Alguém deveria tombar a voz deste sr. Peabo Bryson como patrimônio da humanidade.
domingo, 28 de novembro de 2010
AMOR PLATÔNICO
Sofia Coppola. O que dizer? Provavelmente, 40% deste blog é inteiramente dedicado a ela. Linda, sob todos os aspectos possíveis e imagináveis. Talento e sensibilidade à flor da pele. Doce melancolia. Perfeitamente imperfeita. Musa, ídolo, símbolo. Espelho definitivo da arte que me agrada. Referência inequívoca de como me entendo no mundo. A rainha máxima do silêncio eloquente. Japonesa, suicida, arquiduquesa, um turbilhão de emoções delicadamente sustentadas por um rosto de pura serenidade. Fico na fila para ver uma folha em branco apresentada por Sofia Coppola. Meu cinema de cabeceira. Porque Sofia me entende.
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
28/01/2011
Estréia brasileira de "Somewhere" ("Um Lugar Qualquer") marcada para 28 de janeiro de 2011. Agora é esperar.
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quinta-feira, 25 de novembro de 2010
PULANDO A CERCA
Vídeo promocional do novo livro do Simon's Cat: "Beyond the fence".
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quarta-feira, 24 de novembro de 2010
terça-feira, 23 de novembro de 2010
AMOR PLATÔNICO
Claire, de "Elizabethtown". Por onde começar para falar de Claire? A cada avião em que embarco fantasio a possibilidade impossível de que ela atenda ao meu voo. Um voo da madrugada, naturalmente. Um red light solitário e silencioso em que ela não consiga evitar me acordar com perguntas impertinentes, mapas de guardanapo e fotografias mentais. Mas ainda assim eu pediria ajuda a Claire para lidar com meus fantasmas e tentaria convencê-la de que ela é tão infinitamente mais especial do que imagina. Claire, difícil de lembrar e impossível de esquecer. Eu a entregaria meu mundo, de olhos fechados, para que ela o mudasse de ponta cabeça. O fracasso, como um sucesso, é só um conceito. Sem dúvidas. Claire, um mapa de som e de fúria, de lágrimas inesperadas e cinzas lançadas em homenagem a um dinossauro ou a uma árvore sobrevivente. Desisti das comédias românticas, Claire. Mas não desisti de você. Do meu microfone imaginário eu te diria, de peito aberto e a plenos pulmões, sem cerimônia: "I like you".
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
HISTÓRIA DE VAMPIRO
Esqueça tudo o que você ouviu falar até hoje sobre vampiros, porque a história que eu vou contar em nada se assemelha à cultura pop e milionária de livros e filmes da atualidade. Essa é a breve história sobre o curto tempo em que eu convivi com Andrzej Popescu.
Quando eu tinha 15 anos, consegui meu primeiro trabalho como assistente num velho teatro no centro da cidade. O local, apesar de ainda ostentar uma fachada art déco e cadeiras de veludo vermelho puído, era um pouco decadente e esquecido como tudo naquele emaranhado caótico de ruas e avenidas. No entanto, aquele era o último reduto que ainda oferecia projeção de filmes antigos e apresentações de peças independentes. Os demais teatros e cinemas do centro, como é comum, já haviam se transformado em pontos de encontro para todas as práticas sociais do submundo.
Menos o Theatro Apolo. Quem ía até lá queria ver filmes e peças. Não estava interessado em outra coisa além disso. Eram pessoas solitárias, insones, um pouco marginais, que se encontravam ali, nas sessões que aconteciam tarde da noite. Era como se habitássemos numa ilha, cercada de tubarões. Mas ali, naquela ilha decadente, não havia riscos. E eu gostava de trabalhar lá.
O dono do velho teatro era um homem de meia idade, bem apessoado e muito discreto. Andrzej dizia ser filho de ciganos e o fato é que ele falava com certo sotaque. Era difícil adivinhar; a pele tinha um tom castanho incomum, olhos e cabelos muito escuros, mas nenhum traço identificável. Pelo menos não para mim. Mas eu era um menino de 15 anos, não um antropólogo. Ele era estrangeiro, não havia dúvidas. Muito silencioso, reservado, poucas vezes me recordo de ter conversado com ele mais do que alguns minutos e, sempre, para receber instruções. Ele não falava de sua vida ou de assuntos pessoais. Apenas trabalho.
Também o via muito pouco. E somente à noite, quando o espaço funcionava madrugada a dentro. Pela manhã, quando eu ía lá para fazer trabalhos diversos, geralmente nas sextas e segundas, nunca o encontrava. A chave estava, como sempre, escondida atrás de um tijolo falso. Eu entrava, fazia o que tinha que ser feito e ía embora, apenas para retornar à noite. Andrzej vivia como artista. Dormia ao longo do dia para respirar os ares da madrugada. Foi assim durante todos os dias em que convivemos.
O dono do velho teatro era um homem de meia idade, bem apessoado e muito discreto. Andrzej dizia ser filho de ciganos e o fato é que ele falava com certo sotaque. Era difícil adivinhar; a pele tinha um tom castanho incomum, olhos e cabelos muito escuros, mas nenhum traço identificável. Pelo menos não para mim. Mas eu era um menino de 15 anos, não um antropólogo. Ele era estrangeiro, não havia dúvidas. Muito silencioso, reservado, poucas vezes me recordo de ter conversado com ele mais do que alguns minutos e, sempre, para receber instruções. Ele não falava de sua vida ou de assuntos pessoais. Apenas trabalho.
Também o via muito pouco. E somente à noite, quando o espaço funcionava madrugada a dentro. Pela manhã, quando eu ía lá para fazer trabalhos diversos, geralmente nas sextas e segundas, nunca o encontrava. A chave estava, como sempre, escondida atrás de um tijolo falso. Eu entrava, fazia o que tinha que ser feito e ía embora, apenas para retornar à noite. Andrzej vivia como artista. Dormia ao longo do dia para respirar os ares da madrugada. Foi assim durante todos os dias em que convivemos.
Mas ele não era um boêmio. Nunca o vi beber, fumar ou apresentar qualquer tipo de conduta questionável. Nunca. Ele se encontrava com alguns rapazes, à noite, no seu quarto, mas o real sentido deste hábito eu só fui compreender muitos anos depois. Naquela época, ele me dizia que receberia alguns amigos e me dispensava mais cedo. No resto do tempo era um patrão agradável, educado e cordial. Parecia educado demais, até, refinado demais. Como se não pertencesse aquele resto de lugar.
Isso era evidente no seu tom de voz, baixo e melodioso, mas sem afetação. Os gestos contidos, elegantes, o caminhar imponente, de quem parece marchar. Um olhar penetrante, sábio e negro como o de um tubarão; um olhar de quem enxerga de cima, sem se misturar mas, ao mesmo tempo, sem ser pretensioso. Uma expressão impávida e sedutora. Algo de nobre.
As roupas, porém, eram muito simples, mas isso não desmerecia sua postura. Os cabelos, também muito negros, sempre mantidos curtos e nenhum acessório. Não usava relógios, correntes, pulseiras, chapéus. Havia um anel, pequeno, com uma pedra vermelha, que ele mantinha no dedo mindinho. E só. Andrzej era um homem fino, de hábitos simples e que se esforçava, justamente, em não chamar atenção.
As roupas, porém, eram muito simples, mas isso não desmerecia sua postura. Os cabelos, também muito negros, sempre mantidos curtos e nenhum acessório. Não usava relógios, correntes, pulseiras, chapéus. Havia um anel, pequeno, com uma pedra vermelha, que ele mantinha no dedo mindinho. E só. Andrzej era um homem fino, de hábitos simples e que se esforçava, justamente, em não chamar atenção.
Ele seria apenas mais um na multidão se não fosse por uma particularidade. Andrzej era um vampiro.
Mas ele não era sombrio. Não rejeitava crucifixos, nem alho, nem espelhos. Dormia manhãs e tardes inteiras, é verdade, mas de resto, era um homem comum. Se bebia sangue, não sei. Nunca o presenciei fazendo isso. No entanto, tampouco lembro de tê-lo visto bebendo ou comendo qualquer coisa. Andrzej também não dormia num caixão. Na única vez em que vi o seu quarto, quando suspeitei que o teatro poderia ter sido roubado, vi um cômodo pequeno, simples, sem nenhum luxo. Cortinas pesadas, uma cômoda, uma cama de solteiro e só. O quarto parecia muito mais com uma cela num monastério.
Como eu sei, então, que ele era um vampiro, você me perguntaria.
Porque ele simplesmente assim me disse. Foi a única vez em que falou sobre ele mesmo. E, mesmo assim, não me disse em pessoa, mas por meio de uma carta que guardo até hoje. Num dia qualquer em que cheguei para trabalhar, encontrei o lugar completamente abandonado. Primeiramente imaginei que o teatro havia sido assaltado. Subi às escadas nos bastidores em direção ao quarto de Andrzej e não o encontrei lá. Em nenhum lugar. Ele havia ido embora.
A única coisa que havia restado era uma carta, escrita em papel cartão grosso, com uma linda caligrafia e um selo em cera. Coisa de filme, pensei. Andrzej era um fugitivo, como todos da sua estirpe, ele relatou. Nômades, sem lar, sem família, sem laços. Eram hóspedes de um tempo e de lugares que jamais pertenceriam a eles verdadeiramente. Partiam, sem deixar rastro, no momento em que percebiam que seus refúgios poderiam ser maculados. Há algo de sagrado no repouso de um vampiro, como um santuário que não pode ser invadido. É assim que se mantém um segredo tão antigo quanto o homem. Eles estão entre nós, disse-me Andrzej.
"Procure-nos entre os insones, entre os solitários, entre poetas desolados e os músicos mais melancólicos. Procure-nos nas ruas da noite porque nós estaremos lá".
Andrzej me desejou boa sorte. Agradeceu pelos serviços que eu havia prestado e deixou outro envelope com dinheiro suficiente para pelo menos quatro meses de salário. Um tempo razoável para que eu arrumasse outro emprego. Não deixou endereços, nem contatos ou uma pista qualquer de seu destino. Flertava com a luz, dizia ele na carta, mas tomaria precaução em se refugiar num lugar tão confortável quanto o velho teatro. E assinou, sem datar a carta, com um simples "A.P".
Atualmente, já não existe nenhuma sombra do velho Theatro Apolo. Meses depois que Andrzej foi embora, o lugar acabou sendo demolido e reformado. A prefeitura o transformou num centro de auxílio social e recolocação profissional. Até pesquisei, à época, os detalhes da transação para descobrir alguma novidade sobre o paradeiro de Andrzej Popescu, mas fui informado que a prefeitura recebeu o prédio como doação de um estrangeiro que estava indo embora do país. Não havia nenhum detalhe, nada. Andrzej havia desaparecido.
Ainda hoje, tantos anos depois, me pego ocasionalmente pensando onde estaria Andrzej Popescu. Se estaria vivo, se seria mentira toda aquela história, se ele não seria um louco para quem eu havia trabalhado alguns meses. Provavelmente. Eu jamais teria como saber. Mas sempre gostei, secretamente, de imaginar que um dia trabalhei para um vampiro. Melhor, no teatro de um vampiro.
* * *
"Imagine que este conto pertence ao meu bisavô. Meu pai dizia que ele era um ótimo contador de histórias, mas que esta seria a única que ele havia registrado em papel. Era a sua história preferida".
* * *
"Empresário europeu reforma velho hotel no centro da cidade", dizia notícia do caderno Cidades no dia em que Bento releu o conto do seu bisavô pela centésima vez. Ele folheava o jornal à procura de emprego e a notícia parecia animadora.
Anotou o endereço. Hotel Apolo, aparentemente.
domingo, 21 de novembro de 2010
sábado, 20 de novembro de 2010
SOFIA COPPOLA E O CONFINAMENTO
Me ocorreu que o tema central da obra de Sofia Coppola é o confinamento. Num primeiro instante, mais óbvio, o confinamento espacial, real. Mas, nas entrelinhas, um confinamento extremamente subjetivo (sua marca registrada e que faz seus filmes serem inconfundíveis). Porque os personagens de Sofia, se pararmos para pensar, são prisioneiros circunstanciais e de si mesmos. Eles gostam de contemplar horizontes, de observar janelas, com um olhar perdido como se estivessem buscando por respostas. E, de dentro destas prisões, constroem situações que fazem com que todos os filmes sejam especiais em inúmeras formas.
As virgens de Sofia Coppola: prisioneiras circunstanciais
Se pensarmos sobre "As Virgens Suicidas", por exemplo, vamos observar um grupo de lindas meninas, reféns de pais excêntricos. Elas são prisioneiras, de fato, daquela casa onde suas liberdades e sexualidades são reprimidas de tal forma que ocasiona o trágico final retratado por Coppola com delicadeza e brilhantismo. As meninas são cativas de seus pais, mas essencialmente são cativas de si mesmas. Da falta de opções, das confusões da adolescência, de uma vida sobre a qual elas não tinham a menor compreensão ou controle. São punidas pela beleza, pelo corpo, pelo medo de seus pais que elas fossem machucadas. "Obviamente doutor, o senhor nunca foi uma menina de 13 anos". Confinadas naquela casa, não havia nenhuma fuga para as meninas Lisbon a não ser aquela que os garotos da rua jamais esqueceriam.
Charlotte e Bob querem fugir. Mas para onde?
Em "Encontros e Desencontros", temos um hotel do qual Bob anseia desesperadamente por um "plano de fuga". Ele quer fugir daqueles compromissos, daquele lugar, daquele idioma incompreensível. Mas, principalmente, ele quer fugir da estagnação da sua própria vida. Um casamento falido, uma carreira desaparecendo, a quase indiferença sobre si mesmo. Charlotte, igualmente presa à sombra do seu marido ausente, perambula pelo hotel e pelas ruas, sem a menor ideia de onde está indo pela simples vontade de se movimentar. "Estou presa", ela diz. Jovem, cheia de dúvidas sobre a vida, o casamento, a profissão, Charlotte observa a janela com os olhos do pássaro que sonha em fugir da gaiola. E os dois experimentam, na companhia um do outro, um suave sabor de liberdade, mas com prazo de validade. Há liberdade enquanto caminham juntos, mas os dois sabem que a separação é inevitável. Para onde fugir, então?
Maria Antoineta. Prisioneira de um palácio de sonhos artificiais
Mesmo em "Maria Antonieta", que poderia ser meramente um filme de caráter histórico, fica evidente essa reflexão. Uma rainha criança, estrangeira, indesejada, aprisionada por um conjunto de regras sociais num palácio que jamais seria o seu lar. "Lá vem a austríaca". Versalhes também é um hotel, se pararmos para pensar, e uma cadeia para Maria Antonieta que, não por acaso, demonstra inúmeras vezes o desejo de quase sufocado de fugir. Luís XVI até fabrica um refúgio para ela brincar de liberdade. Mas não havia nenhuma rota de fuga para Maria Antonieta a não ser uma festa sem fim, "a festa que antecedeu a revolução", para entorpecer a dor de sua existência e que, eventualmente, lhe custaria a cabeça.
Um hotel nunca é um lar. Expectativas sobre "Somewhere"
As expectativas para "Somewhere", na minha opinião, também não ficam distantes deste pensamento recorrente. Não vi o filme, mas sei o suficiente para imaginar que também aqui Sofia Coppola não se afastará da sua reflexão do confinamento. Um astro de Hollywood, novamente preso numa vida superficial, num hotel de luxo, é sacudido pela visita de sua filha. Uma desculpa, uma rota de fuga ou, pelo menos, um novo prisma para repensar a sua vida.
Sofia Coppola aprisiona seus heróis e tenta compor uma linha, ainda que tênue, que possa dar-lhes uma esperança de fuga. É onde ela parece exorcizar seus fantasmas, suas próprias dores. Sua reflexão sobre a solidão na multidão, possivelmente o pior de todos os confinamentos. Os heróis de Sofia Coppola são frágeis, solitários, silenciosos. E com a ajuda deles ela cria esses filmes delicados, preciosos e absolutamente seus. E, de alguma maneira, "nossos" também. Nós que também enxergamos as dores camufladas, que ninguém faz muita questão de descobrir. Uma honestidade que despe a ela e a nós, transpirada por todas as cenas, enquadramentos característicos e músicas que, juntos, fazem com que um filme de Sofia Coppola não seja como nenhum outro. Nunca. Sua compaixão pela fragilidade humana comove, é o seu maior trunfo, e a matéria com a qual ela costura estes filmes até imperfeitos, claro, mas simplesmente inesquecíveis.
O FERIADO
Naquela noite, particularmente fria e chuvosa, Joachim sentiu ainda mais medo do homem que gritava no rádio. Trovões e relâmpagos insistentes criavam sombras estranhas no apartamento e faziam aquela voz estridente ecoar pelas paredes e assoalhos como se ele estivesse ali, gigante, monstruoso, cheio de chifres, como Joachim assim o imaginava. O homem no rádio aterrorizava Joachim em seus sonhos e tudo o que ele mais desejava na vida era que ele desaparecesse.
Correu para abraçar a barra da saia de sua mãe, que repousava diante da janela. Joachim queria saber "quando o homem que gritava no rádio morreria".
"Ele morrerá num feriado, meu filho", disse, olhando-o nos olhos e acariciando o rosto do menino.
Ao que Joachim observou-a, sem entender.
"Porque o dia em que ele morrer será um feriado".
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
terça-feira, 16 de novembro de 2010
ILUSTRANDO
Alguns pôsteres internacionais do filme "Maria Antoineta", de Sofia Coppola
Brasil
Estados Unidos
França
Alemanha
Holanda
Itália (meu preferido)
Japão
Taiwan
O JANTAR
Chegou mais cedo do trabalho. Intencionalmente. Depositou o paletó sobre a cadeira, com certo zelo e nenhuma pressa. Dobrado em duas partes, usaria novamente no dia seguinte. Colocou algumas sacolas de compras sobre a mesa, arregaçou as mangas da camisa e lavou as mãos com cuidado, entrelaçando dedos, como um cirurgião, na espuma produzida pela água fria que jorrava com força da torneira da cozinha. Não era um dia especial. Longe disso. Era um dia qualquer, mas ele estava determinado a fazer aquele jantar.
Com planejamento, esvaziou as sacolas, organizando itens por categoria e propósito. Um bom vinho a ser resfriado rapidamente. Apenas um susto, para não esfriar demais. Vinho branco, naturalmente.
Frutas da estação, flores comestíveis, folhas variadas, lascas finas de queijo parmesão, presunto cru e um punhado de sementes para compor uma salada colorida, banhada por não mais que um fio de azeite português, um pouco de sal e pimenta do reino.
Um pequenino pote de sorvete de cereja no refrigerador. Para depois. Somente para depois. O gelo machucando delicadamente a ponta dos seus dedos enquanto guardava a iguaria posterior. Sorvete de cereja, um pote pequenino para não cometer exageiros. Não mais que algumas colheradas. Era o suficiente. Mesmo num dia frio e chuvoso como aquele. O suficiente.
Água borbulhante no pequenino fogão de duas bocas. Panelas suadas exalando aromas variados de tomate, cebola, alho, pimenta calabresa, canela, noz moscada. Ervas variadas, um pouco de sal, um pouco de açúcar. No forno, um belo filé de salmão, fresco como se tivesse sido pescado minutos antes.
Para fazer companhia ao peixe vermelho, um pouco de arroz selvagem, alguns legumes e um molho saboroso e levemente picante. Sua receita secreta.
A sala do pequeno apartamento já estava tomada por um aroma mediterrâneo, como se houvesse, lá fora, um sol amarelo e um mar cintilante, muito gregos, e não aquela chuva forte e acinzentada que fazia tremer a janela. Acompanhou todos os preparativos com olhos atentos, mãos habilidosas, paladar apurado e cuidado com todos os detalhes.
Arrumou a mesa com uma qualidade obsessiva, prestando atenção a todos os itens do seu check-list mental. Toalha de linho (a melhor que tinha), guardanapos de pano, talheres de prata, a melhor louça, os melhores copos, taças. Uma flor solitária, amarela, para adornar o centro da mesa. Um castiçal de prata de três pontas, aceso, para agraciar o ambiente com uma adorável meia luz.
Apagou o fogo, desligou o forno, abriu o vinho para que ele respirasse alguns instantes. Um disco na vitrola antiga acariciando o ar com uma melodia adorável e banal, necessária porém fácil de ser ignorada. Arrumou a louça suja, panelas e utensílhos na pia, um pano com detergente para corrigir eventuais excesssos. Tudo pronto. Decidiu, então, tomar banho.
Arrumou-se também sem pressa e com esmero. Uma camisa branca, calça cinza, ambas de algodão. Confortáveis e elegantes. Sapatos pretos, cabelos penteados, barba, colônia. Mangas dobradas, cinto, relógio.
E caminhou lentamente para a sala. Serviu-se dos pratos, sem exageiro. Primeiro a salada, depois o peixe. Um gole de vinho para antecipar os sabores que estavam por vir. Guardanapo dobrado sobre o colo. Um lindo guardanapo. E uma luz trêmula e confortável dançando sobre a mesa.
E, então, apreciou sozinho o seu jantar.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
AMOR PLATÔNICO
Maria Callas. Não sei bem até que ponto é um mundano amor platônico ou desejo espontâneo de serví-la como quem anseia servir a uma rainha. É um amor respeitoso, de quem observa à distância sem o atrevimento de se aproximar demais. Nós e ela. Diva, máxima, inigualável, incompreendida, insuperável. Beleza transpirada, respirada, consumida numa voz trêmula inconfundível, um rosto de arte, uma alma atormendada. Um pássaro de asas quebradas. Uma semideusa mediterrânea, imperfeita. Eterna.
domingo, 14 de novembro de 2010
SIGO-OS TODAS AS VEZES
Pela... centésima vez me proporciono uma sessão de "Lost in Translation" em minha própria - insone - companhia. É a melhor hora e, provavelmente, a melhor forma de se ver "Lost in Translation": uma sessão solitária, silenciosa e insone. A hora e meia que passa mais rápido de todas no relógio. E a saudade que fica, latejante, como na primeira vez. Sigo-a na rua e sigo-o na limousine. Todas as vezes. Mas me perco no caminho ou então simplesmente fecho os olhos ao som de The Jesus and Mary Chain. Como mel. Toda as vezes. Bob e Charlotte. Já estou morrendo de saudades.
Agora irei dormir.
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sexta-feira, 12 de novembro de 2010
PARA VER E OUVIR: MARA CALLAS CANTA "CARMEN" (1962)
Diva. Máxima.
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quinta-feira, 11 de novembro de 2010
PAUSA PARA O LANCHE...
Novo filme do Simon´s Cat já disponível na página oficial do YouTube. Como todos, imperdível e absolutamente fiel à realidade...
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
O MOTIVO NA RUA
As ruas, de uma forma ou de outra, são uma espécie de "não-lugar". Assim as entendo, pelo menos. Porque elas são sempre um ponto de transição entre um lugar e outro, nunca o destino final. Ninguém vai para a rua para estar na rua. Ela é um meio. O que é uma pena, acho, porque há um charme, uma atmosfera, uma alma na configuração destes não-lugares.
A rua é pública, por natureza, e nos obriga - queiramos ou não - a partilhar nosso ar, privacidade, imagem, metro quadrado. Nada é nosso verdadeiramente. É o expoente máximo do socialismo. E mesmo que sejamos donos de um determinado pedaço, é sempre uma posse provisória porque rapidamente abandonamos a propriedade em detrimento de outra ao seguirmos um caminho.
Bom, onde quero chegar com mais essa reflexão de filósofo de orelha de livro? É que vejo, ocasionalmente, que muitas pessoas desconfiguram o não-lugar das ruas e fazem delas um ponto final. Um destino, mesmo que momentâneo.
Da janela do meu trabalho, por exemplo, tenho a chance de observar uma série de cruzamentos de ruas e, por se tratar de um centro comercial, esse espaço é um formigueiro diário de carros e pedestres. Que vem e que vão por entre as entradas, saídas, curvas e esquinas.
Mas eis que, nesta costura de caminhos anônimos, vejo alguém sentado sem nenhum desejo aparente de chegar a algum lugar. E não estou falando de pessoas que vivem nas ruas; esta não é uma reflexão de caráter social. Estou falando de pessoas comuns, que sairam pela manhã de suas casas e que, num dado momento do dia, param na rua por algum motivo. Ou sem nenhum motivo aparente.
Estarão pensando em algo? Algum tipo de aflição, preocupação? Um telefonema inesperado os imobilizou? Cansaço? Desânimo? Descanso? Vejo que estas pessoas param, não para aproveitar um banco ou sombra oportunos. Muitas vezes não há nenhum destes refúgios por perto. Estas pessoas simplesmente param, como se estacionassem o corpo momentaneamente. Na rua. E ficam ali, sentadas no chão, ou mesmo de pé, por alguns minutos, como se estivessem precisando organizar algo. Ideias, talvez. E, então, retomam o caminho.
Não sei se faz muito sentido esta minha reflexão ou se estou conseguindo configurá-la, em palavra escrita, da forma como penso. Provavelmente não. Pode parecer uma banalidade - e possivelmente é - mas desde sempre tive o hábito de refletir sobre o "irrefletível", algo que me rendeu dezenas de interrogações infrutíferas na escola, por exemplo. Talvez porque eu sempre tente enxergar além da realidade dos fatos ou sinta uma necessidade orgânica de encontrar profundidade onde muitas vezes ela não exista (e nem precise existir).
O fato é que da minha janela eu acompanho dezenas de pessoas, todas as semanas, que decidem interromper o desejo de ir do ponto A ao ponto B para, simplesmente, ficarem onde estão.
Eu só gostaria de saber o porquê.
terça-feira, 9 de novembro de 2010
"O BOCÓ", DE MANOEL DE BARROS
"Quando o moço estava a catar caracóis e pedrinhas
na beira do rio até duas horas da tarde, ali
também Nhá Velina Cuê estava. A velha paraguaia
de ver aquele moço a catar caracóis na beira do
rio até duas horas da tarde, balançou a cabeça
de um lado para o outro ao gesto de quem estivesse
com pena do moço, e disse a palavra bocó. O moço
ouviu a palavra bocó e foi para casa correndo
a ver nos seus trinta e dois dicionários que coisa
era ser bocó. Achou cerca de nove expressões que
sugeriam símiles a tonto. E se riu de gostar. E
separou para ele os nove símiles. Tais: Bocó é
sempre alguém acrescentado de criança. Bocó é
uma exceção de árvore. Bocó é um que gosta de
conversar bobagens profundas com as águas. Bocó
é aquele que fala sempre com sotaque das suas
origens. É sempre alguém obscuro de mosca. É
alguém que constrói sua casa com pouco cisco.
É um que descobriu que as tardes fazem parte de
haver beleza nos pássaros. Bocó é aquele que
olhando para o chão enxerga um verme sendo-o.
Bocó é uma espécie de sânie com alvoradas. Foi
o que o moço colheu em seus trinta e dois
dicionários. E ele se estimou”.
Manoel de Barros
na beira do rio até duas horas da tarde, ali
também Nhá Velina Cuê estava. A velha paraguaia
de ver aquele moço a catar caracóis na beira do
rio até duas horas da tarde, balançou a cabeça
de um lado para o outro ao gesto de quem estivesse
com pena do moço, e disse a palavra bocó. O moço
ouviu a palavra bocó e foi para casa correndo
a ver nos seus trinta e dois dicionários que coisa
era ser bocó. Achou cerca de nove expressões que
sugeriam símiles a tonto. E se riu de gostar. E
separou para ele os nove símiles. Tais: Bocó é
sempre alguém acrescentado de criança. Bocó é
uma exceção de árvore. Bocó é um que gosta de
conversar bobagens profundas com as águas. Bocó
é aquele que fala sempre com sotaque das suas
origens. É sempre alguém obscuro de mosca. É
alguém que constrói sua casa com pouco cisco.
É um que descobriu que as tardes fazem parte de
haver beleza nos pássaros. Bocó é aquele que
olhando para o chão enxerga um verme sendo-o.
Bocó é uma espécie de sânie com alvoradas. Foi
o que o moço colheu em seus trinta e dois
dicionários. E ele se estimou”.
Manoel de Barros
domingo, 7 de novembro de 2010
AMOR PLATÔNICO
Charlotte, de "Lost in Translation". Alma gêmea. Paixão instantânea, fulminante e irrecuperável. Até hoje sonho em dividir uma janela em sua companhia, correr as ruas de Tóquio ao seu lado e partilhar com ela todas as minhas angustiosas incertezas. Meu amor platônico eternamente perdido na tradução, eternamente trancafiado dentro de um filme, intocável a não ser pela ação dos sonhos. "Are you awake?", ela me perguntaria. Sim. Sempre. Infelizmente. Meu amor platônico, doce como mel.
ILUSTRANDO
Mais um lindo desenho de Amaílis Lage (Blog Cartolina) que, como quase todos dela, me atravessam a alma com essa profunda simplicidade. É mais pura (e triste) verdade. Eu achava que esse "verão" jamais passaria. Mas não é que ele passa?
sábado, 6 de novembro de 2010
SÓ UM GOSTINHO...
Para o deleite dos fãs (eu entre eles), a Focus Features acaba de lançar um trecho do novo filme da Sofia Coppola, "Somewhere" ("Um lugar qualquer" é o possível título do lançamento brasileiro). A história narra o conflito existencial de um ator de Hollywood (Dorff) que vê seu mundo mudar com a visita da sua filha (Fanning). O Chateau Marmont, tradicional hotel californiano, será o principal cenário da história que, segundo alguns críticos, pode ser considerada uma irmã espiritual de "Encontros e Desencontros". O breve trecho me faz concordar, resta esperar. O filme chega aos cinemas americanos em 22 de dezembro deste ano. Para ver, basta CLICAR AQUI.
A trilha sonora oficial (algo tão aguardado quanto os filmes) também já foi divulgada:
Love Like a Sunset Part I (Phoenix)
Ghandi Fix (William Storkson)
My Hero (Foo Fighters)
So Lonely (The Police)
1 Thing (Amerie)
20th Century Boy (T.Rex)
Cool (Gwen Stefani)
Che si fa (Paolo Jannacci)
Cool (Gwen Stefani)
Teddy Bear (Romulo)
Love Theme From Kiss (Kiss)
I’ll Try Anything Once (The Strokes)
Look (Sebastian Tellier)
Smoke Gets In Your Eyes (Bryan Ferry)
Massage Music (William Storkson)
Love Like A Sunset Part II (Phoenix)
A trilha sonora oficial (algo tão aguardado quanto os filmes) também já foi divulgada:
Love Like a Sunset Part I (Phoenix)
Ghandi Fix (William Storkson)
My Hero (Foo Fighters)
So Lonely (The Police)
1 Thing (Amerie)
20th Century Boy (T.Rex)
Cool (Gwen Stefani)
Che si fa (Paolo Jannacci)
Cool (Gwen Stefani)
Teddy Bear (Romulo)
Love Theme From Kiss (Kiss)
I’ll Try Anything Once (The Strokes)
Look (Sebastian Tellier)
Smoke Gets In Your Eyes (Bryan Ferry)
Massage Music (William Storkson)
Love Like A Sunset Part II (Phoenix)
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SOBRE MOMENTOS
"Quando me lembro de Lisa, não é do seu trabalho ou suas roupas que me recordo. Mas do seu cheiro, seu gosto, e a sensação de sua pele na minha".
Com essa reflexão começa o surpreendente e minimalista "9 Songs" ("9 Canções"), filme de Michael Winterbottom sobre dois jovens que se conhecem em Londres e vivem um relacionamento intenso, apaixonado, extremamente carnal, tendo como cenário uma série de shows e concertos na capital inglesa. 9 shows, como sugere o título, de bandas como Franz Ferdinand, Elbow e Primal Scream. O primeiro impacto surge, obviamente, com as cenas explícitas de sexo, algo estranho para um filme totalmente mainstream. Mas, ao mesmo tempo, as cenas altamente gráficas e realistas não são em nenhum momento gratuitas. A maneira como o filme é feito (belamente dirigido e editado, diga-se de passagem) cria uma atmosfera de tamanha intimidade entre os dois atores e, inevitavelmente, entre eles e nós (expectadores) que não dá para se chocar muito tempo com as cenas explícitas. Porque é um filme com o qual podemos nos identificar. Quem quer que já tenha vivido um relacionamento profundo, passional, desesperado, imediatamente se relacionará com a relação de Lisa e Matt, escancarada por pouco mais de uma hora na tela.
9 canções marcam o começo e o fim (?) de um relacionamento passional entre Lisa e Matt
Existe arte, jamais exploração, no retrato dos corpos, dos beijos, das explosões de paixão e desejo. É tudo muito humano e verdadeiro. Amor, medo, solidão, insegurança, dúvida. Uma incerteza sobre a fragilidade da vida que imediatamente me fez lembrar de filmes como "Lost in Translation" e "Antes do Amanhecer". A ideia de ser jovem, estar apaixonado, e não desejar nada na vida a não ser aquela pessoa que é o alvo inequívoco do nosso amor. Lisa e Matt vivem algo intenso, físico e melancólico que cria um retrato fiel da relação verdadeira entre um homem e uma mulher: a descoberta, a entrega, o estranhamento e, naturalmente, a separação.
Matt e Lisa se amaram por um verão e 9 canções
Matt sobrevoa a Antártida, enquanto se recorda de Lisa. Por que fugir para o canto mais gelado do mundo justamente para lembrar de um tempo em que seu corpo e alma pegavam fogo? Há algo profundo neste pequeno e delicado filme mas que, ao mesmo tempo, é um terremoto de silêncios eloquentes. Um filme surpreendente para quem se permitir despir de preconceitos e banalidades. A morte, como o amor, fazem parte da existência. Por que haveríamos de nos espantar com a exposição de algo que é tão inerente a nós?
Permita-se (não) se chocar pelo explícito em "9 Songs" e você se surpreenderá com esta história minimalista sobre a efemeridade
"9 Songs" é um filme que fará você pensar por bons minutos quando subirem os créditos, disso eu tenho certeza. A necessidade de finais felizes, ou quaisquer finais por assim dizer, é algo muito supérfluo se pararmos para refletir. A vida, morte, dor, sexo, alegria, melancolia. Tudo que compõe a existência é constituído por momentos. Uma costura incessante de breves momentos. É dessa matéria misteriosa que se fazem as memórias. E foi sobre isso que "9 Songs" me fez refletir.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
"GARRAFA"
Adoravelmente triste. Curta de Kirsten Lepore.
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quinta-feira, 4 de novembro de 2010
ALICE E A ÁRVORE
No ano de 1983, Alice completou 4 anos e seus pais compraram uma casa com um enorme jardim. Na verdade, era um pequeno quintal onde mal cabiam uma mesa e um punhado de cadeiras, mas para os olhos de Alice, era um jardim gigante, repleto de segredos e mistérios. Não havia nada ali, além da grama e uma árvore solitária.
Mas Alice descobriu, rapidamente, que amava aquela árvore. E a abraçou carinhosamente no primeiro dia em que chegaram à nova casa. Quando a menina sumia, algo que adorava fazer, várias e várias vezes seus pais a encontravam abraçada à árvore que, naturalmente, foi batizada de "A árvore de Alice".
Sob a sua sombra, Alice comemorou seu aniversário de 5 anos. Ao seu redor, conduziu chás e casamentos entre príncipes e bonecas. Colecionava suas folhas caídas e gostava de comparar as manchas na casca a zebras e tigres africanos.
Alice amava a sua árvore mas, com o tempo, também começou a se entediar dela.
Sentia raiva, porque a árvore nunca se mexia, nunca emitia som qualquer. Alice a chutava com força, mas ela não respondia. No verão e na primavera, a situação amenizava, porque Alice gostava de ver a a sua árvore cheia de vida. Mas no outono e no inverno se enfurecia novamente, porque a árvore estava feia e triste. "Fale!", Alice gritava a plenos pulmões, os olhos cheios de lágrimas. "Ande!". "Não perca as folhas!". Mas a árvore nunca respondia. Era difícil para a árvore vencer sua natureza de árvore e agradar à menina.
Os anos passaram, Alice cresceu e foi uma questão de tempo para que as visitas à árvore se tornassem cada vez mais esporádicas. Alice já não dava muita bola para ela e às vezes meses se passavam sem que ela sequer se lembrasse da existência daquela árvore solitária que havia visto a menina crescer.
Quando Alice completou 19 anos foi morar em Roma. Lá conheceu um rapaz de pé no chão e olhar nas estrelas que viria a ser o seu marido por toda a vida. E no dia em que descobriu que estava grávida, foi como se tivesse tido uma revelação. Ela precisava voltar. Precisava saber que sua árvore ainda estava de pé, solitária, no quintal da casa dos seus pais.
Chegando em casa, correu para o quintal e ninguém conseguiu celebrar apropriadamente a notícia da gravidez de Alice. Ela queria correr para o quintal. Queria abraçar sua árvore e dizer para ela de tudo que havia acontecido em sua vida. Ela estava grávida e a árvore precisava saber.
Atravessou a porta dos fundos com medo de não encontrar a sua árvore solitária, mas eis que descobriu que há muitos anos a árvore não estava mais sozinha. Seu pai havia erguido um pomar modesto, que abraçava a árvore como um colar furtacor. E entre frutas e flores, de todas as cores, lá estava ela. De pé, com a copa cheia. Como se estivesse vestida para receber Alice.
Alice correu e abraçou a árvore com uma saudade repentina que se transformou numa chuva de lágrimas inesperadas. Uma sombra enorme criava um santuário sobre Alice e seu filho, como num templo. Um vento fresco mexia folhas e cabelos numa sinfonia de sensações que fizeram Alice fechar os olhos. Pássaros cantavam sons variados como se parlamentassem. E Alice teve certeza que a árvore a abraçava de volta.
Ali, naquela casa, Alice viveria com seu marido por longos anos. E, naquela mesma casa, numa manhã agridoce, cheia de chuvas e silêncios, os dois também terminariam juntos a vida. Uma casa de lembranças felizes, um pomar colorido e uma árvore solitária que definhava lentamente no quintal.
MEU QUERIDO PRESIDENTE
Não tenho a menor dúvida em dizer que Jânio Quadros é uma das melhores coisas que o Brasil já inventou. E não falo aqui de política, economia, história ou mandato presidencial. Porque o presidente não me desperta tanto interesse quanto a figura de Jânio. Ele era um personagem de livro. Um personagem vivo, detentor de diálogos impensáveis, improváveis e absolutamente geniais. Ele não queria agradar ninguém - longe disso - possuia opiniões polêmicas e um domínio monástico da última flor do Láscio. Falava tão bem o português que nós, terráqueos ignorantes, achávamos que ele falava errado. Jânio nunca pertenceu a essa dimensão, acho. A esse planeta. Era um extraterrestre, um adorável extraterrestre, como tantos que já passaram pela Terra. Para enriquecer essa minha reflexão, faço referência a um post maravilhoso do blog do Augusto Nunes. Nunes, que teve o privilégio de conviver com Jânio, narra em seu blog diversas passagens impagáveis. A minha preferida é a que ele narra um encontro com o neto de Jânio, o economista Jânio John Quadros, americano, nascido em Houston. Falando português, com forte sotaque texano, o neto de Jânio se recorda de alguns momentos em companhia do avô, como na vez em que quis saber por que Jânio se dirigia a ele por "senhor". Ele tinha 8 anos quando interrompeu o avô com esta indagação. Ora, se ele podia chamar o avô por "você", por que diabos o avô chamava seu neto, um garoto de 8 anos, por "senhor"? Ao que Jânio respondeu, sem cerimônia, que "o protocolo proíbe intimidades entre um ex-presidente e meninos imbecis. Imbecis e insolentes como o SENHOR". Com uma mistura de carinho e devoção o neto define em poucas palavras o avô: "ele era maluco".
OS CAMINHANTES DE UM CAMINHO (AINDA) INCERTO
Assisti, com muita expectativa, a estreia na FOX do episódio-piloto da série "The Walking Dead". Sou um fã confesso de filmes de zumbi. Simplesmente adoro histórias sobre a temática, porque possuem uma curiosa mistura de terror, humor e pós-apocalipse que funciona muito bem (pelo menos para mim). Filmes como "Madrugada dos Mortos", por exemplo, já perdi a conta de quantas vezes revi. Bom, a série tenta transportar para a TV essa linguagem que consagra os filmes de zumbi ao contar uma misteriosa epidemia que assola os Estados Unidos repentinamente transformando cidades inteiras em desertos repletos de mortos-vivos.
O seriado é baseado em histórias em quadrinhos e cria com muito cuidado a atmosfera de caos e perigo do mundo pós-apocalíptico
"The Walking Dead" é baseado em quadrinhos de Robert Kirkman e produzido por Frank Darabont e Gale Ann Hurd (conhecidos pela produção de "Um sonho de liberdade" e "O exterminador do futuro"). Bom, o episódio-piloto não é nada tão extraordinário a ponto de me deixar sedento por novos capítulos, mas é competente em, pelo menos, instigar a curiosidade. Há tudo o que se pode esperar de uma boa história de zumbis: um policial baleado acorda de um coma num quarto de um hospital destruído. Caminha por ruas desertas para descobrir que sua família sumiu e que algo muito estranho está acontecendo. Mortos-vivos caminham a céu aberto e poucos sobreviventes se escondem em casas abandonadas. O policial Rick Grimes (Andrew Lincoln) resolve então se armar até os dentes e rumar para Atlanta, onde supostamente há um abrigo que oferece resistência. No caminho, sangue, tripas e cabeças explodidas. É basicamente isso. O episódio inicial é bom (não é extraordinário) e, para mim, exagera levemente na vontade de comover ao nos obrigar a simpatizar rapidamente com os personagens iniciais. Não sei dizer se será uma boa série. Para começar, está mediano. Pouco suspense, nenhum susto, sanguinolência moderada. Há algo de belo e tosco em filmes de zumbi que precisa ser respeitado. Se "The Walking Dead" fizer isso, o sucesso do seriado será uma questão de tempo. Mas promete.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
TODO MUNDO CONHECE UM GATO COMO O DO SIMON
Para quem adora os vídeos impagáveis do gato do Simon ("Simon´s Cat"), criação de Simon Tofield, uma ótima notícia: o famoso gatinho impertinente, folgado e autoritário acaba de ganhar "o seu próprio livro" para a alegria de mais de 25 milhões de fãs. O livro é adorável, recheado de ilustrações complementares às desventuras do gato.
Além das travessuras convencionais, conhecemos também um pouco mais do rico universo do bichano, que envolve muitos amigos, caçadas a passarinhos, frustradas aproximações com o sexo oposto e uma curiosa amizade com um anão de jardim."Todo mundo conhece um gato como o do Simon" diz a contra-capa. É a mais pura verdade.
terça-feira, 2 de novembro de 2010
FÉRIAS EM TWIN PEAKS
Assistir a todos os episódios das (infelizmente apenas) 2 temporadas de Twin Peaks é como tirar férias. Mas não férias comuns, longe disso. Férias marcadas por muita excentricidade, chuva na janela, café fumegante, pessoas pitorescas e muitas fatias de torta de amora. Porque chega um ponto em que já nem importa mais tanto o mistério em torno do assassinato de Laura Palmer, ou das esquisitices que orbitam a pequena cidade americana que, por alguma razão mágica, física ou por mera coincidência, é um imã para todo o tipo de gente estranha. Acompanhar Twin Peaks até o final - mergulhando de cabeça no "sentido sem sentido" de David Lynch - é de alguma forma se sentir parte daquela comunidade que parece habitar um tempo próprio, uma dimensão própria. É como se conhecêssemos aquelas pessoas e lugares: a lanchonete da Norma, a serraria, a delegacia, o hotel Great Northern, as andanças do agente Cooper, personagem impossível de não adorar. Aliás, vale assistir aos episódios de Twin Peaks simplesmente para acompanhar Kyle Maclachlan que está perfeito no papel do excêntrico agente do FBI. Chega um ponto, sobretudo nos episódios finais, em que a cidade se torna uma ópera do absurdo, com paixões repentinas, alienígenas, possessões espirituais, portais dimensionais, projetos secretos das forças armadas, anões que falam de trás para frente e mapas rupestres. E até desejamos descobrir - ou não - se toda essa teia sem pé nem cabeça chegará a algum lugar. Mas esta é uma curiosidade menor, se comparada ao sentimento de empatia que inevitavelmente desenvolvemos por aquelas pessoas e situações. Nos tornamos vizinhos e, de uma maneira ou de outra, cúmplices da insensatez de Lynch. E é uma surpresa, quando sobem os créditos finais; a saudade que fica. Porque somos obrigados a ir embora de Twin Peaks. As férias chegam ao fim. Mas, como o próprio Dale Cooper, tudo o que mais queremos no mundo é ficar por lá.
"OS OUTROS CARAS"
Will Ferrell e Mark Wahlberg surpreendem ao compor uma dupla - improvável - e que funciona. Bem. Muito bem. Os dois protagonizam o filme "The Other Guys" ("Os Outros Caras"): uma aventura bem sessão da tarde (no melhor sentido possível) que narra a vida de dois policiais que, por coincidência, acabam trabalhando como parceiros em Nova York. Gamble (Ferrell) é um policial da contabilidade forense (com um passado universitário muito duvidoso) e que nos dias de hoje investiga fraudes imobiliárias. Hoitz (Wahlberg) é um tira sangue quente que paga caro por um erro estúpido no começo de sua carreira. Trabalhando juntos, os dois se veem numa constante relação de amor e ódio em plena investigação de um bilionário que parece envolvido até a cabeça num golpe junto à loteria federal.
Will Ferrell e Mark Wahlberg dão vida a uma dupla maravilhosa e improvável
Confesso que esse filme me surpeendeu. Mesmo sendo um fã incondicional do Will Ferrell (até em seus filmes mais condenáveis), não esperava muita coisa aqui. Mas Ferrell está impagável, bem à vontade, nitidamente improvisando em algumas cenas como ele adora fazer. Wahlberg, por sua vez, só tem me dado provas de que é mesmo um ator que merece respeito e atenção, não importa o tom e a importância do filme. Os dois, juntos, compõem um conjunto que funciona deliciosamente e que me rendeu risadas inesperadas. Poucas vezes consigo gargalhar sozinho, gargalhar alto, e esse filme conseguiu isso sem esforço. Os diálogos são bons, as cenas de ação são muito bem feitas, há uma ótima participação especial do Samuel L. Jackson, mas o que vale é o conjunto. São os olhares, situações, o desenrolar de eventos. É um típico filme para quem gosta de Will Ferrell, mas com um excelente contrapeso de Mark Wahlberg, que também mostra um interessante timing para comédia. Ótimo filme para quem quer um pouco de ação recheada de humor de qualidade (pastelão, naturalmente). Imperdível para fãs e para quem anda em busca de risadas renovadas. Ao invés de trailer, porém, compartilharei uma cena maravilhosa que ilustra perfeitamente a experiência de acompanhar as loucuras dos "outros caras". Nada demais, uma happy hour, após um dia estressante no trabalho.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
AMOR PLATÔNICO
Começo novembro inaugurando uma nova categoria no blog: "Amor platônico", reflexões sobre todas as mulheres reais, ficcionais ou meramente imaginárias, pelas quais já me enamorei em algum momento da minha vida mas sem a menor possibilidade de correspondência. Para inaugurar a série, ninguém melhor que a Rainha malvada da Branca de Neve. Enquanto todos sempre se derretiam pela doçura da Branca de Neve, era o charme perigoso da rainha que mexia com o meu imaginário. E partilho esse amor platônico com Woody Allen, que também preferia a Rainha bruxa à Branca, quando era criança. Foi quando ele descobriu "que havia algo errado". Acho que eu, como ele, sempre tive um fraco por "mulheres kamikaze". Bom, aí está. A Rainha malvada da Branca de Neve. Um dos meus primeiros amores platônicos (mal resolvido até hoje, confesso).
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