sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

ALICE MATA O COELHO


Ok, "The Brown Bunny", filme de Vincent Gallo. Por onde começar? Não vou simplificar dizendo se é um filme bom ou ruim, se gostei ou não gostei. Por que acho que está além disso. É um filme brutalmente silencioso, lento e melancólico. Tudo se arrasta na tela, como se fosse um filme inteiramente rodado em câmera lenta e mudo. E, nesse aspecto, o personagem principal (o motoqueiro Bud Clay, vivido pelo próprio Vincent Gallo) se mistura com a história e o próprio filme, de maneira que o que vemos na tela é uma grande massa uniforme de tristeza e resvalamento quase viscerais. Como obra de cinema, o filme não possui grandes genialismos, apesar de ter algumas belas cenas e trilha sonora razoável. O enquadramento é intencionalmente amador em muitos momentos, reforçando a idéia que não há ninguém ali, além de Bud Clay (e nós, que o observamos dormir, comer, tomar banho, e dirigir em silêncio). Por este ponto de vista, "The Brown Bunny" é infalível: temos a quase desconcertante impressão de estarmos acompanhando Bud em sua jornada solitária pelas estradas dos Estados Unidos até a Califórnia, como se dividíssemos a sua van ou o quarto de hotel. E passamos a nos interessar pelo que Bud tem em mente, a obsessão com sua ex-namorada Daisy Lemon, reflexo de que ele não se refez da devastação que ela parece ter promovido em sua vida. No caminho, Bud conhece três mulheres completamente perdidas, também elas com nomes de flores (Violet, Lilly e Rose) e as deixa no caminho. Uma jovem vendedora, uma mulher solitária num parque e uma prostituta. Descobrimos que ele busca desesperadamente por companhia, por alguma companhia. É como se ele estivesse tentando se soltar de algo que é mais forte que sua vontade (o pensamento em Daisy) que o mantém no caminho, deixando tudo para trás, até ele mesmo, sua alma e essência. O filme ganhou notoriedade e gerou uma grande polêmica devido à explicidade de uma seqüência de sexo oral e, francamente, não tenho uma opinião definida sobre a gratuidade (ou não) desta cena, tampouco acho que seja grande coisa ou, pelo menos, algo que merecesse tanto estardalhaço. Acho que Gallo tinha algo em mente com esta cena de sexo escancarado e acredito que está relacionado ao nosso papel de expectador-extremo da vida (ou falta dela) ali retratada. De expectadores passamos a fantasmas que acompanham um homem que vaga quase sem rumo, ele mesmo como um fantasma. Então talvez, neste sentido, a cena de sexo do final tenha sentido. Por que não há nada ali, naquele filme, para amenizar o nosso desconforto. "The Brown Bunny" não é um filme que deseja nos poupar em nada, pelo contrário. Bud Clay é um homem perdido, transtornado, consumido por um remorso inexplicável e que, apesar da tranqüilidade que emana dos seus olhos azuis, de uma carência quase infantil, ele parece gritar por dentro. Uma reinvenção perdida de Alice, uma "Alice em transe", numa jornada melancólica através de um país transtornado, sem nenhuma maravilha, apenas sombra, solidão e silêncio. Por que Alice matou o coelho.

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