Era um dia gostoso, destes em que ela se sentia especialmente feliz por estar viva, por estar ao ar livre, por estar simplesmente respirando. O sol lambia gentilmente a sua pele sardenta, vestindo-a com aquela sensação morna e aconchegante enquanto ela caminhava sem pressa.
Um vento mais traiçoeiro vinha acompanhá-la, fazendo voar seu cabelo castanho como uma flâmula antiga, vez ou outra brincando com a sua roupa, revelando mais do que devia daquela pele branca, daqueles contornos cheios de segredos, enquanto ela esticava os seus braços, alongando o seu corpo, naquele domingo eterno, destes que acontecem em sonho e onde o compasso das horas corre numa velocidade diferente.
Ela estava tão feliz.
Mas ela também sabia que aquilo era um sonho, porque era evidente que havia uma cadeia de eventos que não necessariamente se encaixava com as pessoas que ela encontrava ali. Aqueles rostos e vozes de outros tempos e eventos distintos, mas que estavam ali, fazendo-a rir, como se fossem um único grupo de amigos.
Mas o que importava? Ela não tinha nem mesmo 20 anos e desfrutava por algumas horas efêmeras a delícia de um tempo de menos dúvidas, contas a pagar e preocupações insones.
De repente ela foi tomada por um impulso. Como se mãos imaginárias tivessem tomado conta do seu rosto, virando-o como um farol na direção de um homem que a observava ao longe. Num espaço de nem mesmo um segundo, os seus olhos, aqueles olhos pequeninos, cheios de cílios, encontraram os dele e ela soube, claro que soube, quem ele era. Seu amigo, seu amante, o homem com quem ela havia escolhido construir uma vida.
Lá estava ele, sorrindo tímido, tão longe, parecendo envergonhado de ela ter descoberto o seu olhar. Ele disfarçava, como se estivesse observando outra coisa; mas ela sabia, ela o conhecia, sabia ler aqueles olhares perdidos, aquela linguagem desajeitada que ele demonstrava quando ela o provava errado.
A beleza do sonho, porém, é que aquele não era o homem do seu presente. Era ele, sim, claro, de fato, de alguma forma. Mas provavelmente uns 10 ou 15 anos mais velho. Ou talvez mais. Os cabelos já bem mais prateados, o corpo um pouco mais frágil, algumas pequenas ruas e avenidas em seu rosto que ela ainda não conhecia; mas era ele. E ela gostou constatar que ele ainda era tão bonito.
"Um dia eu precisei cunhar uma escolha", ela pensou caminhando em sua direção.
E ali, naquele sonho aleatório, ela voltaria a surpreendê-lo. Como ela sempre fazia, seu delicioso hábito de pegá-lo de surpresa. Ela, que sempre vencia as discussões, ela que tinha todas as respostas, ela que lhe dava errâncias e tarefas impossíveis que ele corria em atender, feliz. Lá estava ele.
Com passos curtos, ela se aproximou, parando diante dele com seu olhar e sorriso triunfantes. Ao que ele, pego de surpresa, sorriu com timidez e apenas disse seu nome. Ela sabia. Tocou seu rosto com carinho. Ela sabia.
E então, de supetão, ela transformou aquela surpresa num beijo atemporal, o beijo impossível, separado por décadas, misturando presente, passado e futuro num quântico emaranhado de lembranças que surgiam enroscadas naquela saliva imaginária, nas mãos em sua cintura, que ela conhecia tão bem, no ombro em que ela amparava o seu rosto. O mesmo corpo, os mesmos braços, o mesmo cheiro.
"Parece que a gente desaprendeu como se perder", ela sussurrou; a voz rouca arranhando o seu ouvido. "E agora brincamos com os nossos sonhos também".
E ficaram ali, abraçados, por um tempo infinito, de olhos fechados.
O domingo amanhecia aos poucos, inundando o quarto como uma catedral de luz e silêncio. Um mensageiro do vento pontuava algumas notas preguiçosas na janela enquanto ela se percebeu despertando com uma chuva de carinhos delicados em seu ombro, costas, cintura.
Ela se virou, abrindo os olhos vagarosamente, e ali estava ele, os cabelos desgrenhados, ainda cheirando ao banho da noite anterior, beijando o seu corpo com saudade. Ela o beijou de volta, tomada pela vontade de lhe contar daquele encontro marcado, inesperado e impossível.
Ela estava tão feliz.
Mas ela também sabia que aquilo era um sonho, porque era evidente que havia uma cadeia de eventos que não necessariamente se encaixava com as pessoas que ela encontrava ali. Aqueles rostos e vozes de outros tempos e eventos distintos, mas que estavam ali, fazendo-a rir, como se fossem um único grupo de amigos.
Mas o que importava? Ela não tinha nem mesmo 20 anos e desfrutava por algumas horas efêmeras a delícia de um tempo de menos dúvidas, contas a pagar e preocupações insones.
De repente ela foi tomada por um impulso. Como se mãos imaginárias tivessem tomado conta do seu rosto, virando-o como um farol na direção de um homem que a observava ao longe. Num espaço de nem mesmo um segundo, os seus olhos, aqueles olhos pequeninos, cheios de cílios, encontraram os dele e ela soube, claro que soube, quem ele era. Seu amigo, seu amante, o homem com quem ela havia escolhido construir uma vida.
Lá estava ele, sorrindo tímido, tão longe, parecendo envergonhado de ela ter descoberto o seu olhar. Ele disfarçava, como se estivesse observando outra coisa; mas ela sabia, ela o conhecia, sabia ler aqueles olhares perdidos, aquela linguagem desajeitada que ele demonstrava quando ela o provava errado.
A beleza do sonho, porém, é que aquele não era o homem do seu presente. Era ele, sim, claro, de fato, de alguma forma. Mas provavelmente uns 10 ou 15 anos mais velho. Ou talvez mais. Os cabelos já bem mais prateados, o corpo um pouco mais frágil, algumas pequenas ruas e avenidas em seu rosto que ela ainda não conhecia; mas era ele. E ela gostou constatar que ele ainda era tão bonito.
"Um dia eu precisei cunhar uma escolha", ela pensou caminhando em sua direção.
E ali, naquele sonho aleatório, ela voltaria a surpreendê-lo. Como ela sempre fazia, seu delicioso hábito de pegá-lo de surpresa. Ela, que sempre vencia as discussões, ela que tinha todas as respostas, ela que lhe dava errâncias e tarefas impossíveis que ele corria em atender, feliz. Lá estava ele.
Com passos curtos, ela se aproximou, parando diante dele com seu olhar e sorriso triunfantes. Ao que ele, pego de surpresa, sorriu com timidez e apenas disse seu nome. Ela sabia. Tocou seu rosto com carinho. Ela sabia.
E então, de supetão, ela transformou aquela surpresa num beijo atemporal, o beijo impossível, separado por décadas, misturando presente, passado e futuro num quântico emaranhado de lembranças que surgiam enroscadas naquela saliva imaginária, nas mãos em sua cintura, que ela conhecia tão bem, no ombro em que ela amparava o seu rosto. O mesmo corpo, os mesmos braços, o mesmo cheiro.
"Parece que a gente desaprendeu como se perder", ela sussurrou; a voz rouca arranhando o seu ouvido. "E agora brincamos com os nossos sonhos também".
E ficaram ali, abraçados, por um tempo infinito, de olhos fechados.
* * *
O domingo amanhecia aos poucos, inundando o quarto como uma catedral de luz e silêncio. Um mensageiro do vento pontuava algumas notas preguiçosas na janela enquanto ela se percebeu despertando com uma chuva de carinhos delicados em seu ombro, costas, cintura.
Ela se virou, abrindo os olhos vagarosamente, e ali estava ele, os cabelos desgrenhados, ainda cheirando ao banho da noite anterior, beijando o seu corpo com saudade. Ela o beijou de volta, tomada pela vontade de lhe contar daquele encontro marcado, inesperado e impossível.
"Eu tive o sonho mais louco da história com você essa noite", ela disse, ainda sonolenta.
Ao que ele respondeu com curiosidade, devolvendo um sorriso sincero e acariciando o seu rosto. E ouviu a história absurda.
Ele então a abraçou, apertando o seu corpo contra o dela; e ela se viu ali, envolta naquele emaranhado de lençóis preguiçosos e achou a vida boa e quis realmente que aquele domingo fosse eterno; e entendeu, talvez pela primeira vez, e da forma mais clara, como nunca antes, mesmo depois de todos aqueles anos juntos, que era ali que ela deveria estar.
Abraçou-o de volta, e entre beijos afoitos invadiu os seus olhos como só ela sabia fazer. Sorrindo, aquele seu riso de mulher e criança.
Ele então a abraçou, apertando o seu corpo contra o dela; e ela se viu ali, envolta naquele emaranhado de lençóis preguiçosos e achou a vida boa e quis realmente que aquele domingo fosse eterno; e entendeu, talvez pela primeira vez, e da forma mais clara, como nunca antes, mesmo depois de todos aqueles anos juntos, que era ali que ela deveria estar.
Abraçou-o de volta, e entre beijos afoitos invadiu os seus olhos como só ela sabia fazer. Sorrindo, aquele seu riso de mulher e criança.
"Você deveria escrever sobre isso".
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