terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

WE COULD BE HEROES

"and we kissed as though nothing could fall"
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Estes últimos dias de solidão involuntária têm sido decisivos para a tal percepção da realidade como ela é de fato ou como desejaria que ela fosse. Manhãs, tardes e noites se arrastam na passagem das horas enquanto me transporto do ponto A para o ponto B na minha expectativa infantil de ser capaz de mobilizar o tempo para tê-la mais perto, como se tentando apagar com uma borracha metafísica os dias que ainda precisam passar para que se encerre a contagem no meu calendário melancólico sobre a mesa onde guardamos os nossos livros. Cada canto da nossa casa, cada espaço, eu a vejo ali, caminhando entre os cômodos, tocando detalhes que te interessam. E vou lembrando do seu cheiro doce e sua pele delicada, quando a abraço na cozinha enquanto fazemos café para o começo de mais um dia ou cozinhamos para aplacar a fome noturna que às vezes bate durante as nossas sessões caseiras de filme. Enquanto te guardo nos braços, seu cabelo costuma passear desordenadamente sobre as minhas bochechas ao passo que minhas mãos procuram sua cintura. E suspiramos juntos, abraçados em silêncio, com a certeza sublime que nos amamos, que não precisamos de mais nada naquele momento e que, por aqueles instantes, somos eternos. Somos heróis. É uma solidão diferente, a destes últimos dias, por que trata de uma incompletude que eu sequer sabia existir. Somos incompletos, fato, "live together, die alone", mas descobri o prazer de ser pleno e nela ter a parte que me falta - a minha melhor parte. E perder, momentaneamente, meu melhor pedaço, me deixa perdido, desorientado, como uma nau à deriva, sem sua luz de farol. São dias vazios, dias em branco, estes que passo sem minha amiga, senhora, mulher e amante. Dias de auto-conhecimento, reflexão, devaneios poéticos e filosofia de chuveiro, na minha anotação silenciosa das horas, para que mais um dia se encerre e o seguinte aponte logo à janela, até o fim da contagem, até que ela chegue. Por que não vejo a hora de voltarmos a dormir juntos, por que começa a doer a sua ausência. Por que a quero de volta, a sua voz reclamando dos meus erros e seus afagos quando a pego no colo para sentarmos preguiçosamente na poltrona da sala. Quero vê-la se arrumar diante do espelho do quarto, enquanto desenho a cartografia do seu corpo perfeito com os meus olhos curiosos, sem que ela perceba. É que quero nossas mãos enlaçadas novamente, enquanto nos aventuramos na esquina. Quero o sabor dos seus beijos e o calor do seu corpo. Te quero de volta.

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