quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O MOTIVO NA RUA

As ruas, de uma forma ou de outra, são uma espécie de "não-lugar". Assim as entendo, pelo menos. Porque elas são sempre um ponto de transição entre um lugar e outro, nunca o destino final. Ninguém vai para a rua para estar na rua. Ela é um meio. O que é uma pena, acho, porque há um charme, uma atmosfera, uma alma na configuração destes não-lugares. 

A rua é pública, por natureza, e nos obriga - queiramos ou não - a partilhar nosso ar, privacidade, imagem, metro quadrado. Nada é nosso verdadeiramente. É o expoente máximo do socialismo. E mesmo que sejamos donos de um determinado pedaço, é sempre uma posse provisória porque rapidamente abandonamos a propriedade em detrimento de outra ao seguirmos um caminho.

Bom, onde quero chegar com mais essa reflexão de filósofo de orelha de livro? É que vejo, ocasionalmente, que muitas pessoas desconfiguram o não-lugar das ruas e fazem delas um ponto final. Um destino, mesmo que momentâneo.

Da janela do meu trabalho, por exemplo, tenho a chance de observar uma série de cruzamentos de ruas e, por se tratar de um centro comercial, esse espaço é um formigueiro diário de carros e pedestres. Que vem e que vão por entre as entradas, saídas, curvas e esquinas.

Mas eis que, nesta costura de caminhos anônimos, vejo alguém sentado sem nenhum desejo aparente de chegar a algum lugar. E não estou falando de pessoas que vivem nas ruas; esta não é uma reflexão de caráter social. Estou falando de pessoas comuns, que sairam pela manhã de suas casas e que, num dado momento do dia, param na rua por algum motivo. Ou sem nenhum motivo aparente.

Estarão pensando em algo? Algum tipo de aflição, preocupação? Um telefonema inesperado os imobilizou? Cansaço? Desânimo? Descanso? Vejo que estas pessoas param, não para aproveitar um banco ou sombra oportunos. Muitas vezes não há nenhum destes refúgios por perto. Estas pessoas simplesmente param, como se estacionassem o corpo momentaneamente. Na rua. E ficam ali, sentadas no chão, ou mesmo de pé, por alguns minutos, como se estivessem precisando organizar algo. Ideias, talvez. E, então, retomam o caminho.

Não sei se faz muito sentido esta minha reflexão ou se estou conseguindo configurá-la, em palavra escrita, da forma como penso. Provavelmente não. Pode parecer uma banalidade - e possivelmente é - mas desde sempre tive o hábito de refletir sobre o "irrefletível", algo que me rendeu dezenas de interrogações infrutíferas na escola, por exemplo. Talvez porque eu sempre tente enxergar além da realidade dos fatos ou sinta uma necessidade orgânica de encontrar profundidade onde muitas vezes ela não exista (e nem precise existir).

O fato é que da minha janela eu acompanho dezenas de pessoas, todas as semanas, que decidem interromper o desejo de ir do ponto A ao ponto B para, simplesmente, ficarem onde estão.

Eu só gostaria de saber o porquê.

2 comentários:

Lilian disse...

Nada banal este texto,bem pelo contrario,nunca tinha pensaddo a rua como um meio,um não lugar...

''estacionar o corpo'' é uma metafora maravilhosa.

Penso saber a resposta para sua interrogação,e tambem não é banal;

O que faz as pessoas irem para a rua como destino.é o não ter para onde ir,não ter alguem para encontrar,é a solidão.

Nos paises frios as pessoas vão para os banheiros das lojas,não só para se abrigar do frio,mas pela ilusão da compainha.

Sensivel demais esta ''crõnica'',

mais uma vez só posso dizer:PARABENS!

Luana Ribeiro disse...

Fiquei pensando nisso enquanto voltava pra casa, dias após ter lido o texto.

É verdade! Rua é transição. Talvez a avenida Paulista, em um domingo quente, não sirva só de passagem. Muita gente vai lá para ficar... NA RUA!

Adorei a reflexão!