segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A DUALIDADE DO CISNE

"Cisne negro" (Black Swan), novo filme de Darren Aronofsky e forte candidato ao Oscar, é muito mais que cinema. É filosofia pura, psicologia em forma de nitroglicerina, um filme que parece pulsar na tela como um ser vivo. É mais que arte, é um acontecimento. Natalie Portman dá vida - gloriosamente - à frágil bailarina Nina, que se vê repentinamente diante da maior oportunidade de sua vida: viver a cisne rainha de "O lago dos cisnes".

Com o desafio, fronteiras pessoais a serem vencidas: ela precisa dar graça ao cisne branco, Odette, algo que imediatamente consegue fazer. Igualmente, precisa dar vida ao cisne negro, o que exige imensa libertação física e quase sexual. Aqui, para Nina, parece haver uma muralha impedindo-a de encontrar o sucesso. Nessa jornada, extremamente visceral, de mutiliação física e emocional, ela precisa ser princesa e monstro até um ponto em que tudo parece fugir ao controle.

Num jogo brilhante de espelhos e constantes dualidades - sendo branco e preto a mais óbvia - Aronofsky constrói uma trama imensamente complexa em que acompanhamos não somente a trajetória de Nina, como bailarina, mas o caminho da sua própria loucura. Para se transformar em Odile, o cisne negro, ela precisa recorrer a extremos, dando vida - quase literalmente - a um alter ego sombrio e transgressor. Vagarosamente, a história de Nina começa a se misturar com a história dos próprios cisnes e, quando menos percebemos, já não é possível separar ficção e realidade, vida e espetáculo, inocentes e culpados. Diante do espelho, Nina e seu reflexo parecem se mover em compassos distintos.

Natalie Portman vive Nina, uma frágil bailarina que precisa quase renascer para dar vida aos cisnes de Tchaikovsky.

Este é um filme que, como a dança, é banhado em lágrimas, suor e sangue. Difícil de ser relatado, não há palavras suficientes; este filme precisa ser visto, vivido. É uma experiência quase interativa, uma vez que as cenas costuradas com maestria parecem torcer e contorcer os músculos do próprio espectador. Natalie Portman é uma aparição e seu ponto máximo - a final metamorfose no lindo pássaro negro - é uma cena que permanecerá em minha mente por muitos anos.

Perfeccionista, Nina quer viver seu papel da forma mais intensa e verdadeira possível. Uma dança perigosa com ela mesma sobre um palco que parece construído em cima de cacos de vidro e espelhos quebrados. Esses fragmentos - que parecem ressoar uma alma igualmente fragmentada - revelam imagens confusas, ora nítidas ora camufladas; dia e noite entrelaçados em passos ágeis que parecem surgir não de um, mas de dois pares de pernas. E asas. É a dualidade do cisne.

Palmas incessantes, incansáveis, para o sr. Aronofsky.

Ele merece cada uma delas.

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