sábado, 20 de abril de 2013

UM AMOR EM TEL AVIV


A luz daquele sol salino refletindo no cinto com cabeça de cobra... 

De repente aquela imagem perdida, repentina, anos depois; entre um gole de café e as notícias do dia, a luz das três da tarde refletida no cinto com cabeça de cobra, logo abaixo de um punhado de sinais (ou seriam sardas?) e um ramo de pêlos loiros, quase transparentes, que circundavam o seu umbigo. Tantos anos depois, e lá estavam os pêlos ao redor do umbigo, dividindo a sua atenção com os boletins de trânsito da hora ro rush.

Com nem mesmo 20 anos ele a conheceu. Aquela mulher misteriosa, mais velha (uns 5 anos, mas mesmo assim), os cabelos longos, tão mediterrâneos e marrons, os olhos amendoados expressivos, o corpo esguio e comprido que roubou parte da sua inocência e deu em troca alguns dias efêmeros e tão mágicos - e tão bons - que ele ainda custava crer, tanto tempo depois, se eles de fato haviam existido.

Aquilo realmente aconteceu? Da forma como aconteceu?

Ela não era particularmente bonita; atraente, sem dúvidas, com seu nariz proeminente e olhar felino. A voz rouca, o sotaque que dava um ar de mistério mesmo às suas observações mais banais. O jeito como ela tomava sorvete, que comunicava algo profano e bom. Uma mulher de segredos, estrangeira, mais velha. A fórmula secreta, a combinação infalível de romance para um rapaz sem muita ideia da vida.

Ele também gostava de saber que ela era de Israel. Is-ra-el, ele pensava consigo. Tão longe, tão absurdo, tão... bíblico, enfim, tão tantas coisas. E o melhor de tudo é que havia uma cumplicidade mundana em torno daquele encontro passional, onde os dois sabiam que nada seria mais do que aquilo e que tão rápido como havia começado ela iria embora. 

E ele ficaria, com um sorriso de canto de boca, achando-se um homem feito e com a sensação morna em seu corpo que, casada com o perfume que ela emanava, davam a certeza que ele havia vivido algo inesquecível. E que ele realmente lembraria anos depois. Muitos anos depois.

Foi apenas isso. E não mais que isso. Uma mulher mais velha e um rapaz bobo se fazendo de maduro. Dois corpos, duas bocas, quatro mãos e quatro pés, e um balé, algumas vezes desajeitado, que consumiu um punhado de horas deflagradas com uma conversa banal à beira mar. 

Ela queria direções. Ele sorria ao lembrar. Ela queria direções. E acabou fazendo-o se perder na brevidade daquele encontro tão casual e marcante. 

Ela foi como uma tatuagem.

Era assim que ela reaparecia. Como na primeira vez. Um sol batendo num cinto com cabeça de cobra. A dúvida sobre um contorno sob a roupa, uma palavra dita roucamente e que ele não soube ao certo o que ela queria dizer. 

Conversas nunca concluídas sobre autores desconhecidos e amores perdidos. Alguma doçura, alguma amargura, uma amizade agridoce narrada com pele e pêlo. E só. Uma despedida mal feita, cheia daqueles "não deixe de me procurar quando estiver por lá" ou "por aqui" que todos sabem não passar de conversa fiada.

E o sabor vivo e tão real de parte da sua inocência sendo perdida; melhor, sendo trocada. Por algo, alguma coisa que naquela época ainda não tinha nome nem forma. A lembrança daquela mulher de Israel que tomou conta de sua vida por nem mesmo a extensão de uma semana. 

Depois de todo aquele tempo, era o que importava. Aquela linda lembrança, costurada em algum canto do seu imaginário.

Algo de sonho, algo de segredo, algo de saudade.

Seu amor em Tel Aviv.

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