia acontecido em sua vida. Ela estava grávida e a árvore precisava saber.
Atravessou a porta dos fundos com medo de não encontrar a sua árvore solitária, mas eis que descobriu que há muitos anos a árvore não estava mais sozinha. Seu pai havia erguido um pomar modesto, que abraçava a árvore como um colar furtacor. E entre frutas e flores, de todas as cores, lá estava ela. De pé, com a copa cheia. Como se estivesse vestida para receber Alice.
Alice correu e abraçou a árvore com uma saudade repentina que se transformou numa chuva de lágrimas inesperadas. Uma sombra enorme criava um santuário sobre Alice e seu filho, como num templo. Um vento fresco mexia folhas e cabelos numa sinfonia de sensações que fizeram Alice fechar os olhos. Pássaros cantavam sons variados como se parlamentassem. E Alice teve certeza que a árvore a abraçava de volta.
Ali, naquela casa, Alice viveria com seu marido por longos anos. E, naquela mesma casa, numa manhã agridoce, cheia de chuvas e silêncios, os dois também terminariam juntos a vida. Uma casa de lembranças felizes, um pomar colorido e uma árvore solitária que definhava lentamente no quintal.
Um comentário:
Prosa que é poesia.Comovidissima,nem tenho o que comentar,a não ser a emoção infinita que a suavidade deste feliz encontro de doces palavras me causou.
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