Mas, por onde começar? Este é mais um daqueles casos de "atropelamento cinematográfico", o fabuloso filme "Precisamos falar sobre o Kevin" (We need to talk about Kevin). Infelizmente, ainda não li o bestseller homônimo, de Lionel Shriver, mas tenho certeza que deve ser igualmente brutal, se não mais.
A verdade é que há pouco espaço para palavras aqui. Esta é uma história constituída de segredos e absurdos, levada magistralmente à tela por Lynne Ramsay. No papel principal, de Eva Khatchadourian, está a gloriosa Tilda Swinton, que parece sentir na carne os acontecimentos que vemos diante dos nossos olhos. Completando o elenco o sempre competente John C. Reiley, no papel do marido abobalhado, e uma escolha impecável de atores para interpretar Kevin. Desde um menino de olhos perturbadores ao rapaz que comete uma atrocidade inominável.
O filme é baseado no livro homônimo de Lionel Shriver
Basicamente, o filme narra a vida - ou o despedaçamento da vida - de Eva. Uma mulher que vemos em vários atos, vários momentos, sobrepostos como panquecas. Uma hora ela é uma jovem, depois uma mulher feliz e bem sucedida, em outro momento é uma mãe exausta e desesperada e, num tempo presente, um fiapo de ser humano, uma mulher pobre financeira e sentimentalmente, sobrevivendo a algo que ainda não sabemos o que.
Ela engravida e dá luz a um bebê que não pára de chorar, nem por um instante, o que vai pouco a pouco conduzindo-a à exaustão. A cena da britadeira na rua é um absurdo de perfeita; aquela mulher parando para escutar a britadeira, de olhos fechados, como se fosse música, só para ouvir outra coisa que não aquele choro constante. O bebê cresce e se transforma num menino estranho, ausente, distante, que se recusa a interagir com a sua mãe. O menino, por fim, vira um rapaz que comunica perigo em cada gesto, palavra e segundo de sua presença estranha. A verdade é que Eva deu luz a um psicopata. E a recusa de enfrentar essa constatação conduz a vida de todos a um buraco negro, sem fim, sem fundo. Um buraco inteiramente vinculado à existência destrutiva de Kevin.
"Mamãe era tão mais feliz até o Kevin aparecer", diz Eva num momento de desespero
A grande beleza deste filme está em sua direção e edição. A narrativa é caótica, fragmentada, despedaçada. Não há nem um fio de linearidade e isso nos dá a total sensação de como está a alma daquela mulher atormentada que vemos na tela. O que nos é apresentado é um emaranhado de imagens, lembranças, reflexões, sobre acontecimentos passados e recentes. Pouco a pouco vamos juntando os pedaços deste quebra-cabeças e entendendo o que, de fato, aconteceu. Sabemos, desde os segundos iniciais, com a festa da Tomatina, em Barcelona, que há um banho muito vermelho, muito vivo, por vir no qual Eva será realmente afogada. Aliás essa metáfora é de uma genialidade que chega a comover.
Sabemos que há um vazio, um algo sem nome, que Eva tenta de uma forma ou de outra enfrentar. Sabemos que todo o caos está ligado a Kevin, mas não temos muito com o que trabalhar, até que o filme levanta a cortina e nos revela todos os segredos que, até então, eram apenas murmurados. Um absurdo, algo irreal, a personificação da destruição. E do mal.
Tilda Swinton é uma aparição. Ela personifica esta mãe arrasada ao ponto de nos fazer esquecer que o que vemos é um filme. Não há dúvidas que esta mulher é um dos tesouros artísticos do nosso tempo
Há uma reflexão obrigatória, inevitável. Até onde pode ir o amor de uma mãe? Ele é, de fato, infinito e inabalável? Como uma mãe consegue amar um monstro? Melhor, aceitar, entender, perdoar? Não há sombra de dúvida de que precisamos falar sobre Kevin. Mas, principalmente, precisamos falar sobre este filme que, dificilmente, deixará a minha mente.
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