segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

LONGE DOS CANTOS DOS OLHOS


Adoro este texto (abaixo) da Fernanda Young. Uma confissão que liberta, cativa, com a qual é possível encontrar familiaridade. Podem amá-la ou odiá-la, mas acho que a Fernanda Young merece ser ouvida. Não pela celebridade, totalitarismo ou a polêmica pura e simples, mas por que ela tem opiniões que nos fazem enxergar o que quer que seja por outra(s) perspectiva(s). She´s gotta point, é o que quero dizer, em resumo. Eu sou daquele time imcompreendido dos que "adoram a Fernanda Young" e simplesmente amo o seu texto sobre corrida. Por que eu mesmo sou um eterno combatente de mim mesmo, da minha preguiça genuína, intrínseca, da minha tendência imediata ao comodismo dos dias que nos conduzem por uma trilha mais fácil de ser percorrida. E que engorda, esgota o organismo e envelhece. Então, como a Fernanda Young, eu corro para correr "de mim mesmo", da minha depressão, se assim quiserem chamar. Ainda que não tenha uma alma triste, pelo contrário, sou também um kantiano, já que traio a minha natureza original, transformando-me em algo que não sou em essência, em nome de um benefício maior. Maior do que a inércia. Corro, como ela, para deixar "coisas" para trás, seja lá o que for. Corro para me libertar, me livrar, me pacificar. Corro para me fazer acreditar que o meu corpo é possível, que o sangue está correndo nas veias, o coração bate desesperado, essa máquina ainda jovem me leva a algum lugar. E como ela, não corro para ser belo; mas para me sentir inteiro, para me sentir vivo e é isso que me faz sair da cama no raiar do dia. É um movimento, uma catarse, que pode levar ao êxtase, é verdade, acredito no que ela diz. Por que correr é nos despedir de alguma coisa, a cada metro vencido. E toda despedida é um processo de renovação e amadurecimento. Então, eu corro para amadurecer. E, fortalecendo músculos e ossos, encontro paz com espírito, mente e balança. Se a Lua em Peixes conduz aos vícios, a Lua em Câncer conduz às lágrimas. Então, corro delas também. Para esquecê-las. Ou simplesmente guardá-las em melhor lugar, longe dos cantos dos olhos.


* * *


“Corro porque sou kantiana. Não sigo os instintos da minha natureza, mas, sim, torno-me aquilo que não sou por uma razão maior. Procuro sempre dominar minhas deficiências, sendo a preguiça a maior delas. Poderia estar perfeitamente preguiçosa, mas não estou. Outra ressalva, em minha alma, é que ela é triste. Só que não posso estar triste, pois devo, à minha obra, maior discernimento e, às minhas filhas, a força para criá-las fortes. Então também corro porque o contrário disso seria chorar, reclamar sem nada fazer e fumar mil cigarros. Dizem que quem tem a lua em Peixes, no zodíaco, como eu, tem tendência aos vícios. Corro, portanto, dessa queda para a autodestruição, pois não existe melhor química contra depressão do que a endorfina. Correr, assim, é meu remédio. A minha meditação. Correndo sozinha, estou em minha melhor companhia. Faz mais de dez anos que sigo fiel a essa saudável rotina. Já adquiri até uma sesamoidite crônica, mas tenho um bom médico de pés, e palmilhas especiais. Dizem, os invejosos, que correr envelhece. Bom, o tempo envelhece. E eu prefiro enfrentá-lo na minha melhor forma. Nunca tendo sido gostosa, correndo, jamais ficarei caída. Há os que garantem que correr é um modismo urbano. Não sinto dessa maneira, ou jamais teria me tornado adepta. Sou avessa a coisas “in”. E, como também não sou dada a coletividades, sequer costumo correr em grupo. Mesmo nas corridas dos circuitos, das quais eventualmente participo, quando não estou sozinha, estou com um amigo silencioso. Corro, acima de tudo, porque gosto. Às vezes, chego quase a chorar, tamanha a emoção. A sensação é de que estou deixando o que fui – meu passado é um resíduo que defendo, mas não carrego – para trás; e meu corpo agradece, renovado. Todos os músculos bem preparados para minha defesa, ou daqueles que de mim precisarem. Sim, corro porque posso. Agradeço aos bons joelhos que possuo, que me sustentam sem reclamar. Claro, tenho métodos, tenho cuidados, tenho as minhas trilhas prediletas. Dou o melhor de mim nesse projeto, pois dependo dele para viver. Porque corro, não fumo mais. Porque corro, alimento-me melhor. Porque corro, não perco as sextas na biritagem – adoro correr aos sábados. Concluindo, corro para não preencher perfis óbvios. Pois correr, no meu caso, é praticamente uma contradição. Porém insisto nisso, encarando como uma manifestação política, talvez mais significativa que votar. Corro, por causa disso, com toda a elegância e humildade. Aprendendo a cuidar bem desse corpo que Deus habita. Por fim, eu corro porque acho bonito gente correndo, e quero que as minhas filhas vejam que todos somos capazes de mudar. E porque não suporto fazer regimes – é isso: corro porque adoro comer pizza à noite.” (Fernanda Young)

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