A luz daquele sol salino refletindo no cinto com cabeça de cobra...
De repente aquela imagem perdida, repentina, anos depois; entre um gole de café e as notícias do dia, a luz das três da tarde refletida no cinto com cabeça de cobra, logo abaixo de um punhado de sinais (ou seriam sardas?) e um ramo de pêlos loiros, quase transparentes, que circundavam o seu umbigo. Tantos anos depois, e lá estavam os pêlos ao redor do umbigo, dividindo a sua atenção com os boletins de trânsito da hora ro rush.
Com nem mesmo 20 anos ele a conheceu. Aquela mulher misteriosa, mais velha (uns 5 anos, mas mesmo assim), os cabelos longos, tão mediterrâneos e marrons, os olhos amendoados expressivos, o corpo esguio e comprido que roubou parte da sua inocência e deu em troca alguns dias efêmeros e tão mágicos - e tão bons - que ele ainda custava crer, tanto tempo depois, se eles de fato haviam existido.
Aquilo realmente aconteceu? Da forma como aconteceu?
Ela não era particularmente bonita; atraente, sem dúvidas, com seu nariz proeminente e olhar felino. A voz rouca, o sotaque que dava um ar de mistério mesmo às suas observações mais banais. O jeito como ela tomava sorvete, que comunicava algo profano e bom. Uma mulher de segredos, estrangeira, mais velha. A fórmula secreta, a combinação infalível de romance para um rapaz sem muita ideia da vida.
Ele também gostava de saber que ela era de Israel. Is-ra-el, ele pensava consigo. Tão longe, tão absurdo, tão... bíblico, enfim, tão tantas coisas. E o melhor de tudo é que havia uma cumplicidade mundana em torno daquele encontro passional, onde os dois sabiam que nada seria mais do que aquilo e que tão rápido como havia começado ela iria embora.
E ele ficaria, com um sorriso de canto de boca, achando-se um homem feito e com a sensação morna em seu corpo que, casada com o perfume que ela emanava, davam a certeza que ele havia vivido algo inesquecível. E que ele realmente lembraria anos depois. Muitos anos depois.
Foi apenas isso. E não mais que isso. Uma mulher mais velha e um rapaz bobo se fazendo de maduro. Dois corpos, duas bocas, quatro mãos e quatro pés, e um balé, algumas vezes desajeitado, que consumiu um punhado de horas deflagradas com uma conversa banal à beira mar.
Ela queria direções. Ele sorria ao lembrar. Ela queria direções. E acabou fazendo-o se perder na brevidade daquele encontro tão casual e marcante.
Ela foi como uma tatuagem.
Era assim que ela reaparecia. Como na primeira vez. Um sol batendo num cinto com cabeça de cobra. A dúvida sobre um contorno sob a roupa, uma palavra dita roucamente e que ele não soube ao certo o que ela queria dizer.
Conversas nunca concluídas sobre autores desconhecidos e amores perdidos. Alguma doçura, alguma amargura, uma amizade agridoce narrada com pele e pêlo. E só. Uma despedida mal feita, cheia daqueles "não deixe de me procurar quando estiver por lá" ou "por aqui" que todos sabem não passar de conversa fiada.
E o sabor vivo e tão real de parte da sua inocência sendo perdida; melhor, sendo trocada. Por algo, alguma coisa que naquela época ainda não tinha nome nem forma. A lembrança daquela mulher de Israel que tomou conta de sua vida por nem mesmo a extensão de uma semana.
Depois de todo aquele tempo, era o que importava. Aquela linda lembrança, costurada em algum canto do seu imaginário.
Algo de sonho, algo de segredo, algo de saudade.
Algo de sonho, algo de segredo, algo de saudade.
Seu amor em Tel Aviv.
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