"Você não me conhece ainda", ele quis tanto dizer a ela. "Você não faz a menor ideia de quem eu sou", ele pensou em dizer, olhando-a de longe. "Mas serei eu o homem que vai mudar o seu mundo como você o conhece. Para sempre".
* * *
Era óbvio que aquilo era um sonho; assim ele imaginava. Ou então, como no livro, também ele havia se tornado um viajante no tempo. A verdade é que ele estava ali e ela também; sua mulher, sua garota, sua estrela da sorte, tantos, tantos anos antes de eles se conhecerem.
Ela caminhava, a passos lentos, sentindo o sol ainda tímido iluminando o contorno do seu corpo andino. A luz rebatendo os seus ângulos sinuosos, fazendo um caleidoscópio de sombras na inebriante selva castanha que envolvia a sua cabeça como uma coroa. Ela erguia os braços, como uma dançarina do ventre, como se abraçasse o ar ao seu redor, e ele saboreava cada segundo daquele [des]encontro como um ávido telespectador.
"Porque você não faz ideia, ainda, de como eu serei perdidamente apaixonado por você", ele dizia baixinho, numa prece.
E ela seguia o seu caminho, de olhos fechados, sentindo o vento mexer com a sua roupa, evidenciando ocasionalmente alguns traços não muito inocentes daquela pele clara e suave, escondida, com cheiro de verão e sabor de pecado, que borbulhava as borboletas da sua barriga e sempre fazia o seu coração bater afoito.
Aquele corpo lindo, que ele amava cada centímetro cartografado com dedos, boca, pele e pêlo. Aquele corpo que ele havia explorado pela eternidade de horas preguiçosas; aquele corpo que o impedia de ter pensamentos honestos sempre que ele a via trocar de roupa.
"Porque eu te darei todos os filhos que você me pedir, e todos os cães e todos os gatos e todos os girassóis e todas as torradas com geléia", ele sorria, de longe, "e em troca você será a minha família e me dará a vida de um homem que sentirá vergonha de ser tão feliz".
Ela conversava com algumas pessoas que a faziam rir, revelando aquele riso doce que ele conhecia tão bem e o sorriso que iluminava o mundo, e que o fez se apaixonar como um tolo. Ela se entretia com algo qualquer meio presa em seus pensamentos, meio misteriosa, meio persa, contemplando o dia que nascia sem pressa no horizonte.
E ele brincava de imaginar o que passava pela sua cabeça naquele exato momento, querendo habitar as pontas dos seus dedos e agarrá-la pela sua cintura, como se fosse a primeira vez. Ela se empoleiraria em seus ombros e eles planejariam o que comer no jantar.
E ele brincava de imaginar o que passava pela sua cabeça naquele exato momento, querendo habitar as pontas dos seus dedos e agarrá-la pela sua cintura, como se fosse a primeira vez. Ela se empoleiraria em seus ombros e eles planejariam o que comer no jantar.
"Eu queria poder correr para os seus braços", ele pensava. "E aproveitar esse tempo não existido, esse tempo de jovens, mas acho que você não compreenderia".
E então ela se virou, de supetão, e os seus olhos se encontraram numa linha imaginária. Ela caminhou em sua direção, fazendo-o olhar ao redor, como se houvesse algo, além ele, que pudesse ter chamado a sua atenção. Não, não havia dúvida, ela o tinha visto. E foi como na primeira vez que eles se conheceram: um coração disparado e uma boca órfã de discurso, ele que apenas diante dela emudecia.
E ela veio, devagarzinho, ao seu jeito, as mãos gentilmente equilibradas atrás das costas, como uma habitante de outro tempo, meio marquesa, meio imaginária. O cabelo castanho voando de forma independente, dando um ar ainda mais mediterrâneo ao seu rosto. Os olhos pequeninos, cheios de cílios, sussurrando segredos.
E então ela parou diante dele, como sempre fazia quando o pegava fazendo algo errado, com um sorriso de canto de boca de quem vencia todas as discussões; sua linda mulher com nem mesmo 20 anos de idade.
E então ela parou diante dele, como sempre fazia quando o pegava fazendo algo errado, com um sorriso de canto de boca de quem vencia todas as discussões; sua linda mulher com nem mesmo 20 anos de idade.
Ao que ele, pego de surpresa, sorriu com timidez e disse seu nome.
"Eu sei", ela disse tocando seu rosto com carinho, "eu sei".
* * *
O domingo amanhecia aos poucos, inundando o quarto como uma catedral de luz e silêncio. Um mensageiro do vento pontuava algumas notas preguiçosas na janela enquanto ele percebia que o seu corpo começava a despertar. Estendeu a mão para tocar as costas dela ali, nuas, ao seu lado, o cabelo escorrendo desgrenhado sobre o travesseiro.
Caminhou com as pontas dos dedos em passos lentos, enquanto lhe beijava um bom dia nas arestas do seu ombro sardento, aquele cheiro delicioso de suor e canela, de limão e mistério que exalava de cada um dos seus poros.
Ela se virou, abrindo os olhos vagarosamente, devolvendo um punhado de beijos entrecortados por sorrisos e vontade de parlamentar qualquer assunto matutino.
"Eu tive o sonho mais louco da história com você essa noite", ela disse, ainda sonolenta.
Ao que ele respondeu, devolvendo um sorriso sincero e acariciando o seu rosto.
"Gostaria muito de saber como foi".
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