Você me pediu para te contar uma história de amor. E aqui está ela, que seria como tantas outras, não fosse um pequeno detalhe.
* * *
Ele estava sentado, no café, como tantas outras vezes; entretido e absorvido pelos seus pensamentos solitários, pela leitura hipnótica, por um punhado de palavras que rabiscava num bloco de notas. O café, em si, esfriava à sua frente, intocado há alguns minutos. As pessoas passando por ele, algumas até compartilhando a sua mesa, sem nada disso resgatá-lo de si mesmo. Até que ouviu uma voz infantil, dirigindo-se a ele de forma imperativa.
"Vou me sentar aqui", disse a menina. "Com você".
Seus olhos imediatamente freiaram diante da frase que lia e se dirigiram à sua interlocutora. Ela não devia ter muito mais que seis anos, cabelos negros feito petróleo, cascateando, levemente ondulados, sobre seus ombros pequeninos. Um vestido florido estampava sua pele branca como papel. E, no centro do rosto marcante, um par de olhos azuis gigantescos, feito duas safiras, emoldurados por uma chuva de sardas pequenas, como um céu cheio de estrelas. Era a criança mais linda que ele havia visto em toda a sua vida.
"Por favor", ele respondeu, "vou adorar a sua companhia".
A menina sorriu um sorriso largo, evidenciando um dente ausente; um sorriso sincero, inocente, que os adultos desaprendem a oferecer com o amadurecimento. Ela era inquieta, como se estivesse sentada sobre a cadeira mais desconfortável; mexia nos cabelos de forma intrigante - como ele mexia nos seus, em verdade - e fazia perguntas de forma sucessiva, como uma metralhadora, parecendo mais interessada em perguntar do que em ouvir as respostas.
Ela queria saber que livro era aquele em suas mãos; o que tanto ele rabiscava; porque não bebia o café; que gosto tinha o café; se ele só vestia camisas listradas; se os olhos dele eram azuis-esverdeados ou verde-azulados. Sem muito espaço para responder, ele decidiu também interrogá-la. Queria saber o seu nome; onde estavam os seus pais; se ela gostava de vestidos floridos e o que fazia ali, sentada com um estranho, preocupando a sua mãe e o seu pai.
Ela gargalhava, de olhos fechados, como se fosse dona de um segredo só dela, e que ela não tinha a menor intenção de revelar. Ele percebia que ela olhava em todas as direções da livraria, como se procurasse por alguém.
"Procurando a sua mãe?", ele inquiriu.
Ela concordou com um movimento rápido de cabeça, olhando-o de canto de olho e com um sorriso maroto no rosto. Então se levantou abruptamente e puxou-o pela mão. Sem espaço para uma negativa, ele juntou as suas coisas e foi com a menina até uma prateleira.
"Literatura estrangeira".
"Literatura estrangeira".
A menina pediu que ele se abaixasse, para que os dois ficassem à mesma altura. Ele anuiu, ajoelhou-se e, por um instante, pensou que a menina fosse abraçá-lo. Ao invés disso, ela tocou-lhe o ombro, direcionando-o. Ela apontava na direção de uma moça que estava a alguns metros na frente dos dois.
"Vê aquela moça ali? Aquela moça linda? Aquela que está ali, pegando justamente o livro que você está lendo?", a menina apontava com um dedo pequenino na direção da mulher mais atraente que ele havia visto. Cabelos compridos, negros feito petróleo, olhos amendoados e pequenos, uma pele branca feito papel, entretida ela mesma com os seus pensamentos.
Ele respondeu que sim, balançando a cabeça.
"Então. Você vai se aproximar dela, agora, e dizer que ela precisa ficar", a menina o instruiu de forma misteriosa.
Percebendo que ele não havia entendido absolutamente nada daquilo, a menina decidiu aprofundar as suas instruções.
"Veja, vocês dois são especialistas em tomar as decisões mais equivocadas de todos os tempos. Eu só estou querendo ajudar", a menina sorriu, senhora de si.
Ele voltou os olhos na direção da mulher, ainda ouvindo a menina sussurrar em seu ouvido.
"E também porque eu quero muito nascer", a menina o beijou com carinho o rosto.
Ele virou-se, com um susto, mas ela não estava mais lá. Levantou-se, inquieto, olhando em todas as direções, procurando a menina, sem sucesso. Não havia nem sombra dela ali. Havia sobrado uma saudade cortante, uma dor sem explicação, uma lágrima vindo surpreender seus olhos, como se uma parte dele também tivesse desaparecido com a misteriosa menina de olhos azuis e perguntas sem fim.
Enamorado daquele encontro metafísico, respirou fundo e caminhou, a passos lentos, na direção da mulher que, parecendo perceber sua aproximação, virou-se delicadamente ao seu encontro. Os dois se olharam pela eternidade de alguns instantes até ele quebrar o silêncio.
"Você deveria ficar".
E os dois se apaixonaram ali, naquele momento, naquela livraria. E ela, que cogitava deixar a cidade em busca de novos horizontes, decidiu ficar. Anos depois, casados e felizes, ele enfim conheceu a menina, de olhos azuis, cabelos negros e uma boca cheia de perguntas, que seria a sua filha e a coisa mais importante de sua vida.
* * *
Eis, então, apenas mais uma história de amor, como tantas outras, não fosse um pequeno detalhe.
Essa é a história de como eu conheci você.
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