domingo, 3 de outubro de 2010

MEU MISTÉRIO

Certa vez, eu ouvi dizer que o segredo de todos os relacionamentos amorosos é o mistério. A maneira como conseguimos surpreender, encantar, despistar e, assim, manter o mistério. A capacidade de não entediar os nossos parceiros seria a chave do sucesso.

E eu acho que isso é absolutamente correto. Preciso. E lamento, de certa forma, não ser tão qualificado nesse aspecto quanto você. Até acho que tenho meus truques e vejo que muitas vezes não te deixo bocejar na platéia. Mas você, mais do que ninguém, sabe que eu não me privo de algumas piadas repetidas.

Você não. Você é inédita, sempre. Porque não há nada, simplesmente nada, repetido ao seu respeito. Você é imprevisível, inconstante. Riso e raiva. Você é volátil. E, assim, completamente misteriosa. E eu te sigo, onde quer que você vá, ansioso,  curioso sobre o seu próximo passo. Porque o seu mapa é mutante. E, ainda que você me dê pistas e desenhe caminhos, jamais encontrarei o "X" que marca o lugar. Porque também os seus "X" se mudam. Seus tesouros se desenterram e se enterram novamente em lugares diferentes.

Porque eu te compreendo sem te compreender. E te leio, ainda que eu perca muito nas traduções. Hoje, após esses anos todos ao seu lado, posso dizer que sou fluente em você. Mas isso não me impede de confundir a cabeça entre os dialetos que você inventa ao longo do dia. Como mulher, menina, mística, mestra, você carrega o "M" de mistério nas veias, como DNA.

O jogo de xadrez invencível, a maior estrategista despida de estratégias de todo o planeta. Porque você não planeja, não antevê, não estabelece. Você se arrisca, salta ao abismo, e descobre no caminho uma forma de sobreviver à queda. A queda que você transforma em voo porque sabe que, mesmo que dê tudo errado, você tem a mim, lá embaixo, para te amparar nos braços. Porque eu, estabanado planejador, na tentativa de antever os seus saltos, me posiciono logo abaixo para te dar segurança.

E percebo que essa nossa matemática funciona, ainda que de uma forma meio louca, até hoje. Sinto isso em cada centímetro e segundo do meu corpo, porque quando eu te beijo é como se eu estivesse conhecendo o seu beijo pela primeira vez. E quando sinto o cheiro da sua pele e a sensação do seu cabelo em meu rosto é como se tudo isso fosse novo. E ainda adoro a sua risada e ainda sinto borboletas na barriga quando vejo que é você no meu celular.

É essa arte que você parece trazer tatuada em sua alma, de ser nova todos os dias para mim. Eu te entendo sem te entender, apanho sem cometer crime algum, te faço rir sem intenção e me pego, assim do nada, como hoje, tentando imaginar como será você daqui a mais cinco anos. E percebo, subitamente, o quão difícil é fazer essa previsão. Porque, honestamente, não sei como você será daqui a cinco horas. E sigo, assim, fiel, como seu mais ávido leitor, aguardando pelas próximas linhas e capítulos que você até me permite protagonizar. Seu mistério está em ser. E o meu mistério é você.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

SONHO DE GATO


Não dá para começar outubro de forma melhor.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

ILUSTRANDO

Obra da designer Boya Latumahina, que mistura imagens de gatos a fotos de constelações capturadas pelo telescópio Hubble.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

PARA VER E OUVIR: NINA SIMONE ("FEELING GOOD")

De arrepiar dos pés à cabeça. Sempre.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

EU TAMBÉM IDOLATRO O BILL MURRAY

Como o André Barcinski, eu também idolatro Bill Murray que - sem a menor sombra de dúvidas - é um rei. Como ele, também prefiro 5 segundos de silêncio de Bill Murray do que horas do seriado mais engraçado. A última aparição de Bill Murray, fazendo uma participação especial em Zombieland, é algo simplesmente inacreditável - como praticamente tudo o que ele faz. E, como o Barcinski, também registro meus parabéns atrasados a Bill Murray que, na semana passada, completou 60 anos. Queria poder abraçá-lo, carinhosamente. Como não posso, fica aqui uma homenagem breve: a maravilhosa cena em que ele, no papel de Bob ("Nosso querido Bob") admite que "tem problemas".

EM DEFESA DO "AMERICAN WAY"


Clássica abertura do seriado "Superman" dos anos 50, estrelado por George Reeves.

sábado, 25 de setembro de 2010

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

ENVERGONHADA (FALTA DE) POLÊMICA

Confesso que fiquei intrigado quando soube do roteiro de "Do Começo ao Fim", filme de Aluizio Abranches, sobre o relacionamento incestuoso (e homossexual) de dois irmãos. Tomás e Francisco, filhos de uma mesma mãe e pais diferentes, descobrem-se cúmplices e íntimos desde a infância. Os dois são próximos, "próximos até demais" e, apesar de certo estranhamento, acabam se envolvendo amorosamente. 

Pelo trailer promocional, o filme prometia polêmica sem pudor, discussão de tabus e enfrentamento de uma inevitável carga de preconceito. Afinal, não seria apenas uma história sobre o relacionamento sexual entre dois homens, mas, principalmente, entre dois irmãos. E confesso que, após assistir aos 90 minutos de filme, todas as minhas expectativas foram frustradas. A história que prometia uma guerra, rapidamente se acovarda e parece, gradualmente, desistir da sua própria discussão. Tudo é tratado com superficialidade e naturalidade de tal maneira que qualquer possibilidade de conflitos interessantes é sufocada antes mesmo de ganhar corpo. Desde o princípio vamos compreendendo que não há muito o que esperar. 

Tentei decifrar o mistério. Afinal, é um filme nacional, corajoso, bem produzido, com boa fotografia, trilha sonora adequada, com um elenco que - apesar de não brilhar - faz o que tem que ser feito (mérito para Julia Lemmertz, que se destaca sem dificuldade). O que pode ter dado errado? Acho que há, em verdade, um grande problema de roteiro. Aluizio Abranches não soube ao certo que desfecho dar aos seus personagens e, ao invés de lançá-los numa sofrida luta individual, repleta de questionamentos e preconceitos, escolheu o pior caminho possível: absolutamente nenhum. Os heróis, aqui, que poderiam matar e morrer por uma história de amor impossível parecem condenados, na verdade, a morrer de tédio.

Para mim, uma história como essa - do ponto de vista cinematográfico - só poderia ter dois finais: um bem piegas, mas competente em comover ao encerrar a história de duas almas verdadeiramente gêmeas ou um trágico (possivelmente mais interessante) no qual, como numa peça grega, nada pode terminar bem sem pelo menos algumas doses de sangue. E aí é que está a maior deficiência deste filme tão cheio de potencial: ele é tímido, envergonhado de si mesmo, reprimido e, inevitavelmente, enfadonho. O que, dada a temática, é ainda por cima uma ironia! 

Imaginei que "Do Começo ao Fim" poderia ter traços e influências do poderoso e comovente "O Segredo de Brokeback Mountain", esse sim um filme que não teve nenhum medo em mostrar suas cores.  Mas acho difícil alguém discordar que este filme, apesar de "bem intencionado", é fraco e inexpressivo. Do começo ao fim.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

"ELE ARRANCOU O DENTE ERRADO!"

Cena absurdamente hilária de "A nova transa da Pantera Cor-de-Rosa" (The Pink Panther Strikes Again), em que o Inspetor Clouseau (disfarçado de dentista) tenta tratar a dor de dente do vilão maluco, o seu ex-companheiro de polícia que acabou se tornando seu maior inimigo também. É tudo tão bem encenado (por ambos) que tenho cá minhas dúvidas, até hoje, se eles estavam mesmo sob efeito do gás anestésico... Peter Sellers, perfeito, sempre.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

ILUSTRANDO

Henri Matisse - "Vista da Notre Dame ao final da tarde" (1902)

terça-feira, 21 de setembro de 2010

LADRÕES, BICICLETAS E A CRUA BELEZA DA VIDA

"Ladrões de Bicicleta", filme de Vittorio De Sica (do neo-realismo italiano dos anos 40), é uma experiência arrebatadora e obrigatória para qualquer pessoa que goste de cinema. Não vou entrar na questão "científica" da coisa, pelo contrário, prefiro muito mais as reflexões subjetivas, de alma. A história, breve e quase banal (me lembra sempre o iraniano "Filhos do Paraíso", só que com outra abordagem sobre a esperança) narra a história de uma família italiana após o fim da II Guerra Mundial. Como todos os italianos, eles vivem uma vida dura e cheia de necessidades. O pai, Ricci, está desempregado, mas acaba de conseguir uma oportunidade de trabalho. A questão é que esta ocupação exige uma bicicleta e ele acabou de penhorar a que tinha e não tem dinheiro para comprar outra. Sua mulher, Maria, para reverter a situação, penhora os lençois de linho e recupera a bicicleta do marido. E assim ele começa a trabalhar pelas ruas, pregando cartazes de cinema. Mas eis que a sua valiosa bicicleta é roubada, dando início a uma jornada melancólica e desesperada, em que Ricci e seu filho pequeno, Bruno, correm as ruas buscando não apenas um objeto, um instrumento mundano de trabalho, mas uma rara e quase impossível fonte de esperança. Não vou me prender a detalhes e desdobramentos. Este é um daqueles filmes raros e obrigatórios em todos os sentidos. É um filme lindo, comovente, de uma fotografia tocante e costura perfeita de acontecimentos. Um filme que consegue "anoitecer" ao longo das cenas, abandonando a esperança iluminada e abraçando, gradualmente, a tristeza mais pessimista da realidade. Afinal, se a arte imita a vida, os finais felizes não são uma mercadoria tão comum. Uma preciosidade, um exemplo de onde o cinema - como arte - pode chegar na sua missão essencial de mexer com a mente, as emoções e a alma humana. Lindo, lindo demais.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

terça-feira, 14 de setembro de 2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

A PRECIOSA TRILOGIA DO GRAAL

Enfim consegui finalizar a incrível "Trilogia do Graal", de Bernard Cornwell. "O Arqueiro", "O Andarilho" e "O Herege" narram as aventuras de um jovem arqueiro, Thomas Hook, e o seu envolvimento com a busca do Santo Graal, durante a guerra dos 100 anos. Para mim, foi muito mais que literatura; que experiência inacreditável esses três livros me proporcionaram! Quando tudo acabou, me senti um pouco órfão, fiquei sentindo saudade daquelas pessoas como se elas existissem de verdade e como se eu tivesse passado por aqueles eventos. É tudo tão belo e tão bem desenhado por Cornwell, como se os livros fossem um portal para aquele tempo de brutalidades e mistérios. Tive a mesma impressão com "Azincourt", também de Cornwell.

Em linhas gerais, esses três livros falam sobre Thomas, um jovem inglês beirando os 20 anos, exímio arqueiro, que vive numa cidadezinha costeira na Inglaterra chamada Hookton, onde dizem estar a lança que São Jorge usou para matar o dragão. Thomas é filho bastardo de um padre que todos julgam louco e que dedicou a vida a pesquisar sobre o Graal, o famoso cálice que Cristo teria utilizado na Última Ceia. Um dia, um grupo de mercenários liderado por um guerreiro misterioso conhecido como o "Arlequim", invade a pequena vila, mata o pai de Thomas e rouba a lança. Após sobreviver o massacre, ele decide embarcar para a França, determinado a recuperar a lança e se vingar pela morte do pai.

A única herança que restou do pai de Thomas é um velho diário, cheio de confusas anotações sobre o Santo Graal. E, inevitavelmente, o jovem arqueiro se vê envolvido com a própria  busca do cálice sagrado. A partir daí, uma longa jornada marcada por grandes batalhas (como a de Crécy), o cerco a Calais e inúmeros perigos. Thomas conhece Ricardo, o príncipe negro de Gales; é preso, excomungado, torturado, traído, conhece mulheres por quem se apaixona e passa por aventuras incríveis.

Se o prêmio final, porém, é resgatado, não tenho nenhum interesse em estragar surpresas e deixo a dúvida para quem decidir se aventurar na companhia de Thomas Hook. O Graal seria um símbolo ou um artefato real? Estaria em cofres ou no imaginário dos homens? O que posso dizer é que Thomas cruzou três países, enfrentou tempestades, e desafiou a própria morte para descobrí-lo, justamente, no mais inesperado dos lugares. Absolutamente precioso.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

JANTAR PARA ALICE

Como fazia todos os dias, ele acordou bem cedo para fazer café. Colheu um punhado de amoras e tangerinas no quintal, que cortou em pedaços e fez suco. Tentou passar mel em fatias de pão, mas suas mãos cada vez mais trêmulas já não permitiam muita precisão. Uma rosa solitária, um guardanapo de linho e pequeninos biscoitos de aveia. Todos os dias. E estava pronta a bandeja com o café da manhã de Alice.

Subiu a escada com muito cuidado, planejando cada passo, cada degrau. Lamentava as gotas derramadas e a pequena bagunça que o trajeto impunha à sua bandeja, porque ele queria que tudo estivesse perfeito para Alice. Ela gostava de ser acordada assim, desde quando ainda namoravam. Alice gostava de tomar café na cama.

Mas Alice estava doente, há tanto tempo, que aquele café da manhã não passava de um adorno diário em sua cama. Ela sorria e agradecia com muita dificuldade, enquanto dedilhava os itens espalhados cuidadosamente na bandeja. Mas isso não tinha a menor importância. Era o que ele gostava de fazer por Alice; era o que ainda conseguia fazer por Alice, e ficava feliz com isso.

Estavam juntos há tanto tempo que já nem lembravam mais. As décadas, sobrepostas como livros de histórias, eram muitas. Uma vida juntos. Uma vida feliz juntos. E ele sabia, era inevitável, que estavam diante do ocaso dos seus dias. Mas ainda se desesperava com a ideia de que Alice fosse embora antes.

"Que ela não fosse embora sem ele". Era tudo o que ele queria.

Sentado, na beirada da cama, acariciava os longos cabelos de Alice, gris e prateados, levemente ondulados e ainda tão cheios e bonitos, esparramados sobre o travesseiro. E Alice sorria, com aquele carinho familiar. Ele tocava a sua testa com cuidado e se esforçava para que os dedos trêmulos não fossem por demais inconvenientes. Às vezes Alice retribuia, tocando-lhe a mão, outras vezes voltava a dormir.

Filhos, netos, um lar. Não sabia como medir a gratidão por aquela mulher que havia lhe dado uma vida tão feliz. Não havia nada incompleto, nada pendente. Na companhia de Alice, viu, sentiu, experimentou e conheceu tudo o que julgavam necessário. E, talvez por causa disso, se contentassem com aquela vida de silêncios naquela casa enorme onde o tempo parecia ter parado.

Foi caminhar sozinho no pequeno pomar, ao redor da casa, como gostavam de fazer quando Alice ainda tinha saúde. Há tantos anos Alice quase não saia do quarto. Sentiu o sol morno sobre o rosto e um vento repentino que o fez abotoar o casaco. Havia uma umidade na relva, um cheiro de terra molhada, e ele lembrou da chuva na noite anterior. E imaginou, com certa conformação, que o dia não teria muito mais a oferecer.

Quando o horizonte começou a ganhar tons violeta e caramelo ele decidiu fazer uma sopa. Não sabia fazer sopa, mas imaginou que não deveria ser muito difícil. Cortou legumes de forma irregular, esquentou água. Temperos não muito ortodoxos e uma profunda dificuldade em diferenciar sal e açucar. Mas ele queria fazer jantar para Alice.

Subiu os degraus com dificuldade, equilibrando a sopa como se fosse uma bandeja de cristais. O líquido derramava pelas beiradas, sujava seus dedos, e ele praguejava baixinho por causa daquelas mãos que já não lhe serviam tão bem. Queria que Alice gostasse da sopa, porque ela apreciava surpresas.

Abriu vagarosamente a porta. O quarto, inundado pelo pôr-do-sol à janela, estava coberto de tons alaranjados que deixavam Alice especialmente iluminada. Colocou a sopa com cuidado sobre a cômoda e acordou Alice. Ela abriu os olhos, sentou-se com esfoço e ele ajudou-a a experimentar a sopa, que parecia estar boa.

Alice só não lembrava mais quem ele era. E isso sempre o deixava tão triste.

"Achei que você fosse gostar de uma sopa".

"Achei que você não sabia fazer sopa".

E naquele instante, tão breve e fugaz, Alice olhou-o nos olhos com tanta familiaridade que ele não conseguiu evitar marejar os olhos.

Na manhã seguinte, aquela manhã agridoce, de chuvas e lutos, os dois voltariam a caminhar juntos no pomar.

"ENLOUQUEÇO SEM VOCÊ"

"Basket case". Linda, linda música de "Kaleidoscope Heart", novo álbum da Sara Bareilles que fala, simplesmente, do que é enlouquecer sem alguém. Uma presença imperfeita, mas que não conseguimos imaginar nossa vida sem ela. Ouvindo em loop.


I don't want to talk about it to you
I'm not an open book that you can rifle through
The cold hard truth that you'll see right to
I'm just basket case without you

He's not a magic man or a perfect fit
But had a steady hand and I got used to it
And a glass cage heart and invited me in
And now I'm just a basket case without him

You're begging for the truth
So I'm saying it to you
I've been saving your place
And what good does it do?
Now I'm just a basket case
Now I'm just a basket case

I don't say much and it'll stay that way
You got a steel train touch and I'm just a track you lay
So I'll stay right here underneath you
I'm just a basket case and that´s what we do

You're begging for the truth
So I'm saying it to you
I've been saving your place
And what good does it do?
Now I'm just a basket case

Won't somebody come on in and tug at my seams?
Oh, send your armies in of robbers and thieves
To steal the state I'm in I don't want it anymore

You're begging for the truth
So I'm saying it to you
I've been saving your place
And what good does it do?
Now I'm just a basket case

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

PARA VER E OUVIR: MARIA BETHÂNIA CANTA DORIVAL CAYMMI (1969)

DELICIOSO MINIMALISMO

Para quem gosta de fotografias, arte e um pouquinho de cultura que não faz mal à ninguém, eis o lindamente minimalista This isn´t Happening. Repentinamente entre os meus favoritos.

domingo, 5 de setembro de 2010

ILUSTRANDO

Monet - "Jardim em Sainte-Adresse"

sábado, 4 de setembro de 2010

UMA FLOR PARA VOCÊ


Obrigado a todos que acompanham, leem e comentam os devaneios, efemeridades e demais reflexões de média superficialidade que eu ocasionalmente escrevo por aqui. Obrigado, especialmente, para Lilian e Luana, sempre tão atenciosas e generosas com os posts. Saibam que os seus elogios são guardados em pequenas caixas imaginárias de madrepérola que me dão a confortável certeza de que não estamos, afinal, perdendo os nossos tempos parlamentando por essas vias anônimas de bytes e não-lugares. 

Achei que estava construindo um diário anônimo e solitário, de pensamentos soltos e ideias perdidas na tradução. E me surpreendi, como eu já suspeitava, que há muitos de nós devaneadores por aí. 

Obrigado a quem quer que acompanhe Devaneios

Essa flor é para você.

PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("SITTIN' ON THE DOCK OF THE BAY")

Aguardando, ansiosamente, pelo lançamento de Kaleidoscope Heart, novo álbum da Sara Bareilles. Enquanto isso, um pouquinho mais de Live at The Fillmore com "Sittin' on the dock of the bay".

"UM DIA, UMA TEMPESTADE LIMPARÁ A SUJEIRA DAS RUAS"


Muitos motivos fazem de "Taxi Driver", obra-prima de Martin Scorsese, e um filme absolutamente obrigatório para qualquer cinéfilo. A atuação - sempre magistral - de Robert De Niro (ainda tão jovem e no começo de sua carreira); o elenco de estrelas como Harvey Keitel, Jodie Foster, Cybill Shepherd; a trama envolvente, que mistura tons oníricos, realistas e beirando o noir; a bela fotografia e trilha sonora envolvente, os diálogos realistas, enfim, é um filme completo que, não por acaso, figura sempre entre os expoentes do cinema. A história não se compromete a construir um arco tradicional, com começo, meio e fim; ao invés disso, acompanhamos um trecho, um pedaço da vida de Travis Bickle, um jovem que tenta a vida numa opressiva Nova York de meados dos anos 70. Veterano da guerra do Vietnã, Travis arruma um trabalho norturno como motorista de taxi, já que sofre de insônia e a partir daí passamos a acompanhar as suas noites, como se andássemos de carona em seu taxi. 

"Você está falando comigo?", frase imortalizada por De Niro é um dos emblemas do cinema até hoje

No começo, o solitário e quase ingênuo Travis comemora a melhoria financeira e tenta organizar uma vida "normal", com uma namorada (Shepherd) e uma rotina. Mas, pouco a pouco, ele vai testemunhando a decadência da cidade, marcada por violência, prostituição, drogas e degradação humana. Nesse processo, Travis acaba passando por uma metamorfose que o transforma numa espécie de "profeta do submundo", que anda entre os perdidos sem nunca se distanciar de seu caminho. Mas fica claro para nós, expectadores, que Travis é uma ampulheta ambulante e que cada areia que despenca marca a aproximação do seu próprio ponto de explosão. Pouco a pouco, ele vai se consumindo em seus pensamentos de solidão e justiça, que chegam ao ápice quando ele toma conhecimento de uma menina de 12 anos (Foster) que está sendo aliciada por um cafetão (Keitel) para se prostituir por 15 dólares.

Como uma espécie de "profeta urbano", Travis Bickle tem uma missão a cumprir nas ruas de Nova York

Nesse último ato, Travis decide comprar armas e se preparar, como um soldado, para "algo" por vir. Para a tempestade, anunciada ainda no primeiro ato, que limparia as ruas da cidade de toda a sua degradação. E essa tempestade vem, vermelha de sangue, em cenas que documentam os extremos de um homem que se perdeu completamente num surto de violência, ou melhor, de cansaço da violência. Travis faz o que ele julgava ser necessário. E retorna para mais um dia de trabalho, como um taxi driver. Sempre arrebatador ver De Niro, com corte moicano, e banhado em sangue com olhos de vidro que não deixam de ser eloquentes. Imperdível, obrigatória aula de cinema e, na minha opinião, o melhor de Scorsese até hoje.

PARA VER E OUVIR: TRAVIS ("WALKING IN THE SUN")

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

IVO E A INDISCUTÍVEL CERTEZA




Quando Ivo completou 21 anos, ao invés de ser dono de todas as decisões, não fazia a menor ideia de que rumos dar a sua vida. Colecionava pontos de interrogação na mesma medida em que as respostas eram cada vez mais escassas. Vivia com seus pais e três irmãos, numa casa confortável e elegante. Acabara de se formar em Direito, amava a sua namorada e, mesmo sob a sombra de suas dúvidas intermináveis, considerava a sua vida feliz. Tinha seus medos, claro, como todo jovem; mas o resultado das somas e subtrações era sempre positivo.


Mas esse cenário se desfez por completo quando, num desses acasos do destino, a vida de Ivo foi virada pelo avesso. Ao atravessar uma rua movimentada, numa manhã sem importância, ele foi atropelado violentamente por um carro que fugiu sem deixar rastro. Estirado sobre o asfalto quente do meio-dia, Ivo fechou os olhos delicadamente e foi envolto num silêncio repentino e branco. Não havia mais nada, apenas silêncio e vazio. Num último pensamento perdido imaginou-se morto e sentiu um profundo desespero pelo roubo súbito de sua vida. Ele não queria morrer. Não ali, não tão cedo.

Mas Ivo não havia morrido. Ainda que sua mente estivesse adormecida, seu corpo sobreviveu e o deixou em coma profundo. Ele estava vivo,  só não estava lá.

E numa outra surpresa do destino, dessas que parecem copiadas de clichês das novelas da tarde, não demorou muito para que a família de Ivo descobrisse que a sua namorada estava grávida de gêmeos. E eis que o que era somente tragédia se converteu numa nuvem repentina de misteriosa felicidade, que derrubou uma água doce e renovada sobre aqueles campos que antes eram apenas deserto.

Ivo havia sobrevivido, ainda que estivesse em coma, e traria filhos ao mundo. Uma mistura de melancolia e euforia pintava os dias daquela família que já havia esquecido o que era, genuinamente, felicidade e devastação. Desde o acidente, todos os sentimentos eram experimentados em conjunto, como sorriso servido com lágrimas. 

E os dias foram passando. E, rapidamente, virando semanas e meses.


"Quando ele poderá acordar?"


"Hoje, amanhã, daqui a 10 anos, nunca".

Ivo permaneceu todo o tempo sobre a sua cama, envelhecendo horizontalmente, sem nenhum entendimento dos eventos ao seu redor. Fotos, presentes e adornos variados cobriam o seu quarto de memórias que nunca foram suas. Eventos, pessoas, idas e vindas, casamentos e formaturas, a vida de todos. Ivo não viu os seus filhos nascerem, não presenciou a deformação gradual da passagem dos anos, porque esteve em seu sono profundo enquanto a vida se erguia ao seu redor e à sua revelia. A vida de Ivo vivia sem ele. 

E assim se passaram 30 longos anos.

Novamente, numa manhã sem importância, tudo voltaria a mudar. Na janela do hospital batia uma chuva fina, espalhada no vidro por um vento insistente que parecia assobiar. A mãe de Ivo lia, sentada numa poltrona, como havia feito durante todos aqueles anos. E, como na novela de antes, Ivo abriu os olhos subitamente e se viu deitado sobre a cama. Confuso, sentou-se na beirada e pensou no seu atropelador, se alguém haveria anotado a placa e que, sem dúvidas, era um carro vermelho.

"Alguém viu para onde ele foi?", disse, ainda tateando o quarto com os olhos.

Atordoado, não conseguiu impedir a sua mãe de desabar no chão, desmaiada. Médicos, enfermeiras, telefonemas. Ivo estava de volta. 

Não reconheceu as ruas pelas quais o carro trafegava. Não reconhecia os automóveis, as luzes, aquela sucessão de imagens registradas pela primeira vez. Aquela cidade que, como ele, havia envelhecido 30 anos.

Observava prédios e avenidas com olhos de turistas. Tampouco reconheceu aquele apartamento, cheio de pessoas que o olhavam com lágrimas nos olhos e sorrisos largos. Não sabia quem era aquela mulher que o beijava apaixonadamente. Descobriu que tinha dois filhos. Descobriu que já tinha três netos. Conheceu a si mesmo, enquanto tocava o rosto enrugado e os cabelos prateados. Tocava o espelho como quem toca um quadro. "Quem é este velho no espelho?".

Era muito difícil explicar para ele o que havia acontecido. Ivo simplesmente dormiu jovem e acordou velho. E sem nenhum registro sobre absolutamente nada. Assim, como uma grande ironia, ele se viu mais uma vez coberto de dúvidas sem respostas sobre o que fazer de sua vida. Desta vez, no entanto, algo estava muito claro, como um brilho em seus olhos que contemplavam aqueles anônimos com uma mistura de interesse e perplexidade.

Quem sabe aquilo tudo não fosse apenas um sonho?

Por via das dúvidas, Ivo decidiu que não queria perder nem mais um segundo.

Ivo queria viver.

SETEMBRO

De todos, sempre, meu mês querido. Estava esperando por você. Bem vindo.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

ILUSTRANDO

Modigliani - "Retrato de uma moça" (1917)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

SABER DA VIDA

"O que sei eu sobre a vida?". Esta reflexão é, para mim, tão antiga quanto as mais remotas lembranças. Lembro de ter pelo menos cinco anos de idade e, conversando com colegas de recreio, ter a plena certeza de que já havia "entendido" tudo a ser compreendido. Jovem, adolescente, universitário. Sempre me imaginava em plena compreensão da vida. E hoje, com três décadas completas, vejo o como eu realmente nunca soube de nada. No entanto, contraditoriamente, eu me acho novamente senhor de "tudo o que tiver a ser sabido sobre a vida".

Mas o que sei eu sobre a vida? Dada essa minha experiência de mais de 25 anos em, olhando para trás, perceber que eu nunca soube nada sobre nada; só posso crer que eu, realmente, não sei absolutamente nada sobre a minha vida. Sobre a existência. Ainda que eu ache que sei tudo. Porque tenho certeza que, quando completar 40 anos, olharei para esses dias de hoje rindo da minha inocência. E quando completar 50 darei risada dos meus 40. E assim por diante. Imagino.

Mas se, de fato, isso é algo progressivo, ou seja, nós sempre sabemos de tudo e vamos descobrindo gradualmente que não sabemos de nada, então não chegamos a nenhum lugar de plena sabedoria! Ou, pelo menos, sabedoria REAL. Porque, por esse meu raciocínio de filósofo de orelhas de livros, se eu chegar aos 100 anos vou me imaginar sábio e terei pena do meu eu aos 90. Mas e se eu fizer 110 anos me enxergarei ignorante aos 100!

Acho, em verdade, que não há nenhuma sabedoria a ser dominada no sentido de "saber sobre a vida". Talvez porque essa sabedoria tenha prazo de validade e expire conforme passem os anos. Afinal, que sabia eu da vida aos cinco anos? Sabia dos lanches, do recreio, das figurinhas e dos super-heróis. E sabia de tudo isso com muita propriedade. E, assim, sabia de tudo sobre a vida. Naquela época. O mesmo vale para as etapas seguintes, de modo que hoje eu sei tudo sobre a minha vida sem que isso exclua o fato de que, em 10 ou 20 anos, eu saberei que, na verdade, nunca soube sobre nada.

Haveria algo melhor, então, do que simplesmente viver um dia após o outro? Quando ingresso nessas minhas infrutíferas caçadas ao meu próprio rabo, constato que há uma bênção na mais profunda ignorância. No sentido em que o melhor a ser feito é abraçar o dia de hoje porque nada se sabe sobre o dia de amanhã. Com isso, essa angústia existencial é resolvida com uma xícara de café fumegante e a observação da chuva insistente na janela.

E sorrio, com a certeza, mesmo ignorante, de que sou feliz.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

"TODA VELHICE É UMA ESPÉCIE DE SAUDADE", DE JOSÉ REZENDE JR.


Microcontos de José Rezende Jr. de uma beleza que chega a doer:

"A mulher que se despia para nós penteava nossos cabelos, procurava sujo atrás das orelhas, conferia nossas febres. Feito mãe, só que pelada."

...

"Chamávamos o doido pelo apelido que mais odiava. Ele respondia com pedras pontiagudas e pontaria certeira. Mas acho que o feríamos mais."

... 

"Na missa, o sermão nos ameaçava com castigos atrozes. No banheiro, os gozos ardiam como se expelíssemos a própria lava do inferno."

...

"Matavam com gosto cobras e escorpiões. Eu morria de dó: de quem é a culpa, quando já nascemos com o veneno no corpo?"

...

"Meu pai escreveu num caderno o próprio nome e os nomes de cada filho. Continuou lendo, mesmo depois que as palavras perderam o sentido."

...

"Todos os anos o mesmo circo. A mesma menina trapezista, peitinhos sempre em botão, feito trapézios suspensos no tempo. Só nós envelhecíamos."

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

SIMON´S CAT - "A CAIXA"


Sempre hilário, adorável e absurdamente real.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

ILUSTRANDO

"Eros e Psiquê" - François Gêrard

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

PARA VER E OUVIR: MAYSA CANTA "NE ME QUITTE PAS"

Impossível não se curvar para esta mulher. Apresentação de arrepiar dos pés à cabeça.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A MANIA DE CHESTER


Alguns gatos gostam de roubar e esconder cotonetes, brincar com saquinhos plásticos e beber água da pia (relatos de experiências pessoais). Outros, como Chester, gostam, simplesmente, de ficar de mãos dadas...

PARA VER E OUVIR: DEATH CAB FOR CUTIE ("I´LL FOLLOW YOU INTO THE DARK")

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

ILUSTRANDO

Pela alegria de uma quarta-feira "banal". Ilustração de Amarílis Lage, no Cartolina.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

"UM DIA, MEU FILHO, VOCÊ SERÁ O REI DA SAVANA"

Flagra mostra um leão adulto caminhando com o seu filhote num rochedo na Tanzânia. Não dá para negar que a foto lembra a famosa animação da Disney, "O Rei Leão". Se tem algo, nesse mundo, do qual eu não me canso nunca é esta beleza profunda da natureza.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

CAFÉ PARA ALICE

Estavam exaustos. Haviam feito amor por toda a noite e já tinham perdido a noção do tempo. Ouviam a respiração silenciosa um do outro enquanto entrelaçavam dedos carentes e pés curiosos. Fazia calor e o teto do quarto parecia ganhar contornos especiais, com as sombras que começavam a se desfazer, feito nuvens num céu de mentira. Sobre os lençois, completamente desfeitos, os dois observavam o sol surgir preguiçosamente na janela. Raios irregulares de luz cortando o quarto como uma cama de gato.

Ele gostava de ver a luz contornando o lindo corpo de Alice, como uma cordilheira no horizonte. Ela estava de costas para ele, completamente nua, os cabelos avermelhados soltos sobre o travesseiro. E os olhos dele pontuavam, como cartógrafos, o brilho que gradativamente percorria seu pescoço, ombros, costas, cintura, nádegas, pernas, pés. Aquele corpo que ele buscava com avidez e que conhecia tão bem; cada esquina, cada rua e reentrância.

Esticou o braço direito como se apontasse para uma direção e tocou, com a ponta dos dedos, a tatuagem que Alice ostentava na base das costas. Um símbolo do zodíaco que ele nunca conseguia lembrar ao certo o significado. Mas não fazia diferença. Ele adorava aquela tatuagem, adorava beijar aquela tatuagem, e acariciava o pequeno desenho como se o refizesse por cima do original, observando os pêlos de Alice se manifestarem como grama alta no vento. De olhos fechados, o rosto completamente banhado na luz matutina, Alice agradecia os carinhos em silêncio.

Os dois se amavam e se conheciam há tanto tempo que já nem sabiam ao certo a contagem precisa dos anos. Mas eram muitos. Eles eram jovens, eram sós e tinham naquela cumplicidade misteriosa, naquela amizade de corpos e almas, um compromisso.

Mas havia duas coisas que eles não sabiam. A primeira era que Alice estava grávida. A segunda, é que ele iria embora naquela manhã.

Um cigarro aceso pendia desleixadamente da mão dele. A fumaça, cinza azulada, subia pelo seu rosto criando novos ares para as suas ideias confusas. Suas ideias desesperadas de fuga. Ele amava Alice profundamente, mas não conseguia mais suportar a ideia de pertencer a alguém. De alma livre, forasteira, ele queria fugir. E havia feito isso desde quando conseguia se lembrar. Ele fugia de todas as amarras, de todos os laços. Assim foi com a escola, com trabalhos prolongados, com a sua mãe e seus irmãos. Ele não criava raízes. Não por maldade, talvez por fraqueza. O fato é que ele era um fugitivo.

Alice havia adormecido. Cobriu o corpo e se encolheu de um lado da cama. Era assim que ela dormia, ele sabia. Olhou-a por alguns segundos, com uma mistura de raiva, dor e paixão, enquanto abotoava a camisa amassada. Enxugou uma lágrima solitária e se confortou com um pensamento rarefeito de que "assim é que são as coisas". Sem perguntas, sem respostas, somente o movimento. Seria melhor não para ele, mas, principalmente, para ela. "Alice merece tanto mais".

Calçou os sapatos e caminhou vagarosamente para a porta, de onde olhou para ela por mais alguns instantes. Guardaria para sempre aquela mulher inesquecível. Aquela menina, grande demais para o mundo, que possuia respostas para todas as perguntas e abraçava a vida como uma criança. Alice o ensinara a viver quando ele já havia desistido de tentar novamente. Nunca a havia amado tanto como naquele momento. Mas ele era um covarde e preferiu atender ao seu chamado original de ir embora, mesmo sem sequer saber para onde.

Fechou a porta com cuidado para não acordá-la. Preferiu as escadas ao elevador. Na calçada, fez um aceno breve para um táxi, que parou metros adiante. Caminhou, sem olhar para trás, até parar ao lado do carro branco e azul. O motorista o observava, com um misto de dúvida e impaciência, mas ele se recusava a entrar. Desculpou-se e fechou a porta, vendo o carro partir em velocidade. Sorriu e atravessou a rua, para onde um homem corpulento e simpático abria uma padaria.

Subiu correndo as escadas, que rangiam sob os seus pés afoitos como se uma multidão aplaudisse aquela curta maratona. E abriu a porta do quarto com pressa, encontrando Alice de pé, à janela. Ela sorriu melancolicamente e os dois parlamentaram em silêncio por não mais que três segundos. Era tudo tão simples, afinal de contas. Alice era a exceção.

"Achei que você tivesse ido embora".

"Achei que você gostaria de pães e café".

Viveriam juntos, até o final de suas vidas.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

PARA VER E OUVIR: SARAH MCLACHLAN ("DO WHAT YOU HAVE TO DO")

CINEMATERAPIA COM "ASSASSINATO POR MORTE"

Os melhores detetives do mundo são convidados por Lionel Twain, um excêntrico milionário, para um casual "jantar com morte". Ao chegarem na mansão de Twain, os experts são recepcionados por um mordomo cego, uma copeira surda-muda e uma série de eventos estranhos que envolvem todos numa rede sem pé bem cabeça de mistérios. Esse é o enredo de "Assassinato por Morte" (Murder by Death). O filme, de 1976, é uma paródia às tramas de mistério (em especial as de Agatha Christie), nas quais um círculo de pessoas se vê diante de uma série de mortes em que todos são suspeitos. Trancafiados na casa, eles têm até a manhã seguinte para solucionar o assassinato do próprio anfitrião e ganhar um milhão de dólares como prêmio. Ao final, uma revelação bombástica e sem nenhum compromisso com a verossimilhança. Absurdamente hilário. No elenco de estrelas, destaque para o indefectível Peter Sellers, Alec Guiness e Truman Capote. Um filme delicioso, com um humor inocente, completamente do bem, mas que rende situações simplesmente hilárias. Uma das minhas cenas preferidas: o ataque do inspetor Perrier ao se "envenenar" com um "vinho de má safra". Imperdível cinematerapia da melhor qualidade.

ILUSTRANDO

Di Cavalcanti - "Casal e Gato"

sexta-feira, 30 de julho de 2010

PARA VER E OUVIR: KEANE ("EVERYBODY´S CHANGING")

ILUSTRANDO

Keith Haring (sem título) - 1979

quinta-feira, 29 de julho de 2010

PARA VER E OUVIR: RADIOHEAD ("FAKE PLASTIC TREES")


Obs.: Não é o clipe oficial da música. Mas combinou com o dia, hoje.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

"O QUE NÃO PARECE VIVO, ADUBA. O QUE PARECE ESTÁTICO ESPERA"


Leitura
Adélia Prado

Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras,
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.

Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?

Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.

DEUS, OS GATOS E A IRRESISTÍVEL PIRRAÇA

Eu não tenho a menor dúvida - há um bom tempo - que os gatos são uma das melhores invenções de Deus. Ele estava muito inspirado no dia que os inventou, porque os muniu de personalidades incríveis, manias engraçadas e características físicas e de personalidade que fazem deles seres absolutamente adoráveis. Mas tenho para mim que o Criador, como nós, também não resistiu à tentação de pirraçar um pouco alguns pobres bichanos. As fotos abaixo falam por mim. Qualquer semelhança com um famoso ditador alemão seria mera coincidência? Ou o que Ele tinha em mente quando fez isso?
Tadinhos...

terça-feira, 27 de julho de 2010

segunda-feira, 26 de julho de 2010

ANTÍDOTO CONTRA O MAU HUMOR DE UMA SEGUNDA-FEIRA (OU DE QUALQUER DIA)





IMPROVÁVEL FILME PERFEITO


Esses dias cheguei à conclusão que "Indiana Jones e a Última Cruzada" é o filme perfeito. Claro, adoro filmes cult, indie, metidos às filosofias; profundos, repletos de devaneios melancólicos; comédias inteligentes; filmes complexos, esquisitos e difíceis de entender. Adoro. Mas, para mim, ao final do dia, não dá para errar com "A Última Cruzada". Porque está tudo ali. Pelo menos, tudo o que é preciso para duas horas do mais puro, profundo e verdadeiro entretenimento (ajuda muito, também, ser fã das aventuras do famoso arqueólogo).

O famoso arqueólogo nascendo das estripulias de um escoteiro irresponsável

No primeiro ato, vemos o jovem Indy em uma de suas primeiras errâncias como escoteiro. Ao esbarrar, acidentalmente, em ladrões que acabam de encontrar uma relíquia "que deveria estar num museu" ele não pensa duas vezes em enfrentá-los de igual para igual. No percurso extremamente acidental, afunda num poço cheio de serpentes (referência à sua fobia maior no futuro), machuca o rosto com um chicote (duas referências imediatas à famosa arma e à cicatriz no queixo de Harrisson Ford) e acaba vencido por um homem que, entendemos, será para sempre uma referência central no imaginário de Indiana: um destemido aventureiro que tenta consolá-lo ao depositar seu próprio chapéu (mais uma referência) na cabeça do menino derrotado enquanto diz: "não é porque você perdeu hoje, garoto, que precisa se acostumar com isso". Com o pai - presente/ausente - estudando no escritório, naquele instante são formadas as bases do herói incrível que ele viria a se tornar: um menino solitário, órfão de mãe, que descobre em sua independência prematura o caminho não apenas da sua liberdade, mas da sua própria carreira.

Sean Connery e Harrisson Ford como uma das melhores duplas que o cinema já viu

Em seguida, já no tempo presente (década de 30), vemos o sempre assediado professor universitário diante de uma nova aventura: seu pai, o famoso professor Henry Jones (interpretado magistralmente por Sean Connery), desaparece enquanto investigava o mistério do Santo Graal, em Veneza. Indy recebe o diário de seu pai, com valiosas anotações de toda uma vida, e parte para a Itália em companhia do sempre adorável e desorientado Marcus Brody, que rende, mais adiante, uma cena simplesmente hilária. Em Veneza, os dois são recebidos pela charmosa femme fatale Elza Schneider, a professora alemã que ajudava o pai de Indiana Jones e a última pessoa que o viu antes do seu desaparecimento. Indiana e a perigosa loira naturalmente se envolvem amorosamente e partem para a Áustria onde, supostamente, o velho professor está sendo mantido prisioneiro. Mal sabe Indy que Elza está levando-o para uma armadilha já que ela, como era de se suspeitar, é uma agente do III Reich.

Indy sabia que não deveria confiar em ninguém em Veneza. Elza parecia "confiável".

Num castelo medieval Indy encontra seu pai, vivido por Sean Connery, e que é responsável pela maioria das cenas inesquecíveis do filme. Primeiro, ao arrebentar um vaso chinês na cabeça do filho (achando que ele era um nazi) e, mesmo com Indiana cambaleando pela dor, o velho fica radiante ao constatar que se tratava de uma imitação. Depois, na fuga de moto, seu rosto de orgulho ao ver o filho empunhar uma lança como um cavaleiro medieval. E, mais adiante, a famosa cena em que ele espanta pássaros na praia para derrubar um caça alemão que os perseguia. Feliz da vida, com o guarda-chuva nos ombros (como uma espada), ele completa sua atuação com a frase famosa de Carlos Magno: "que meu exército sejam as pedras no chão e os pássaros no céu". O deleite de ver Sean Connery e Harrisson Ford como pai e filho é impagável.

Indiana Jones frente a frente com ninguém menos que o próprio Adolf Hitler que, numa das cenas mais emblemáticas do filme, interpreta que Jones estava li apenas para pedir um autógrafo.

O terceiro ato começa com a fuga da Áustria. Não antes de Indy tentar despistar os nazis ao dizer que Marcus Brody, que "fala mais de 12 idiomas e conhece todos os costumes", já está há dois dias no Egito, provavelmente com o cálice em mãos. E eis que vemos o pobre Brody em Iskanderum, sendo assediado por vendedores de galinhas e perseguido por temíveis agentes da Gestapo. Indy quer ir ao seu encontro, mas seu pai o convence a voltar justamente para Berlim, no meio da boca do leão, para recuperar o seu diário onde ele anotou as respostas para os desafios do Graal. Na capital alemã, Indy se vê engolido por uma parada do orgulho ariano e inevitavelmente esbarra no próprio Hitler que, ao pegar o diário em mãos, pensa que Jones é mais um jovem oficial em busca de um autógrafo. É simplesmente bom demais para ser verdade.
Um cavaleiro espera por 700 anos para passar adiante a responsabilidade de proteger o Santo Cálice

Quando saem (ou melhor, fogem) de Berlim, Indiana Jones e seu pai tomam o caminho para o Oriente Médio onde, supostamente, está o Graal. No caminho, uma batalha aérea e uma corrida desesperada contra um tanque em pleno deserto: a famosa cena que culmina com a "morte" de Indiana Jones, que retorna para ver seu pai, Brody e Sallah, lamentando a perda em mais um momento engraçado e inesquecível. É o começo do ato final, em que todos chegam ao templo para enfrentar os três desafios mortais que aguardam quem tenta encontrar a taça utilizada por Jesus Cristo em seu último encontro com os apóstolos.

Já perdi as contas de quantas vezes vi esse filme e ele me emociona como na primeira vez, quando minha mãe me levou ao cinema para vê-lo em 1989. E nunca, em nenhum momento, o filme perde ritmo, fica chato ou sem propósito. Ele transpira, exala, esse humor inocente e o amor de atores que se entregam sem medo na tela. São os atores, as cenas, os diálogos memoráveis, a música emblemática, o conjunto perfeito, afinado como uma orquestra impecável, que me faz ver tudo aquilo, ali na tela, com um sorriso em 180 graus no rosto. Verei tudo - ou quase tudo - que surgir no cinema e que me pareça minimamente interessante. Choro, rio, me angustio e gargalho com filmes que me marcam, me marcaram e que ainda me marcarão no futuro. Mas, não tem jeito, é na "Última Cruzada" que encontro sempre a minha primeira opção quando quero, simplesmente, me perder para me achar numa sessão de cinema sem pretensão. Imperdível. Inesquecível.

sábado, 24 de julho de 2010

PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("AUGUST MOON")


Aos mais observadores, sim é um post (intencionalmente) repetido.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A FITA E A SEMENTE DO ABSURDO

Por onde começar para falar deste filme tão inacessível? "A Fita Branca" (Das Weisse Band), de Michael Haneke, não é um filme fácil em nenhum sentido. É difícil falar sobre ele; explicá-lo; muito menos recomendá-lo. Na tela, vemos uma explosão silenciosa, letárgica, num preto e branco austero, gélido, onde um narrador conta eventos macabros que se passaram num vilarejo alemão do começo do século XX. A pequena vila vive sob o domínio de um barão, rico fazendeiro que emprega metade dos cidadãos e, por causa disso, é temido e respeitado como um senhor feudal. As mulheres são inexpressivas donas de casa, os homens respondem pelo trabalho braçal e as crianças se esforçam em não incomodar. Não há sentimentalismos tampouco há algum calor humano sob nenhuma perspectiva neste ambiente que - supostamente - se propõe a ser um microcosmos da Alemanha pré-I Guerra Mundial. Todos vivem uma existência bucólica, construída em torno do trabalho, da colheita, da escola e da igreja, sem grandes ambições ou perspectivas.

Que pessoas serão, no futuro, essas crianças tão reprimidas? Aí está o questionamento de Haneke

Eis que no centro desta vila pacata começam a surgir misteriosos acidentes e eventos violentos, marcados por morte, espancamento e tortura. Ninguém sabe ao certo o que se passa e as investigações não rendem grandes resultados. Atento a esses acontecimentos, vemos um jovem professor (que também é o narrador, já idoso) compreendendo que algo muito errado está acontecendo enquanto tenta, com esforço, se aproximar de uma babá por quem está apaixonado. Mas rapidamente ele se vê vencido por uma estrutura social rígida e que não aceita seus questionamentos e suposições sobre a possibilidade que as crianças sejam responsáveis pelas atrocidades. A fita branca, que dá título à história, é referência a um dos mecanismos repressores utilizados pelo pastor local, que amarra um laço no braço dos seus filhos para lembrá-los da pureza e da inocência. Uma metáfora poderosa para emoldurar a ideia de uma geração antiquada e violenta que, a partir de uma brutal repressão moral, social, sexual e religiosa, moldou com mãos habilidosas as jovens mentes alemãs que, décadas depois, levariam o nazismo ao poder. Lindo e horrendo filme. Difícil de recomendar. Ao mesmo tempo, é impossível não fazê-lo.