sábado, 9 de outubro de 2010

CINEMA DE ALTA COSTURA

Recentemente, eu assisti ao filme nacional "Do Começo ao Fim" que, com seu argumento polêmico, se propunha a ser uma peça de impacto ao narrar uma relação homossexual e incestuosa. No entanto, é um filme insosso e incapaz de chocar ou comover em qualquer aspecto. "Direito de Amar" (A Single Man) é tudo o que o nacional "Do Começo ao Fim" poderia - e gostaria - de ter sido. Eis um filme igualmente de temática polêmica, que retrata as dores e angústias de um professor de inglês homossexual em plena década de 60. "Direito de Amar" comove como uma peça de arte que independe de seu assunto, porque ele não tem o menor interesse em falar do amor entre dois homens puramente, mas do amor como uma expressão verdadeira da natureza humana. E, neste sentido, o filme é um espetáculo para os olhos e os sentidos do começo ao fim. E há muitos motivos que justificam isso.
Discreta homenagem de Tom Ford a Hitchcock, com cena de "Psicose". "O medo é o centro da questão"

O primeiro - e talvez mais importante - motivo é o fato de "A Single Man" ser escrito e dirigido por Tom Ford, estreante no cinema, mas veterano ícone da moda que ganhou renome à frente da Gucci. E Ford consegue transpor toda a sua sensibilidade e delicadeza diretamente dos seus traços e cortes para a esta sua primeira tentativa como diretor. Fica evidente, já nos primeiros instantes do filme, que há um esteta exigente e perfeccionista por trás das câmeras; um homem de alma feminina que consegue comunicar com honestidade a paixão, o amor e a devoção que dois homens podem sentir um pelo outro. Homossexual assumido, Ford não se priva em nenhum momento de conduzir o seu filme com a mesma marca com que sempre conduziu a sua moda. Este é um filme de alta-costura.
"A Single Man" é inspirado num polêmico livro dos anos 60. E quase um monólogo brilhante para Colin Firth

O filme é baseado no romance autobiográfico de Christopher Isherwood, que gerou grande repercussão na década de 60 ao retratar a história de um professor homossexual que não consegue atravessar o luto pela perda de um companheiro com quem viveu por 16 anos. No papel principal, do professor George Falconer, está Colin Firth, possivelmente em seu melhor momento. Firth está sereno, bonito, comedido, com gestos delicados mas jamais afetados e que nos dão a certeza necessária para nos relacionarmos com a dor daquele personagem na tela, absolutamente devastado pela saudade e ausência do seu verdadeiro amor. O filme é praticamente conduzido sozinho por Firth, como um monólogo (inclusive narrado em muitos momentos por ele). Mas há importantes participações, como Julianne Moore, que interpreta Charlotte, um amor passado e sua melhor amiga; e Nicholas Hoult que cresceu muito (ele é o garotinho de "Um grande garoto", com Hugh Grant) e vive um estudante que parece conseguir vencer um pouco das barreiras que o professor Falconer ergueu ao redor de si mesmo.
Julianne Moore é um acessório de luxo nesta peça de alta costura cinematográfica lindamente criada por Tom Ford

Tom Ford nos leva, com muita habilidade, e imensamente apoiado no talento de Firth, numa jornada extremamente bela e tocante sobre um homem que, por falta de qualquer expectativa, decidiu morrer. Não há nada mais que pareça prender George no mundo e ele planeja minuciosamente seus últimos passos. A saudade, a ausência, a perda, fazem com que ele sobreviva aos dias e ele cansou desta árdua tarefa. E apesar deste enredo melancólico, não há absolutamente nenhuma grama de melodrama ou comoções forçadas. 
A estréia de Tom Ford no cinema é um primor

Vamos apreciando, lentamente, as memórias de George - com o uso de flashbacks precisos e elegantes - e assim compreendendo o peso e a profundidade de sua dor. A apresentação é supreendente quando paramos para lembrar que é um diretor inexperiente que está conduzindo esta história. Percebam a trilha sonora delicadíssima, os enquadramentos, o figurino obviamente perfeito, as nuances e variações de cor que ilustram as emoções de George quando ele está triste, emocionado, excitado. A paleta de cores se transforma na tela - e de uma maneira sutil e talvez imperceptível para alguns - de uma forma como eu não me recordo de ter visto antes. Não consigo pensar, honestamente, o que mencionar contra "Direito de Amar". Ainda que não seja um filme perfeito (que filme é?!), Tom Ford ingressa no mundo do cinema com uma pequenina obra de arte que merece ser vista por todos. É um filme de temática gay, claro, mas esse detalhe me passou despercebido durante os breves 90 minutos de filme. Comovente, muito comovente, esta história que o Sr. Ford decidiu nos contar. E uma experiência cinematográfica que ninguém deve deixar passar. Um filme que fica. E absolutamente imperdível.

Nenhum comentário: