"Quando me lembro de Lisa, não é do seu trabalho ou suas roupas que me recordo. Mas do seu cheiro, seu gosto, e a sensação de sua pele na minha".
Com essa reflexão começa o surpreendente e minimalista "9 Songs" ("9 Canções"), filme de Michael Winterbottom sobre dois jovens que se conhecem em Londres e vivem um relacionamento intenso, apaixonado, extremamente carnal, tendo como cenário uma série de shows e concertos na capital inglesa. 9 shows, como sugere o título, de bandas como Franz Ferdinand, Elbow e Primal Scream. O primeiro impacto surge, obviamente, com as cenas explícitas de sexo, algo estranho para um filme totalmente mainstream. Mas, ao mesmo tempo, as cenas altamente gráficas e realistas não são em nenhum momento gratuitas. A maneira como o filme é feito (belamente dirigido e editado, diga-se de passagem) cria uma atmosfera de tamanha intimidade entre os dois atores e, inevitavelmente, entre eles e nós (expectadores) que não dá para se chocar muito tempo com as cenas explícitas. Porque é um filme com o qual podemos nos identificar. Quem quer que já tenha vivido um relacionamento profundo, passional, desesperado, imediatamente se relacionará com a relação de Lisa e Matt, escancarada por pouco mais de uma hora na tela.
9 canções marcam o começo e o fim (?) de um relacionamento passional entre Lisa e Matt
Existe arte, jamais exploração, no retrato dos corpos, dos beijos, das explosões de paixão e desejo. É tudo muito humano e verdadeiro. Amor, medo, solidão, insegurança, dúvida. Uma incerteza sobre a fragilidade da vida que imediatamente me fez lembrar de filmes como "Lost in Translation" e "Antes do Amanhecer". A ideia de ser jovem, estar apaixonado, e não desejar nada na vida a não ser aquela pessoa que é o alvo inequívoco do nosso amor. Lisa e Matt vivem algo intenso, físico e melancólico que cria um retrato fiel da relação verdadeira entre um homem e uma mulher: a descoberta, a entrega, o estranhamento e, naturalmente, a separação.
Matt e Lisa se amaram por um verão e 9 canções
Matt sobrevoa a Antártida, enquanto se recorda de Lisa. Por que fugir para o canto mais gelado do mundo justamente para lembrar de um tempo em que seu corpo e alma pegavam fogo? Há algo profundo neste pequeno e delicado filme mas que, ao mesmo tempo, é um terremoto de silêncios eloquentes. Um filme surpreendente para quem se permitir despir de preconceitos e banalidades. A morte, como o amor, fazem parte da existência. Por que haveríamos de nos espantar com a exposição de algo que é tão inerente a nós?
Permita-se (não) se chocar pelo explícito em "9 Songs" e você se surpreenderá com esta história minimalista sobre a efemeridade
"9 Songs" é um filme que fará você pensar por bons minutos quando subirem os créditos, disso eu tenho certeza. A necessidade de finais felizes, ou quaisquer finais por assim dizer, é algo muito supérfluo se pararmos para refletir. A vida, morte, dor, sexo, alegria, melancolia. Tudo que compõe a existência é constituído por momentos. Uma costura incessante de breves momentos. É dessa matéria misteriosa que se fazem as memórias. E foi sobre isso que "9 Songs" me fez refletir.
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