Ninguém percebeu a sua entrada no restaurante. Estavam todos ocupados demais com seus talheres afoitos, conversas de pouca relevância e telefones celulares que faziam das mesas aquelas constelações eloquentes de alertas, avisos e novos e-mails.
Ninguém menos eu.
A mulher entrou no lugar com passos curtos, lentos; um olhar tímido porém confiante, de alguém que procura algo com a certeza de que irá encontrá-lo.
E então os seus olhos pousaram numa mesa discreta, nos fundos do lugar. Um canto pouco iluminado, onde uma linda mulher de meia idade, de cabelos escuros e compridos, num vestido lilás, sorria com os olhos.
A primeira também deveria ter pouco mais de quarenta anos. Cabelos curtos, cortados de forma irregular, cobrindo a testa e despencando graciosamente sobre um dos ombros. Vestia uma longa camisa num tom avermelhado, com ar oriental. Um corpo bonito, com curvas bem feitas e pernas brancas, compridas, escondia-se sob o vestido. Ela tinha olhos pequeninos e uma boca vermelha, que mantinha entreaberta como se fosse falar algo a qualquer momento enquanto caminhava em direção à mesa dos fundos.
As duas se abraçaram, de maneira mais demorada que o habitual. Além da saudação, além do encontro. Como se partilhassem algo; uma saudade, uma despedida, era difícil identificar.
De olhos fechados, pareciam respirar a penumbra que habitava os seus pescoços; aquela região mágica, onde se escondem segredos, suspiros e sensações. Olharam-se nos olhos, trocaram um punhado de palavras que não era possível escutar e se sentaram.
O tempo desenhava a noite na janela; aqueles traços firmes que vão dando a dimensão do quão silenciosas e vazias estão ficando as ruas. Aquele oceano de burburinhos e risadas contidas, explosões ocasionais de felicidade, piadas, crianças, brindes. A babel construída com vinho, palavra e especiarias.
As duas conversavam de forma gentil, amigável, quase distantes. Brindaram, demonstraram entusiasmo com o que os garçons traziam e então um longo silêncio. Um estranho abismo, órfão de verbo, equilibrado de forma desajeitada com mãos sob os queixos e olhares perdidos.
Havia algo ali.
Foi quando percebi que as duas se deram as mãos sob a mesa; seus dedos entrelaçados de forma apaixonada, enquanto o resto dos seus corpos mantinha a diplomacia acima da superfície. Havia um mundo ali, encaixado na melancolia de segredos antigos e lágrimas curtas, repentinamente suicidas. E nenhuma necessidade mais de palavra. Apenas aquela urgência aflita, desesperada e que ninguém parecia notar.
De repente, uma delas escorregou um pequeno embrulho para a outra; uma caixa negra com fita vermelha, aberta delicadamente sob o oceano de guardanapos de linho. A mulher de vestido lilás observou o presente com olhos emocionados e sorriu. A mulher de vestido vermelho sorriu de volta e as duas permaneceram ali, com os olhos encontrados e os dedos cimentados sob as sombras da mesa, fazendo carinho.
Havia tanto ali.
E então me dei conta da minha solidão, naquela minha mesa tão povoada, em que eu já não fazia parte de nenhuma conversa e onde o meu prato jazia frio e desinteressante. Completamente consumido por aquele meu desejo impertinente e invasivo de testemunhar aquele fragmento de história.
Minhas fotografias mentais, minha crônica de guerra, meu amor aos estranhos partidos.
Subitamente, entra na cena um homem bonito, de cabelos prateados e terno bem cortado. Ele caminha ao encontro da mulher de lilás. Sua mulher. Um beijo carinhoso, um cumprimento educado à mulher de vermelho, uma súbita troca de olhares duelistas, e uma despedida breve.
E os dois vão embora, seguidos minutos depois, pela mulher de vestido vermelho, capturada pela sua melancolia incurável, sem disfarces.
E então mais nada. A não ser por uma caixa negra, pequenina, envolta em fita de cetim, abandonada sob o céu sem estrelas de uma mesa desabitada.
Um comentário:
Me lembrou uma estória da Anais Nin.Gostei.
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