domingo, 5 de fevereiro de 2012

UM MÉTODO PODEROSO

"Daqui há 100 anos, nós ainda seremos hostilizados", diz o sempre sereno professor Freud a um entusiasmado Carl Jung. "Como Colombo, não sei que continente é esse que estou pisando. Mas sei que ele existe", termina Freud.

Quando Sabina Spielrein (Keira Knightley) foi levada para tratamento num asilo psiquátrico jamais faria ideia dos eventos que estavam por vir. Ela antecipava - com desespero - o "tratamento" comum à época e  se deparou com o nascimento - a explosão - de uma das mais importantes revoluções científicas da modernidade: o surgimento da Psicanálise. Sabina encontra o jovem médico Carl Jung que pretende utilizá-la como cobaia para um novo experimento, surgido em Viena, e que o já famoso professor Freud batizou de "a cura pela palavra". 

"Nós vamos somente conversar?", pergunta Sabina já com os braços erguidos, em defesa, esperando algum choque ou agressão física. "Sim",  responde Jung, posicionando-se atrás dela. "Converse comigo e, em hipótese alguma, vire-se para me ver". Rapidamente, os dois vão costurando o tecido que envolvia a "loucura" de Sabina; uma série de espancamentos quando ela era criança. O pai de Sabina batia em seus filhos constantemente. Mas, surpreendentemente, isso causava prazer e não horror a ela.
Jung e Sabina começam um tratamento polêmico e perigoso. Eventualmente, tornam-se amantes

A trama de "Um Método Perigoso" (A Dangerous Method), novo filme de David Cronenberg, discute - com uma levemente exagerada parcialidade - o nascimento da Psicanálise, bem como a eventual ruptura entre Freud e Jung interpretados, respectivamente, por Viggo Mortensen e Michael Fassbender. Mas, de um modo geral, o tom do filme é mais biográfico, retratando Jung como "o mais importante psicólogo de todos os tempos". Será?

De qualquer forma, o filme é bem dirigido e conta com uma bela fotografia e boas atuações. Há uma atmosfera de virada de século muito convincente e, quase sempre, é possível se perder ali como se realmente víssemos Freud e Jung debatando os primeiros passos daquela jovem ciência. 

Duas linhas narrativas começam a se desenhar em paralelo. A relação entre Jung e Sabina que, eventualmente, tornam-se amantes. E a relação entre Jung e Freud que passam de amigos (ainda que a energia seja mais de "pai e filho") para rivais. Numa cena emblemática, os dois estão conversando sobre sonhos, num navio rumo aos Estados Unidos, e Freud analisa detalhadamente o sonho de Jung. Eis que Jung pergunta a Freud: "Então, você não vai me contar o seu, agora?". Ao que Freud responde, charuto sempre aceso: "Não. Temo que isso prejudicaria a minha autoridade".
Freud defende a sua Psicanálise, como um artista defende a sua arte. E rompe com Jung, ao recusar misturar sua nova ciência ao "misticismo de 2a categoria" proposto por Jung

Do encontro entre Jung e Sabina, surge a primeira psicanalista feminina que, rapidamente, escolheu cuidar de crianças. Do encontro entre Jung e Freud nasce uma mágoa irreparável. Jung não aceita a teimosia de Freud, que parece se apegar aos seus conceitos de forma ferrenha. Já Freud se recusa a aceitar "o xamanismo e o misticismo de 2a categoria que Jung quer introduzir num método já amplamente questionado". Para Freud, era hora de manter a Psicanálise dentro das fronteiras científicas. Cruzar essa fronteira seria o fim daquela ciência.

"Um Método Perigoso" é um filme belo e sobre a coragem desses homens que não se acovardaram, em nenhum momento, em discutir questões "absurdas" para época; sobretudo quando propunham que a psiquê humana estava intimamente relacionada a pulsões sexuais reprimidas. "Você é Galileu", diz Jung a Freud em um momento. "E está convidando o mundo a olhar pelo seu telescópio". Uma história envolvente, um lindo retrato histórico e um registro dos bastidores de um tratamento médico que mudaria a humanidade para sempre.

Um comentário:

ione gonzalez disse...

Adorei esta resenha,se o filme pende para Jung é por que é americano..basta ver o desenlace na História: a psicanalise ''pura'' Freudiana subverteu TUDO ,passou a sociologia como sendo o campo de maior produção intelctual em termos de publicações.

Uma revolução.Ao passo que os Junguianos prosseguem numa certa obscuridade minoritaria e sem qualquer relevancia para o mundo da ciencia e da intelectualidade.

..Sem mencionar a clínica vitoriosa
principalmente na Europa,na America latina e mesmo nos EUA embora sem o aporte lacaniano com sua releitura Freudiana o que vem a ser uma lástima.