Começo novembro inaugurando uma nova categoria no blog: "Amor platônico", reflexões sobre todas as mulheres reais, ficcionais ou meramente imaginárias, pelas quais já me enamorei em algum momento da minha vida mas sem a menor possibilidade de correspondência. Para inaugurar a série, ninguém melhor que a Rainha malvada da Branca de Neve. Enquanto todos sempre se derretiam pela doçura da Branca de Neve, era o charme perigoso da rainha que mexia com o meu imaginário. E partilho esse amor platônico com Woody Allen, que também preferia a Rainha bruxa à Branca, quando era criança. Foi quando ele descobriu "que havia algo errado". Acho que eu, como ele, sempre tive um fraco por "mulheres kamikaze". Bom, aí está. A Rainha malvada da Branca de Neve. Um dos meus primeiros amores platônicos (mal resolvido até hoje, confesso).
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
domingo, 31 de outubro de 2010
PAPO DE GATO
Para outubro terminar como começou. Com um "papo de gato", novo vídeo do Gato do Simon.
sábado, 30 de outubro de 2010
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
MUNDOS MUDOS

Ser deixado sozinho no carro, quando criança, foi uma experiência aterrorizante para o fotógrafo Martin Usborne. Ele simplesmente achou que seus pais nunca mais voltariam e essa imagem ficou guardada para sempre no seu imaginário. Esse pensamento, eventualmente, o levou a refletir sobre a incapacidade dos animais de falarem, o que os deixa tão vulneráveis e indefesos. Algo que o próprio Napoleão Bonaparte também se questiona em suas memórias (o que querem dizer os animais?). A partir desta ideia, surgiu o ensaio "Mute: the silence of dogs in cars" (Mudo: o silêncio dos cães nos carros). O resultado é surpreendente.
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terça-feira, 26 de outubro de 2010
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
A DELICADA TRILOGIA
Quanta beleza, quanta eloquência, quanta delicadeza espalhadas por estes três filmes tão especiais que tive o grato prazer de rever. Na primeira vez que vi, anos atrás, não dei devido valor a esta mágica trilogia; mas a idade favorecia isso (acho que não tinha nem 15 anos quando vi pela primeira vez). Não havia apurado o paladar, acho. Hoje, com tantos mais anos e um olhar muito mais apurado, tive o deleite de redescobrir a "A Trilogia das Cores" ("Bleu, Blanc, Rouge") como ela deve ser apreciada: como uma experiência cinematográfica.
Juliette Binoche, maravilhosa como sempre, em "Azul".
São três filmes, escritos e dirigidos com grande maestria, por Krzystof Kieslowski. "A liberdade é azul" (Bleu); "A igualdade é branca" (Blanc) e "A fraternidade é vermelha" (Rouge). Três histórias sobre pessoas comuns, em situações incomuns, com destinos entrecortados pelas ruas de Paris. Os três filmes, porém, não são sequências um do outro; muito mais um panorama em três partes sobre uma profunda e extremamente comovente reflexão sobre a dor de existir. No caminho, vida, morte, sexo, perdas, traições, decepções, descobertas. No entanto, apesar de não haver uma lógica linear entre os três, eu acredito que é ideal assistir os filmes conforme a ordem das cores da bandeira da França: Azul, Branco e, então, Vermelho.
"Branco": uma surpreendente história de amor e vingança
Assistindo nesta ordem, acredito, há uma percepção mais completa do que as três histórias querem construir. E há uma cadência muito evidente neste sentido. Em "Azul", vemos uma história se desenrolar com muito cuidado, lentamente, em explosões contidas, tendo o tom azul marcando uma história melancólica e dolorida, vivida pela sempre maravilhosa Juliette Binoche. Uma mulher precisa aprender a lidar com a perda de sua família e encontrar na sua dor a sua libertação. Um filme silencioso, discreto, comedido, como um cristal que pode se quebrar a qualquer momento.
Em "Branco", o tom muda um pouco, fica mais ensolarado, ainda que carregue um pouco da melancolia deixada por "Azul". Acompanhamos o fim de um casamento entre um polonês e sua mulher francesa e os desdobramentos deste suposto fim de relacionamento. A imensidão gelada da Polônia cobre o filme com um grande manto branco que também é reforçado pela metáfora do casamento (vestido branco, véu branco). É encantador acompanhar as surpresas que a vida traz para o pobre Karol, um imigrante completamente perdido na tradução que chega a virar sem-teto em Paris por breves momentos até que o destino mostra que os homens são todos iguais e a história se transforma como mágica, como sonho. Um filme que, pouco a pouco, prepara o terreno para a explosão em vermelho a seguir.
Por fim, "Vermelho" é um deslumbramento. O filme é fiel à cor e trata de amor: fraterno, amoroso, do cuidado entre os seres humanos; a dignidade (ou a perda dela). É um vermelho de paixão que se reflete em inúmeras situações em torno de uma modelo que se vê presa entre o resgate de uma cadela atropelada, a amizade com um juiz excêntrico, o cuidado a um irmão problemático e a necessidade de reinventar a sua própria vida do outro lado do Canal da Mancha. Como nos outros dois filmes, a cor vermelha desfila pelas cenas só que de forma mais intensa, uma real explosão que não nos deixa esquecer em nenhum momento o tom que marca a história.
"Vermelho": um deslumbramento do começo ao fim e um final comovente para esta delicada trilogia
A experiência de ver os três filmes de uma vez, em sequência, rende uma grata satisfação ao final. O desfecho, a costura final, é surpreendente e comovente de uma forma como poucos filmes me tocaram. É uma beleza inacreditável, transpirada nos instantes finais, como uma constatação óbvia, mas ao mesmo tempo, surpreendente. Uma reflexão sobre a dor de existir. E, ao mesmo tempo, uma ode a ela.
domingo, 24 de outubro de 2010
O INOMINÁVEL SEGREDO DE GASPAR SOLANO
Gaspar odiava seu trabalho, sua vida, mas especialmente, o plantão da quinta-feira. Odiava. Todos odiavam. Era o notório "plantão solitário". Ninguém, absolutamente ninguém, ficava no Instituto Médico Legal a não ser pelo solitário plantonista. Nem mesmo o idoso segurança, que justamente neste dia tirava a sua folga semanal. O plantão da quinta-feira era uma longa noite de silêncios sepulcrais e barulhos eventuais que, misteriosos, faziam gelar a espinha.
Nunca havia acontecido um dia sequer de ação no plantão da quinta-feira. Nada de atropelamentos na madrugada; corpos baleados, esfaqueados, indigentes perdidos. Nada. Era como se houvesse um acordo com os astros. Na quinta-feira, o solitário plantonista não teria direito a qualquer diversão que não a sua própria companhia, café velho, água quente e uma pequena televisão cheia de chiados e fantasmas.
Gaspar chegou para o plantão e encontrou todos, de maletas e bolsas prontas, despedindo-se com contagiante satisfação. Todos saiam, ele entrava. O velho prédio colonial, de paredes carcomidas, chão de assoalhos soltos e janelas embaçadas tinha um aspecto de mausoléu. Um ouvido mais atento - ou atormentado - juraria que os corredores respiravam, calmamente, por entre as sombras. Curtas passadas de vento davam a impressão que transeuntes anônimos passeavam por ali. Dobradiças rangendo, cortinas puídas dançando, estalos na tubulação velha e um grande salão de armários e geladeiras repletas de corpos. Era preciso muito sangue frio para aguentar o plantão da quinta-feira e Gaspar ainda tinha suas dúvidas se tinha condições para isso. O aluguel ao final do mês, porém, não deixava muita opção.
Chovia forte. Trovões eventuais e um vento mais forte espancando as janelas velhas faziam Gaspar saltar da cadeira como se tivessem jogado água quente em seu colo. Murmurava um punhado de palavrões feios e praguejava contra o emprego como quem faz uma oração.
A única atividade oficial da noite já havia sido feita: catalogar a última entrada do expediente, um homem de meia idade, cabelos brancos, sem marcas no corpo, sem documentos, bem vestido, encontrado morto na calçada por volta das 23h. Uma comprida etiqueta pendia do dedão azulado, como um mórbido colar. Gaspar deu um pequeno tapa na etiqueta, que balançou rapidamente, enquanto fechava o armário da câmara fria com desinteresse. O fecho estava quebrado e era preciso dar uma pancada forte, que parecia reverberar o edifício inteiro. Não havia nenhuma outra gaveta livre e Gaspar teve a certeza de que a porta não estava devidamente fechada. No dia seguinte, possivelmente, ninguém iria suportar o cheiro e, quem sabe, haveria algumas horas livres longe daquele lugar esquisito e fétido onde um punhado de pessoas infelizes ganhavam a vida.
Desceu, sem pressa, para a pequena sala na recepção, no andar inferior. Encostou-se na cadeira, pôs os pés descalsos sobre a mesa, e em poucos instantes já pestanejava diante de um diálogo monótono num destes filmes da madrugada que só damos algum valor em noites insones. Nem percebeu quando já dormia profundamente.
Barulho. Alto. Forte. Dezenas de objetos derramados no chão.
Gaspar levantou de um salto da cadeira, ainda confuso, sem saber separar sonho e realidade. Praguejou por conta do susto e pôs a mão no lado esquerdo do peito, que metralhava num compasso frenético e embriagado de adrenalina. Não havia nenhuma explicação para aquele barulho no piso superior, como se crianças estivessem brincando num quarto pequeno. E Gaspar sentiu medo. Muito medo. Enxugando um punhado de lágrimas curtas que, surpreendentemente, nasciam no canto dos olhos, teve a certeza, enfim, de que não queria ficar mais naquele lugar. Engoliu seco. Pegou uma lanterna que engasgava e uma vassoura.
E subiu, passo ante passo, pés descalços sobre o assoalho frio, como se houvesse uma gravidade diferente na escada. Ou melhor, como se não quisesse completar o percurso. Do final da escada, avistou uma luz ao final do corredor. De onde guardavam os cadáveres. Sentiu o coração acelerar em sua boca. A saliva desapareceu. As mãos tremiam e orações mal fundamentadas não ajudavam em nada em seu espírito que misturava pavor e curiosidade. Seguiu em frente, a passos curtos, como se a gravidade elevada da escada estivesse contagiando o corredor. Mais barulho de objetos derrubados. Queria e não queria descobrir a origem da luz.
Ao chegar na porta, posicionou o seu corpo como uma criança que tenta espiar aquilo que os adultos não a permitem ver. Esgueirou-se e, ao posicionar o olho esquerdo dentro do cômodo, avistou um homem nu, estirado no chão, ao pé de uma mesa virada, com diversos instrumentos espalhados no chão. O homem balbuciava alguma coisa e, ao ver a presença trêmula de Gaspar à porta, estendeu a mão azulada como que em súplica. "Me ajude...".
Foi quando Gaspar percebeu que aquele era o último homem da noite, que havia sido encontrado logo no começo da madrugada e dado como morto. Possível parada cardíaca. Praguejou novamente a incompetência decorrente do desespero em se encerrar o expediente. Ele havia trancado um homem vivo, entre os mortos, e para o seu azar ou sua sorte, o fecho quebrado permitiu um último suspiro de liberdade aquele homem nu, sem nenhuma dignidade, deitado no chão não como homem, mas como algo.
Gaspar esqueceu do medo, do pavor, do susto. Havia se tornado um homem prático naquele instante. Correu ao encontro do homem, segurou o seu braço e o ajudou até uma cadeira. O corpo gelado tinha uma textura diferente ao toque; parecia realmente segurar um pedaço de carne num frigorífico. O homem continuava balbuciando coisas sem sentido e sem responder a nenhuma de suas perguntas práticas. "Nome?", "família?", "o que houve?". Enrolado num lençol amarelado, o homem voltava à razão quando Gaspar percebeu sinais de embriaguez.
Num lapso curto de pensamentos encadeados e concretos, o homem explicou o pedido urgente de ajuda. Falou sobre uma intriga confusa de homens e dinheiro que levou Gaspar a pensar em filmes sobre a máfia, enquanto o homem falava sem parar à sua frente. Mas voltou a atenção rapidamente ao narrador quando ouviu as palavras "carro, mala, duzentos mil dólares, chave, escondida". O homem estava pedindo auxílio para recuperar o dinheiro guardado num carro na rua e fugir. Naturalmente, Gaspar seria remunerado por sua ajuda providencial.
Breve silêncio. Os dois homens se entreolhavam com a chuva espancando a janela atrás deles. Gaspar olhou-o, com olhos de gato, olhos amarelados, de cálculo e pensamentos distantes, assentindo vagarosamente. Apontou um avental para o homem, jogado no chão ao lado dos refrigeradores. "Para você cobrir o corpo". E caminhou, lentamente, para a vassoura encostada na porta. Segurou-a como quem empunha um instrumento de esporte enquanto o homem se curvava com dificuldade, expondo ainda mais a sua frágil nudez.
* * *
Não havia jeito, a porta da gaveta só fechava com um solavanco forte, que fazia o prédio tremer. Último cadáver da noite. Possível parada cardíaca. Sem documentos.
Na manhã seguinte, Gaspar não foi mais trabalhar.
quarta-feira, 20 de outubro de 2010
terça-feira, 19 de outubro de 2010
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
OS COELHINHOS SUICIDAS
Para quem não conhece, algumas imagens engraçadíssimas dos coelhinhos suicidas, do livro "The Book of Bunny Suicides: Little Fluffy Rabbits Who Just Don't Want to Live Any More" ("O Livro dos Coelhinhos Suicidas: coelhinhos fofinhos que simplesmente não querem mais viver"). Trata-se de uma coleção de ilustrações hilárias, no melhor humor negro, de Andy Riley. Completamente genial.
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
QUARTA-FEIRA COM CHUVA E RISO
Acordei hoje com saudade da maravilhosa Maria Alice Vergueiro. "Tapa na pantera" ainda é, para mim, uma das coisas mais engraçadas que a internet já viu.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
PARA VER E OUVIR: JOHN MAYER ("ASSASSIN")
Pode não parecer, mas é um fan video. Excelente por sinal.
sábado, 9 de outubro de 2010
CINEMA DE ALTA COSTURA
Recentemente, eu assisti ao filme nacional "Do Começo ao Fim" que, com seu argumento polêmico, se propunha a ser uma peça de impacto ao narrar uma relação homossexual e incestuosa. No entanto, é um filme insosso e incapaz de chocar ou comover em qualquer aspecto. "Direito de Amar" (A Single Man) é tudo o que o nacional "Do Começo ao Fim" poderia - e gostaria - de ter sido. Eis um filme igualmente de temática polêmica, que retrata as dores e angústias de um professor de inglês homossexual em plena década de 60. "Direito de Amar" comove como uma peça de arte que independe de seu assunto, porque ele não tem o menor interesse em falar do amor entre dois homens puramente, mas do amor como uma expressão verdadeira da natureza humana. E, neste sentido, o filme é um espetáculo para os olhos e os sentidos do começo ao fim. E há muitos motivos que justificam isso.
Discreta homenagem de Tom Ford a Hitchcock, com cena de "Psicose". "O medo é o centro da questão"
O primeiro - e talvez mais importante - motivo é o fato de "A Single Man" ser escrito e dirigido por Tom Ford, estreante no cinema, mas veterano ícone da moda que ganhou renome à frente da Gucci. E Ford consegue transpor toda a sua sensibilidade e delicadeza diretamente dos seus traços e cortes para a esta sua primeira tentativa como diretor. Fica evidente, já nos primeiros instantes do filme, que há um esteta exigente e perfeccionista por trás das câmeras; um homem de alma feminina que consegue comunicar com honestidade a paixão, o amor e a devoção que dois homens podem sentir um pelo outro. Homossexual assumido, Ford não se priva em nenhum momento de conduzir o seu filme com a mesma marca com que sempre conduziu a sua moda. Este é um filme de alta-costura.
"A Single Man" é inspirado num polêmico livro dos anos 60. E quase um monólogo brilhante para Colin Firth
O filme é baseado no romance autobiográfico de Christopher Isherwood, que gerou grande repercussão na década de 60 ao retratar a história de um professor homossexual que não consegue atravessar o luto pela perda de um companheiro com quem viveu por 16 anos. No papel principal, do professor George Falconer, está Colin Firth, possivelmente em seu melhor momento. Firth está sereno, bonito, comedido, com gestos delicados mas jamais afetados e que nos dão a certeza necessária para nos relacionarmos com a dor daquele personagem na tela, absolutamente devastado pela saudade e ausência do seu verdadeiro amor. O filme é praticamente conduzido sozinho por Firth, como um monólogo (inclusive narrado em muitos momentos por ele). Mas há importantes participações, como Julianne Moore, que interpreta Charlotte, um amor passado e sua melhor amiga; e Nicholas Hoult que cresceu muito (ele é o garotinho de "Um grande garoto", com Hugh Grant) e vive um estudante que parece conseguir vencer um pouco das barreiras que o professor Falconer ergueu ao redor de si mesmo.
Julianne Moore é um acessório de luxo nesta peça de alta costura cinematográfica lindamente criada por Tom Ford
Tom Ford nos leva, com muita habilidade, e imensamente apoiado no talento de Firth, numa jornada extremamente bela e tocante sobre um homem que, por falta de qualquer expectativa, decidiu morrer. Não há nada mais que pareça prender George no mundo e ele planeja minuciosamente seus últimos passos. A saudade, a ausência, a perda, fazem com que ele sobreviva aos dias e ele cansou desta árdua tarefa. E apesar deste enredo melancólico, não há absolutamente nenhuma grama de melodrama ou comoções forçadas.
A estréia de Tom Ford no cinema é um primor
Vamos apreciando, lentamente, as memórias de George - com o uso de flashbacks precisos e elegantes - e assim compreendendo o peso e a profundidade de sua dor. A apresentação é supreendente quando paramos para lembrar que é um diretor inexperiente que está conduzindo esta história. Percebam a trilha sonora delicadíssima, os enquadramentos, o figurino obviamente perfeito, as nuances e variações de cor que ilustram as emoções de George quando ele está triste, emocionado, excitado. A paleta de cores se transforma na tela - e de uma maneira sutil e talvez imperceptível para alguns - de uma forma como eu não me recordo de ter visto antes. Não consigo pensar, honestamente, o que mencionar contra "Direito de Amar". Ainda que não seja um filme perfeito (que filme é?!), Tom Ford ingressa no mundo do cinema com uma pequenina obra de arte que merece ser vista por todos. É um filme de temática gay, claro, mas esse detalhe me passou despercebido durante os breves 90 minutos de filme. Comovente, muito comovente, esta história que o Sr. Ford decidiu nos contar. E uma experiência cinematográfica que ninguém deve deixar passar. Um filme que fica. E absolutamente imperdível.
MÃES E MÃOS
Quando era criança, ele sempre pedia a sua mãe que o fizesse animais de papel-cartão, ao que ela, tão habilidosa, atendia prontamente. Girafas, gaivotas e elefantes. Animais de papel, dobrados com mãos quase japonesas.
Mas ele reclamava, com convicção, porque ainda que os animais surgissem com perfeição, nasciam sempre manchados e nunca ficavam branco-algodão, como ele exigia. Ao que sua mãe respondia, tão carinhosa, "que talvez eles estivessem brincando na lama".
* * *
Quando se despediu de sua mãe, pela última vez, lembrou de seus animais de papel. Um pensamento inesperado, que o atravessou por completo, como um relâmpago. E soluçou baixinho, não somente pela ausência mas porque compreendeu, apenas então, "que ela cortava os dedos ao fazê-los".
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
SURPRESAS DE UMA JANELA
Uma inesperada - porém momentânea - mudança no trabalho me trouxe uma oportunidade coroada de borboletas na barriga, confesso. Mas eis que descobri hoje, ao final do dia, que há um parque de diversões na minha janela. E ele brilha, incandescente, como se todos os dias fossem Dia das Crianças. E me ajudou a lembrar que - ainda que me assustem bastante - também me agradam as surpresas...
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
"APRESENTANDO O HARVEY"
(Mais) um destes casos de propagandas maravilhosas. A essência da boa publicidade.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
"O BRASIL TE CHAMA"
Vídeo de promoção internacional do Brasil como chamada para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Filme da Embratur produzido por ninguém menos que Fernando Meirelles. De arrepiar dos pés à cabeça.
domingo, 3 de outubro de 2010
MEU MISTÉRIO
Certa vez, eu ouvi dizer que o segredo de todos os relacionamentos amorosos é o mistério. A maneira como conseguimos surpreender, encantar, despistar e, assim, manter o mistério. A capacidade de não entediar os nossos parceiros seria a chave do sucesso.
E eu acho que isso é absolutamente correto. Preciso. E lamento, de certa forma, não ser tão qualificado nesse aspecto quanto você. Até acho que tenho meus truques e vejo que muitas vezes não te deixo bocejar na platéia. Mas você, mais do que ninguém, sabe que eu não me privo de algumas piadas repetidas.
Você não. Você é inédita, sempre. Porque não há nada, simplesmente nada, repetido ao seu respeito. Você é imprevisível, inconstante. Riso e raiva. Você é volátil. E, assim, completamente misteriosa. E eu te sigo, onde quer que você vá, ansioso, curioso sobre o seu próximo passo. Porque o seu mapa é mutante. E, ainda que você me dê pistas e desenhe caminhos, jamais encontrarei o "X" que marca o lugar. Porque também os seus "X" se mudam. Seus tesouros se desenterram e se enterram novamente em lugares diferentes.
Porque eu te compreendo sem te compreender. E te leio, ainda que eu perca muito nas traduções. Hoje, após esses anos todos ao seu lado, posso dizer que sou fluente em você. Mas isso não me impede de confundir a cabeça entre os dialetos que você inventa ao longo do dia. Como mulher, menina, mística, mestra, você carrega o "M" de mistério nas veias, como DNA.
O jogo de xadrez invencível, a maior estrategista despida de estratégias de todo o planeta. Porque você não planeja, não antevê, não estabelece. Você se arrisca, salta ao abismo, e descobre no caminho uma forma de sobreviver à queda. A queda que você transforma em voo porque sabe que, mesmo que dê tudo errado, você tem a mim, lá embaixo, para te amparar nos braços. Porque eu, estabanado planejador, na tentativa de antever os seus saltos, me posiciono logo abaixo para te dar segurança.
E percebo que essa nossa matemática funciona, ainda que de uma forma meio louca, até hoje. Sinto isso em cada centímetro e segundo do meu corpo, porque quando eu te beijo é como se eu estivesse conhecendo o seu beijo pela primeira vez. E quando sinto o cheiro da sua pele e a sensação do seu cabelo em meu rosto é como se tudo isso fosse novo. E ainda adoro a sua risada e ainda sinto borboletas na barriga quando vejo que é você no meu celular.
É essa arte que você parece trazer tatuada em sua alma, de ser nova todos os dias para mim. Eu te entendo sem te entender, apanho sem cometer crime algum, te faço rir sem intenção e me pego, assim do nada, como hoje, tentando imaginar como será você daqui a mais cinco anos. E percebo, subitamente, o quão difícil é fazer essa previsão. Porque, honestamente, não sei como você será daqui a cinco horas. E sigo, assim, fiel, como seu mais ávido leitor, aguardando pelas próximas linhas e capítulos que você até me permite protagonizar. Seu mistério está em ser. E o meu mistério é você.
E eu acho que isso é absolutamente correto. Preciso. E lamento, de certa forma, não ser tão qualificado nesse aspecto quanto você. Até acho que tenho meus truques e vejo que muitas vezes não te deixo bocejar na platéia. Mas você, mais do que ninguém, sabe que eu não me privo de algumas piadas repetidas.
Você não. Você é inédita, sempre. Porque não há nada, simplesmente nada, repetido ao seu respeito. Você é imprevisível, inconstante. Riso e raiva. Você é volátil. E, assim, completamente misteriosa. E eu te sigo, onde quer que você vá, ansioso, curioso sobre o seu próximo passo. Porque o seu mapa é mutante. E, ainda que você me dê pistas e desenhe caminhos, jamais encontrarei o "X" que marca o lugar. Porque também os seus "X" se mudam. Seus tesouros se desenterram e se enterram novamente em lugares diferentes.
Porque eu te compreendo sem te compreender. E te leio, ainda que eu perca muito nas traduções. Hoje, após esses anos todos ao seu lado, posso dizer que sou fluente em você. Mas isso não me impede de confundir a cabeça entre os dialetos que você inventa ao longo do dia. Como mulher, menina, mística, mestra, você carrega o "M" de mistério nas veias, como DNA.
O jogo de xadrez invencível, a maior estrategista despida de estratégias de todo o planeta. Porque você não planeja, não antevê, não estabelece. Você se arrisca, salta ao abismo, e descobre no caminho uma forma de sobreviver à queda. A queda que você transforma em voo porque sabe que, mesmo que dê tudo errado, você tem a mim, lá embaixo, para te amparar nos braços. Porque eu, estabanado planejador, na tentativa de antever os seus saltos, me posiciono logo abaixo para te dar segurança.
E percebo que essa nossa matemática funciona, ainda que de uma forma meio louca, até hoje. Sinto isso em cada centímetro e segundo do meu corpo, porque quando eu te beijo é como se eu estivesse conhecendo o seu beijo pela primeira vez. E quando sinto o cheiro da sua pele e a sensação do seu cabelo em meu rosto é como se tudo isso fosse novo. E ainda adoro a sua risada e ainda sinto borboletas na barriga quando vejo que é você no meu celular.
É essa arte que você parece trazer tatuada em sua alma, de ser nova todos os dias para mim. Eu te entendo sem te entender, apanho sem cometer crime algum, te faço rir sem intenção e me pego, assim do nada, como hoje, tentando imaginar como será você daqui a mais cinco anos. E percebo, subitamente, o quão difícil é fazer essa previsão. Porque, honestamente, não sei como você será daqui a cinco horas. E sigo, assim, fiel, como seu mais ávido leitor, aguardando pelas próximas linhas e capítulos que você até me permite protagonizar. Seu mistério está em ser. E o meu mistério é você.
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
ILUSTRANDO
Obra da designer Boya Latumahina, que mistura imagens de gatos a fotos de constelações capturadas pelo telescópio Hubble.
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quarta-feira, 29 de setembro de 2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
EU TAMBÉM IDOLATRO O BILL MURRAY
Como o André Barcinski, eu também idolatro Bill Murray que - sem a menor sombra de dúvidas - é um rei. Como ele, também prefiro 5 segundos de silêncio de Bill Murray do que horas do seriado mais engraçado. A última aparição de Bill Murray, fazendo uma participação especial em Zombieland, é algo simplesmente inacreditável - como praticamente tudo o que ele faz. E, como o Barcinski, também registro meus parabéns atrasados a Bill Murray que, na semana passada, completou 60 anos. Queria poder abraçá-lo, carinhosamente. Como não posso, fica aqui uma homenagem breve: a maravilhosa cena em que ele, no papel de Bob ("Nosso querido Bob") admite que "tem problemas".
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EM DEFESA DO "AMERICAN WAY"
Clássica abertura do seriado "Superman" dos anos 50, estrelado por George Reeves.
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sábado, 25 de setembro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
ENVERGONHADA (FALTA DE) POLÊMICA
Confesso que fiquei intrigado quando soube do roteiro de "Do Começo ao Fim", filme de Aluizio Abranches, sobre o relacionamento incestuoso (e homossexual) de dois irmãos. Tomás e Francisco, filhos de uma mesma mãe e pais diferentes, descobrem-se cúmplices e íntimos desde a infância. Os dois são próximos, "próximos até demais" e, apesar de certo estranhamento, acabam se envolvendo amorosamente.
Pelo trailer promocional, o filme prometia polêmica sem pudor, discussão de tabus e enfrentamento de uma inevitável carga de preconceito. Afinal, não seria apenas uma história sobre o relacionamento sexual entre dois homens, mas, principalmente, entre dois irmãos. E confesso que, após assistir aos 90 minutos de filme, todas as minhas expectativas foram frustradas. A história que prometia uma guerra, rapidamente se acovarda e parece, gradualmente, desistir da sua própria discussão. Tudo é tratado com superficialidade e naturalidade de tal maneira que qualquer possibilidade de conflitos interessantes é sufocada antes mesmo de ganhar corpo. Desde o princípio vamos compreendendo que não há muito o que esperar.
Tentei decifrar o mistério. Afinal, é um filme nacional, corajoso, bem produzido, com boa fotografia, trilha sonora adequada, com um elenco que - apesar de não brilhar - faz o que tem que ser feito (mérito para Julia Lemmertz, que se destaca sem dificuldade). O que pode ter dado errado? Acho que há, em verdade, um grande problema de roteiro. Aluizio Abranches não soube ao certo que desfecho dar aos seus personagens e, ao invés de lançá-los numa sofrida luta individual, repleta de questionamentos e preconceitos, escolheu o pior caminho possível: absolutamente nenhum. Os heróis, aqui, que poderiam matar e morrer por uma história de amor impossível parecem condenados, na verdade, a morrer de tédio.
Para mim, uma história como essa - do ponto de vista cinematográfico - só poderia ter dois finais: um bem piegas, mas competente em comover ao encerrar a história de duas almas verdadeiramente gêmeas ou um trágico (possivelmente mais interessante) no qual, como numa peça grega, nada pode terminar bem sem pelo menos algumas doses de sangue. E aí é que está a maior deficiência deste filme tão cheio de potencial: ele é tímido, envergonhado de si mesmo, reprimido e, inevitavelmente, enfadonho. O que, dada a temática, é ainda por cima uma ironia!
Imaginei que "Do Começo ao Fim" poderia ter traços e influências do poderoso e comovente "O Segredo de Brokeback Mountain", esse sim um filme que não teve nenhum medo em mostrar suas cores. Mas acho difícil alguém discordar que este filme, apesar de "bem intencionado", é fraco e inexpressivo. Do começo ao fim.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
"ELE ARRANCOU O DENTE ERRADO!"
Cena absurdamente hilária de "A nova transa da Pantera Cor-de-Rosa" (The Pink Panther Strikes Again), em que o Inspetor Clouseau (disfarçado de dentista) tenta tratar a dor de dente do vilão maluco, o seu ex-companheiro de polícia que acabou se tornando seu maior inimigo também. É tudo tão bem encenado (por ambos) que tenho cá minhas dúvidas, até hoje, se eles estavam mesmo sob efeito do gás anestésico... Peter Sellers, perfeito, sempre.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
terça-feira, 21 de setembro de 2010
LADRÕES, BICICLETAS E A CRUA BELEZA DA VIDA
"Ladrões de Bicicleta", filme de Vittorio De Sica (do neo-realismo italiano dos anos 40), é uma experiência arrebatadora e obrigatória para qualquer pessoa que goste de cinema. Não vou entrar na questão "científica" da coisa, pelo contrário, prefiro muito mais as reflexões subjetivas, de alma. A história, breve e quase banal (me lembra sempre o iraniano "Filhos do Paraíso", só que com outra abordagem sobre a esperança) narra a história de uma família italiana após o fim da II Guerra Mundial. Como todos os italianos, eles vivem uma vida dura e cheia de necessidades. O pai, Ricci, está desempregado, mas acaba de conseguir uma oportunidade de trabalho. A questão é que esta ocupação exige uma bicicleta e ele acabou de penhorar a que tinha e não tem dinheiro para comprar outra. Sua mulher, Maria, para reverter a situação, penhora os lençois de linho e recupera a bicicleta do marido. E assim ele começa a trabalhar pelas ruas, pregando cartazes de cinema. Mas eis que a sua valiosa bicicleta é roubada, dando início a uma jornada melancólica e desesperada, em que Ricci e seu filho pequeno, Bruno, correm as ruas buscando não apenas um objeto, um instrumento mundano de trabalho, mas uma rara e quase impossível fonte de esperança. Não vou me prender a detalhes e desdobramentos. Este é um daqueles filmes raros e obrigatórios em todos os sentidos. É um filme lindo, comovente, de uma fotografia tocante e costura perfeita de acontecimentos. Um filme que consegue "anoitecer" ao longo das cenas, abandonando a esperança iluminada e abraçando, gradualmente, a tristeza mais pessimista da realidade. Afinal, se a arte imita a vida, os finais felizes não são uma mercadoria tão comum. Uma preciosidade, um exemplo de onde o cinema - como arte - pode chegar na sua missão essencial de mexer com a mente, as emoções e a alma humana. Lindo, lindo demais.
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
terça-feira, 14 de setembro de 2010
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
A PRECIOSA TRILOGIA DO GRAAL
Enfim consegui finalizar a incrível "Trilogia do Graal", de Bernard Cornwell. "O Arqueiro", "O Andarilho" e "O Herege" narram as aventuras de um jovem arqueiro, Thomas Hook, e o seu envolvimento com a busca do Santo Graal, durante a guerra dos 100 anos. Para mim, foi muito mais que literatura; que experiência inacreditável esses três livros me proporcionaram! Quando tudo acabou, me senti um pouco órfão, fiquei sentindo saudade daquelas pessoas como se elas existissem de verdade e como se eu tivesse passado por aqueles eventos. É tudo tão belo e tão bem desenhado por Cornwell, como se os livros fossem um portal para aquele tempo de brutalidades e mistérios. Tive a mesma impressão com "Azincourt", também de Cornwell.
Em linhas gerais, esses três livros falam sobre Thomas, um jovem inglês beirando os 20 anos, exímio arqueiro, que vive numa cidadezinha costeira na Inglaterra chamada Hookton, onde dizem estar a lança que São Jorge usou para matar o dragão. Thomas é filho bastardo de um padre que todos julgam louco e que dedicou a vida a pesquisar sobre o Graal, o famoso cálice que Cristo teria utilizado na Última Ceia. Um dia, um grupo de mercenários liderado por um guerreiro misterioso conhecido como o "Arlequim", invade a pequena vila, mata o pai de Thomas e rouba a lança. Após sobreviver o massacre, ele decide embarcar para a França, determinado a recuperar a lança e se vingar pela morte do pai.
A única herança que restou do pai de Thomas é um velho diário, cheio de confusas anotações sobre o Santo Graal. E, inevitavelmente, o jovem arqueiro se vê envolvido com a própria busca do cálice sagrado. A partir daí, uma longa jornada marcada por grandes batalhas (como a de Crécy), o cerco a Calais e inúmeros perigos. Thomas conhece Ricardo, o príncipe negro de Gales; é preso, excomungado, torturado, traído, conhece mulheres por quem se apaixona e passa por aventuras incríveis.
Se o prêmio final, porém, é resgatado, não tenho nenhum interesse em estragar surpresas e deixo a dúvida para quem decidir se aventurar na companhia de Thomas Hook. O Graal seria um símbolo ou um artefato real? Estaria em cofres ou no imaginário dos homens? O que posso dizer é que Thomas cruzou três países, enfrentou tempestades, e desafiou a própria morte para descobrí-lo, justamente, no mais inesperado dos lugares. Absolutamente precioso.
Em linhas gerais, esses três livros falam sobre Thomas, um jovem inglês beirando os 20 anos, exímio arqueiro, que vive numa cidadezinha costeira na Inglaterra chamada Hookton, onde dizem estar a lança que São Jorge usou para matar o dragão. Thomas é filho bastardo de um padre que todos julgam louco e que dedicou a vida a pesquisar sobre o Graal, o famoso cálice que Cristo teria utilizado na Última Ceia. Um dia, um grupo de mercenários liderado por um guerreiro misterioso conhecido como o "Arlequim", invade a pequena vila, mata o pai de Thomas e rouba a lança. Após sobreviver o massacre, ele decide embarcar para a França, determinado a recuperar a lança e se vingar pela morte do pai.
A única herança que restou do pai de Thomas é um velho diário, cheio de confusas anotações sobre o Santo Graal. E, inevitavelmente, o jovem arqueiro se vê envolvido com a própria busca do cálice sagrado. A partir daí, uma longa jornada marcada por grandes batalhas (como a de Crécy), o cerco a Calais e inúmeros perigos. Thomas conhece Ricardo, o príncipe negro de Gales; é preso, excomungado, torturado, traído, conhece mulheres por quem se apaixona e passa por aventuras incríveis.
Se o prêmio final, porém, é resgatado, não tenho nenhum interesse em estragar surpresas e deixo a dúvida para quem decidir se aventurar na companhia de Thomas Hook. O Graal seria um símbolo ou um artefato real? Estaria em cofres ou no imaginário dos homens? O que posso dizer é que Thomas cruzou três países, enfrentou tempestades, e desafiou a própria morte para descobrí-lo, justamente, no mais inesperado dos lugares. Absolutamente precioso.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
JANTAR PARA ALICE
Como fazia todos os dias, ele acordou bem cedo para fazer café. Colheu um punhado de amoras e tangerinas no quintal, que cortou em pedaços e fez suco. Tentou passar mel em fatias de pão, mas suas mãos cada vez mais trêmulas já não permitiam muita precisão. Uma rosa solitária, um guardanapo de linho e pequeninos biscoitos de aveia. Todos os dias. E estava pronta a bandeja com o café da manhã de Alice.
Subiu a escada com muito cuidado, planejando cada passo, cada degrau. Lamentava as gotas derramadas e a pequena bagunça que o trajeto impunha à sua bandeja, porque ele queria que tudo estivesse perfeito para Alice. Ela gostava de ser acordada assim, desde quando ainda namoravam. Alice gostava de tomar café na cama.
Mas Alice estava doente, há tanto tempo, que aquele café da manhã não passava de um adorno diário em sua cama. Ela sorria e agradecia com muita dificuldade, enquanto dedilhava os itens espalhados cuidadosamente na bandeja. Mas isso não tinha a menor importância. Era o que ele gostava de fazer por Alice; era o que ainda conseguia fazer por Alice, e ficava feliz com isso.
Estavam juntos há tanto tempo que já nem lembravam mais. As décadas, sobrepostas como livros de histórias, eram muitas. Uma vida juntos. Uma vida feliz juntos. E ele sabia, era inevitável, que estavam diante do ocaso dos seus dias. Mas ainda se desesperava com a ideia de que Alice fosse embora antes.
"Que ela não fosse embora sem ele". Era tudo o que ele queria.
Sentado, na beirada da cama, acariciava os longos cabelos de Alice, gris e prateados, levemente ondulados e ainda tão cheios e bonitos, esparramados sobre o travesseiro. E Alice sorria, com aquele carinho familiar. Ele tocava a sua testa com cuidado e se esforçava para que os dedos trêmulos não fossem por demais inconvenientes. Às vezes Alice retribuia, tocando-lhe a mão, outras vezes voltava a dormir.
Filhos, netos, um lar. Não sabia como medir a gratidão por aquela mulher que havia lhe dado uma vida tão feliz. Não havia nada incompleto, nada pendente. Na companhia de Alice, viu, sentiu, experimentou e conheceu tudo o que julgavam necessário. E, talvez por causa disso, se contentassem com aquela vida de silêncios naquela casa enorme onde o tempo parecia ter parado.
Foi caminhar sozinho no pequeno pomar, ao redor da casa, como gostavam de fazer quando Alice ainda tinha saúde. Há tantos anos Alice quase não saia do quarto. Sentiu o sol morno sobre o rosto e um vento repentino que o fez abotoar o casaco. Havia uma umidade na relva, um cheiro de terra molhada, e ele lembrou da chuva na noite anterior. E imaginou, com certa conformação, que o dia não teria muito mais a oferecer.
Quando o horizonte começou a ganhar tons violeta e caramelo ele decidiu fazer uma sopa. Não sabia fazer sopa, mas imaginou que não deveria ser muito difícil. Cortou legumes de forma irregular, esquentou água. Temperos não muito ortodoxos e uma profunda dificuldade em diferenciar sal e açucar. Mas ele queria fazer jantar para Alice.
Subiu os degraus com dificuldade, equilibrando a sopa como se fosse uma bandeja de cristais. O líquido derramava pelas beiradas, sujava seus dedos, e ele praguejava baixinho por causa daquelas mãos que já não lhe serviam tão bem. Queria que Alice gostasse da sopa, porque ela apreciava surpresas.
Abriu vagarosamente a porta. O quarto, inundado pelo pôr-do-sol à janela, estava coberto de tons alaranjados que deixavam Alice especialmente iluminada. Colocou a sopa com cuidado sobre a cômoda e acordou Alice. Ela abriu os olhos, sentou-se com esfoço e ele ajudou-a a experimentar a sopa, que parecia estar boa.
Alice só não lembrava mais quem ele era. E isso sempre o deixava tão triste.
"Achei que você fosse gostar de uma sopa".
"Achei que você não sabia fazer sopa".
E naquele instante, tão breve e fugaz, Alice olhou-o nos olhos com tanta familiaridade que ele não conseguiu evitar marejar os olhos.
Na manhã seguinte, aquela manhã agridoce, de chuvas e lutos, os dois voltariam a caminhar juntos no pomar.
"ENLOUQUEÇO SEM VOCÊ"
"Basket case". Linda, linda música de "Kaleidoscope Heart", novo álbum da Sara Bareilles que fala, simplesmente, do que é enlouquecer sem alguém. Uma presença imperfeita, mas que não conseguimos imaginar nossa vida sem ela. Ouvindo em loop.
I don't want to talk about it to you
I'm not an open book that you can rifle through
The cold hard truth that you'll see right to
I'm just basket case without you
He's not a magic man or a perfect fit
But had a steady hand and I got used to it
And a glass cage heart and invited me in
And now I'm just a basket case without him
You're begging for the truth
So I'm saying it to you
I've been saving your place
And what good does it do?
Now I'm just a basket case
Now I'm just a basket case
I don't say much and it'll stay that way
You got a steel train touch and I'm just a track you lay
So I'll stay right here underneath you
I'm just a basket case and that´s what we do
You're begging for the truth
So I'm saying it to you
I've been saving your place
And what good does it do?
Now I'm just a basket case
Won't somebody come on in and tug at my seams?
Oh, send your armies in of robbers and thieves
To steal the state I'm in I don't want it anymore
You're begging for the truth
So I'm saying it to you
I've been saving your place
And what good does it do?
Now I'm just a basket case
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quarta-feira, 8 de setembro de 2010
DELICIOSO MINIMALISMO
Para quem gosta de fotografias, arte e um pouquinho de cultura que não faz mal à ninguém, eis o lindamente minimalista This isn´t Happening. Repentinamente entre os meus favoritos.
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domingo, 5 de setembro de 2010
sábado, 4 de setembro de 2010
UMA FLOR PARA VOCÊ
Obrigado a todos que acompanham, leem e comentam os devaneios, efemeridades e demais reflexões de média superficialidade que eu ocasionalmente escrevo por aqui. Obrigado, especialmente, para Lilian e Luana, sempre tão atenciosas e generosas com os posts. Saibam que os seus elogios são guardados em pequenas caixas imaginárias de madrepérola que me dão a confortável certeza de que não estamos, afinal, perdendo os nossos tempos parlamentando por essas vias anônimas de bytes e não-lugares.
Achei que estava construindo um diário anônimo e solitário, de pensamentos soltos e ideias perdidas na tradução. E me surpreendi, como eu já suspeitava, que há muitos de nós devaneadores por aí.
Obrigado a quem quer que acompanhe Devaneios.
Essa flor é para você.
PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("SITTIN' ON THE DOCK OF THE BAY")
Aguardando, ansiosamente, pelo lançamento de Kaleidoscope Heart, novo álbum da Sara Bareilles. Enquanto isso, um pouquinho mais de Live at The Fillmore com "Sittin' on the dock of the bay".
"UM DIA, UMA TEMPESTADE LIMPARÁ A SUJEIRA DAS RUAS"
Muitos motivos fazem de "Taxi Driver", obra-prima de Martin Scorsese, e um filme absolutamente obrigatório para qualquer cinéfilo. A atuação - sempre magistral - de Robert De Niro (ainda tão jovem e no começo de sua carreira); o elenco de estrelas como Harvey Keitel, Jodie Foster, Cybill Shepherd; a trama envolvente, que mistura tons oníricos, realistas e beirando o noir; a bela fotografia e trilha sonora envolvente, os diálogos realistas, enfim, é um filme completo que, não por acaso, figura sempre entre os expoentes do cinema. A história não se compromete a construir um arco tradicional, com começo, meio e fim; ao invés disso, acompanhamos um trecho, um pedaço da vida de Travis Bickle, um jovem que tenta a vida numa opressiva Nova York de meados dos anos 70. Veterano da guerra do Vietnã, Travis arruma um trabalho norturno como motorista de taxi, já que sofre de insônia e a partir daí passamos a acompanhar as suas noites, como se andássemos de carona em seu taxi.
"Você está falando comigo?", frase imortalizada por De Niro é um dos emblemas do cinema até hoje
No começo, o solitário e quase ingênuo Travis comemora a melhoria financeira e tenta organizar uma vida "normal", com uma namorada (Shepherd) e uma rotina. Mas, pouco a pouco, ele vai testemunhando a decadência da cidade, marcada por violência, prostituição, drogas e degradação humana. Nesse processo, Travis acaba passando por uma metamorfose que o transforma numa espécie de "profeta do submundo", que anda entre os perdidos sem nunca se distanciar de seu caminho. Mas fica claro para nós, expectadores, que Travis é uma ampulheta ambulante e que cada areia que despenca marca a aproximação do seu próprio ponto de explosão. Pouco a pouco, ele vai se consumindo em seus pensamentos de solidão e justiça, que chegam ao ápice quando ele toma conhecimento de uma menina de 12 anos (Foster) que está sendo aliciada por um cafetão (Keitel) para se prostituir por 15 dólares.
Como uma espécie de "profeta urbano", Travis Bickle tem uma missão a cumprir nas ruas de Nova York
Nesse último ato, Travis decide comprar armas e se preparar, como um soldado, para "algo" por vir. Para a tempestade, anunciada ainda no primeiro ato, que limparia as ruas da cidade de toda a sua degradação. E essa tempestade vem, vermelha de sangue, em cenas que documentam os extremos de um homem que se perdeu completamente num surto de violência, ou melhor, de cansaço da violência. Travis faz o que ele julgava ser necessário. E retorna para mais um dia de trabalho, como um taxi driver. Sempre arrebatador ver De Niro, com corte moicano, e banhado em sangue com olhos de vidro que não deixam de ser eloquentes. Imperdível, obrigatória aula de cinema e, na minha opinião, o melhor de Scorsese até hoje.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
IVO E A INDISCUTÍVEL CERTEZA
Quando Ivo completou 21 anos, ao invés de ser dono de todas as decisões, não fazia a menor ideia de que rumos dar a sua vida. Colecionava pontos de interrogação na mesma medida em que as respostas eram cada vez mais escassas. Vivia com seus pais e três irmãos, numa casa confortável e elegante. Acabara de se formar em Direito, amava a sua namorada e, mesmo sob a sombra de suas dúvidas intermináveis, considerava a sua vida feliz. Tinha seus medos, claro, como todo jovem; mas o resultado das somas e subtrações era sempre positivo.
Mas esse cenário se desfez por completo quando, num desses acasos do destino, a vida de Ivo foi virada pelo avesso. Ao atravessar uma rua movimentada, numa manhã sem importância, ele foi atropelado violentamente por um carro que fugiu sem deixar rastro. Estirado sobre o asfalto quente do meio-dia, Ivo fechou os olhos delicadamente e foi envolto num silêncio repentino e branco. Não havia mais nada, apenas silêncio e vazio. Num último pensamento perdido imaginou-se morto e sentiu um profundo desespero pelo roubo súbito de sua vida. Ele não queria morrer. Não ali, não tão cedo.
Mas Ivo não havia morrido. Ainda que sua mente estivesse adormecida, seu corpo sobreviveu e o deixou em coma profundo. Ele estava vivo, só não estava lá.
E numa outra surpresa do destino, dessas que parecem copiadas de clichês das novelas da tarde, não demorou muito para que a família de Ivo descobrisse que a sua namorada estava grávida de gêmeos. E eis que o que era somente tragédia se converteu numa nuvem repentina de misteriosa felicidade, que derrubou uma água doce e renovada sobre aqueles campos que antes eram apenas deserto.
Ivo havia sobrevivido, ainda que estivesse em coma, e traria filhos ao mundo. Uma mistura de melancolia e euforia pintava os dias daquela família que já havia esquecido o que era, genuinamente, felicidade e devastação. Desde o acidente, todos os sentimentos eram experimentados em conjunto, como sorriso servido com lágrimas.
Mas Ivo não havia morrido. Ainda que sua mente estivesse adormecida, seu corpo sobreviveu e o deixou em coma profundo. Ele estava vivo, só não estava lá.
E numa outra surpresa do destino, dessas que parecem copiadas de clichês das novelas da tarde, não demorou muito para que a família de Ivo descobrisse que a sua namorada estava grávida de gêmeos. E eis que o que era somente tragédia se converteu numa nuvem repentina de misteriosa felicidade, que derrubou uma água doce e renovada sobre aqueles campos que antes eram apenas deserto.
Ivo havia sobrevivido, ainda que estivesse em coma, e traria filhos ao mundo. Uma mistura de melancolia e euforia pintava os dias daquela família que já havia esquecido o que era, genuinamente, felicidade e devastação. Desde o acidente, todos os sentimentos eram experimentados em conjunto, como sorriso servido com lágrimas.
E os dias foram passando. E, rapidamente, virando semanas e meses.
"Quando ele poderá acordar?"
"Hoje, amanhã, daqui a 10 anos, nunca".
Ivo permaneceu todo o tempo sobre a sua cama, envelhecendo horizontalmente, sem nenhum entendimento dos eventos ao seu redor. Fotos, presentes e adornos variados cobriam o seu quarto de memórias que nunca foram suas. Eventos, pessoas, idas e vindas, casamentos e formaturas, a vida de todos. Ivo não viu os seus filhos nascerem, não presenciou a deformação gradual da passagem dos anos, porque esteve em seu sono profundo enquanto a vida se erguia ao seu redor e à sua revelia. A vida de Ivo vivia sem ele.
"Quando ele poderá acordar?"
"Hoje, amanhã, daqui a 10 anos, nunca".
Ivo permaneceu todo o tempo sobre a sua cama, envelhecendo horizontalmente, sem nenhum entendimento dos eventos ao seu redor. Fotos, presentes e adornos variados cobriam o seu quarto de memórias que nunca foram suas. Eventos, pessoas, idas e vindas, casamentos e formaturas, a vida de todos. Ivo não viu os seus filhos nascerem, não presenciou a deformação gradual da passagem dos anos, porque esteve em seu sono profundo enquanto a vida se erguia ao seu redor e à sua revelia. A vida de Ivo vivia sem ele.
E assim se passaram 30 longos anos.
Novamente, numa manhã sem importância, tudo voltaria a mudar. Na janela do hospital batia uma chuva fina, espalhada no vidro por um vento insistente que parecia assobiar. A mãe de Ivo lia, sentada numa poltrona, como havia feito durante todos aqueles anos. E, como na novela de antes, Ivo abriu os olhos subitamente e se viu deitado sobre a cama. Confuso, sentou-se na beirada e pensou no seu atropelador, se alguém haveria anotado a placa e que, sem dúvidas, era um carro vermelho.
"Alguém viu para onde ele foi?", disse, ainda tateando o quarto com os olhos.
Novamente, numa manhã sem importância, tudo voltaria a mudar. Na janela do hospital batia uma chuva fina, espalhada no vidro por um vento insistente que parecia assobiar. A mãe de Ivo lia, sentada numa poltrona, como havia feito durante todos aqueles anos. E, como na novela de antes, Ivo abriu os olhos subitamente e se viu deitado sobre a cama. Confuso, sentou-se na beirada e pensou no seu atropelador, se alguém haveria anotado a placa e que, sem dúvidas, era um carro vermelho.
"Alguém viu para onde ele foi?", disse, ainda tateando o quarto com os olhos.
Atordoado, não conseguiu impedir a sua mãe de desabar no chão, desmaiada. Médicos, enfermeiras, telefonemas. Ivo estava de volta.
Não reconheceu as ruas pelas quais o carro trafegava. Não reconhecia os automóveis, as luzes, aquela sucessão de imagens registradas pela primeira vez. Aquela cidade que, como ele, havia envelhecido 30 anos.
Observava prédios e avenidas com olhos de turistas. Tampouco reconheceu aquele apartamento, cheio de pessoas que o olhavam com lágrimas nos olhos e sorrisos largos. Não sabia quem era aquela mulher que o beijava apaixonadamente. Descobriu que tinha dois filhos. Descobriu que já tinha três netos. Conheceu a si mesmo, enquanto tocava o rosto enrugado e os cabelos prateados. Tocava o espelho como quem toca um quadro. "Quem é este velho no espelho?".
Era muito difícil explicar para ele o que havia acontecido. Ivo simplesmente dormiu jovem e acordou velho. E sem nenhum registro sobre absolutamente nada. Assim, como uma grande ironia, ele se viu mais uma vez coberto de dúvidas sem respostas sobre o que fazer de sua vida. Desta vez, no entanto, algo estava muito claro, como um brilho em seus olhos que contemplavam aqueles anônimos com uma mistura de interesse e perplexidade.
Quem sabe aquilo tudo não fosse apenas um sonho?
Por via das dúvidas, Ivo decidiu que não queria perder nem mais um segundo.
Ivo queria viver.
Observava prédios e avenidas com olhos de turistas. Tampouco reconheceu aquele apartamento, cheio de pessoas que o olhavam com lágrimas nos olhos e sorrisos largos. Não sabia quem era aquela mulher que o beijava apaixonadamente. Descobriu que tinha dois filhos. Descobriu que já tinha três netos. Conheceu a si mesmo, enquanto tocava o rosto enrugado e os cabelos prateados. Tocava o espelho como quem toca um quadro. "Quem é este velho no espelho?".
Era muito difícil explicar para ele o que havia acontecido. Ivo simplesmente dormiu jovem e acordou velho. E sem nenhum registro sobre absolutamente nada. Assim, como uma grande ironia, ele se viu mais uma vez coberto de dúvidas sem respostas sobre o que fazer de sua vida. Desta vez, no entanto, algo estava muito claro, como um brilho em seus olhos que contemplavam aqueles anônimos com uma mistura de interesse e perplexidade.
Quem sabe aquilo tudo não fosse apenas um sonho?
Por via das dúvidas, Ivo decidiu que não queria perder nem mais um segundo.
Ivo queria viver.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
SABER DA VIDA
"O que sei eu sobre a vida?". Esta reflexão é, para mim, tão antiga quanto as mais remotas lembranças. Lembro de ter pelo menos cinco anos de idade e, conversando com colegas de recreio, ter a plena certeza de que já havia "entendido" tudo a ser compreendido. Jovem, adolescente, universitário. Sempre me imaginava em plena compreensão da vida. E hoje, com três décadas completas, vejo o como eu realmente nunca soube de nada. No entanto, contraditoriamente, eu me acho novamente senhor de "tudo o que tiver a ser sabido sobre a vida".
Mas o que sei eu sobre a vida? Dada essa minha experiência de mais de 25 anos em, olhando para trás, perceber que eu nunca soube nada sobre nada; só posso crer que eu, realmente, não sei absolutamente nada sobre a minha vida. Sobre a existência. Ainda que eu ache que sei tudo. Porque tenho certeza que, quando completar 40 anos, olharei para esses dias de hoje rindo da minha inocência. E quando completar 50 darei risada dos meus 40. E assim por diante. Imagino.
Mas se, de fato, isso é algo progressivo, ou seja, nós sempre sabemos de tudo e vamos descobrindo gradualmente que não sabemos de nada, então não chegamos a nenhum lugar de plena sabedoria! Ou, pelo menos, sabedoria REAL. Porque, por esse meu raciocínio de filósofo de orelhas de livros, se eu chegar aos 100 anos vou me imaginar sábio e terei pena do meu eu aos 90. Mas e se eu fizer 110 anos me enxergarei ignorante aos 100!
Acho, em verdade, que não há nenhuma sabedoria a ser dominada no sentido de "saber sobre a vida". Talvez porque essa sabedoria tenha prazo de validade e expire conforme passem os anos. Afinal, que sabia eu da vida aos cinco anos? Sabia dos lanches, do recreio, das figurinhas e dos super-heróis. E sabia de tudo isso com muita propriedade. E, assim, sabia de tudo sobre a vida. Naquela época. O mesmo vale para as etapas seguintes, de modo que hoje eu sei tudo sobre a minha vida sem que isso exclua o fato de que, em 10 ou 20 anos, eu saberei que, na verdade, nunca soube sobre nada.
Haveria algo melhor, então, do que simplesmente viver um dia após o outro? Quando ingresso nessas minhas infrutíferas caçadas ao meu próprio rabo, constato que há uma bênção na mais profunda ignorância. No sentido em que o melhor a ser feito é abraçar o dia de hoje porque nada se sabe sobre o dia de amanhã. Com isso, essa angústia existencial é resolvida com uma xícara de café fumegante e a observação da chuva insistente na janela.
E sorrio, com a certeza, mesmo ignorante, de que sou feliz.
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
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