Quanta beleza, quanta eloquência, quanta delicadeza espalhadas por estes três filmes tão especiais que tive o grato prazer de rever. Na primeira vez que vi, anos atrás, não dei devido valor a esta mágica trilogia; mas a idade favorecia isso (acho que não tinha nem 15 anos quando vi pela primeira vez). Não havia apurado o paladar, acho. Hoje, com tantos mais anos e um olhar muito mais apurado, tive o deleite de redescobrir a "A Trilogia das Cores" ("Bleu, Blanc, Rouge") como ela deve ser apreciada: como uma experiência cinematográfica.
Juliette Binoche, maravilhosa como sempre, em "Azul".
São três filmes, escritos e dirigidos com grande maestria, por Krzystof Kieslowski. "A liberdade é azul" (Bleu); "A igualdade é branca" (Blanc) e "A fraternidade é vermelha" (Rouge). Três histórias sobre pessoas comuns, em situações incomuns, com destinos entrecortados pelas ruas de Paris. Os três filmes, porém, não são sequências um do outro; muito mais um panorama em três partes sobre uma profunda e extremamente comovente reflexão sobre a dor de existir. No caminho, vida, morte, sexo, perdas, traições, decepções, descobertas. No entanto, apesar de não haver uma lógica linear entre os três, eu acredito que é ideal assistir os filmes conforme a ordem das cores da bandeira da França: Azul, Branco e, então, Vermelho.
"Branco": uma surpreendente história de amor e vingança
Assistindo nesta ordem, acredito, há uma percepção mais completa do que as três histórias querem construir. E há uma cadência muito evidente neste sentido. Em "Azul", vemos uma história se desenrolar com muito cuidado, lentamente, em explosões contidas, tendo o tom azul marcando uma história melancólica e dolorida, vivida pela sempre maravilhosa Juliette Binoche. Uma mulher precisa aprender a lidar com a perda de sua família e encontrar na sua dor a sua libertação. Um filme silencioso, discreto, comedido, como um cristal que pode se quebrar a qualquer momento.
Em "Branco", o tom muda um pouco, fica mais ensolarado, ainda que carregue um pouco da melancolia deixada por "Azul". Acompanhamos o fim de um casamento entre um polonês e sua mulher francesa e os desdobramentos deste suposto fim de relacionamento. A imensidão gelada da Polônia cobre o filme com um grande manto branco que também é reforçado pela metáfora do casamento (vestido branco, véu branco). É encantador acompanhar as surpresas que a vida traz para o pobre Karol, um imigrante completamente perdido na tradução que chega a virar sem-teto em Paris por breves momentos até que o destino mostra que os homens são todos iguais e a história se transforma como mágica, como sonho. Um filme que, pouco a pouco, prepara o terreno para a explosão em vermelho a seguir.
Por fim, "Vermelho" é um deslumbramento. O filme é fiel à cor e trata de amor: fraterno, amoroso, do cuidado entre os seres humanos; a dignidade (ou a perda dela). É um vermelho de paixão que se reflete em inúmeras situações em torno de uma modelo que se vê presa entre o resgate de uma cadela atropelada, a amizade com um juiz excêntrico, o cuidado a um irmão problemático e a necessidade de reinventar a sua própria vida do outro lado do Canal da Mancha. Como nos outros dois filmes, a cor vermelha desfila pelas cenas só que de forma mais intensa, uma real explosão que não nos deixa esquecer em nenhum momento o tom que marca a história.
"Vermelho": um deslumbramento do começo ao fim e um final comovente para esta delicada trilogia
A experiência de ver os três filmes de uma vez, em sequência, rende uma grata satisfação ao final. O desfecho, a costura final, é surpreendente e comovente de uma forma como poucos filmes me tocaram. É uma beleza inacreditável, transpirada nos instantes finais, como uma constatação óbvia, mas ao mesmo tempo, surpreendente. Uma reflexão sobre a dor de existir. E, ao mesmo tempo, uma ode a ela.
Um comentário:
Bom comentário! A cor vermelha também significou memória para Kieslowski... Você notou Julie (Juliette Binoche) entram acidentalmente na sala do tribunal em Três Cores Branco, por alguns segundos? Sinta-se livre para visitar o meu site e adicione-se ao meu livro de visitas!
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