domingo, 31 de março de 2013
"EU VI COISAS QUE VOCÊS JAMAIS CONSEGUIRIAM ACREDITAR"
E, com o [eternamente maravilhoso] Rutger Hauer em mente, outra cena emblemática e inesquecível. Nesta, o discurso de despedida em "Blade Runner".
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PELA ETERNIDADE DE UM SEGUNDO
Cena emblemática de "O Feitiço de Aquila" (Ladyhawke), quando por quase um segundo o lobo e o falcão conseguem, enfim, se tocar. Linda, linda cena. E triste que dói.
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PARA VER E OUVIR: STRANGE FRUIT ("ALL OVER THE WORLD")
A melhor banda de todos os tempos.
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sábado, 30 de março de 2013
S03E01
Porque Páscoa tem que ter ovo. E este domingo será dia de ovo, bebê! E que venha a [mais que aguardada] terceira temporada de Game of Thrones.
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AIR MIDDLE EARTH
Campanha publicitária da Air New Zealand por conta do lançamento de "O Hobbit": oficialmente a minha companhia aérea favorita em todo o mundo.
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NOTÍCIAS DA "PEQUENA VOZ"
Sara Bareilles em seu novo projeto (ainda mais solo): o "Brave Enough Tour". Tem novidade vindo por aí...
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PARA VER E OUVIR: JASON MRAZ ("93 MILLION MILES")
Por alguma razão, a lembrança de "Elizabethtown" é inevitável. Talvez porque também esta seja "uma canção que precise de ar".
RELEITURA DE MARIO QUINTANA
"O pior fim" - dizia o texto rabiscado na folha manchada por café - "é aquele no qual não se verbaliza uma despedida. Fica apenas o corte, o parto, a ruptura. O vazio".
...falling into emptiness...
"Eu o perdi", ela dizia para si mesma diante do espelho pequenino, no seu micro apartamento no centro da cidade, enquanto fazia a maquiagem de mais um dia riscado antecipadamente na folhinha. Após aqueles anos todos, aquele pensamento martelado ao acaso.
"Eu o perdi".
E não era a perda simplesmente por não se estar perto, esta que é facilmente remediada por uma carência qualquer ou um pouco mais de álcool no sangue; ela perdera seu par imperfeito como quem perde algo que cai e que quebra. Como quem perde um dente depois da maioridade. Como quem cessa de existir.
Eles se perderam ao mesmo tempo, ela amenizava, pensando naquela separação sem adeus tão definitiva. A lápide chorosa, coberta de limo. Esquecida.
"Haveria, porém, tantos outros passarinhos coloridos", ela se entretia na janela inventada.
"Menos aquele".
Aquele voou.
QUANDO UM PRIMEIRO AMOR GANHA UMA SEGUNDA CHANCE
Alguns casais tem o azar de se conhecer tarde demais. Outros, muito cedo. No caso de Al (Freddie Prinze Jr.) e Imogen (Julia Stiles), trata-se de algo no meio do caminho. É sobre essa (estranha) equação a história de "Down to you" ("Louco por você"), típica comédia romântica da década de 90 em que as incertezas amorosas precisam duelar com todas a angústias relacionadas a amadurecer (carreira, família, futuro), com doses equilibradas de drama e humor escancarado.
Os dois se conhecem por acaso, numa festa na faculdade, e rapidamente tomam conta da vida um do outro, partilhando afinidades, desejos, particularidades e se descobrem perdidamente apaixonados. Mas a imaturidade - teriam se conhecido cedo demais? - faz com que Al e Imogen sigam caminhos distintos após um breve (e intenso) período juntos. Ela foi ficando vez mais confusa sobre que rumos estava dando à sua vida e ele se tornando cada vez menos habilidoso em compreendê-la.
O filme é narrado por meio de flashbacks, em que tanto Al quanto Imogen refletem sobre aquele tempo passado (perdido?) e, inevitavelmente, como acabaram marcando as suas vidas de forma talvez irreparável (aquele amor . Tentam compreender os passos em falso e, com uma delicada dose de amargura, fazem-nos questionar se há mesmo um amor duradouro, capaz de vencer o tempo; quando se esvai a paixão e nos tornamos chatos, se há matéria suficiente para fazer duas pessoas seguirem juntas.
E, nesta narração em que sabemos que "algo" aconteceu para separá-los, ficamos também torcendo por eles, por um acaso que pudesse trazê-los de volta um para o outro. E aí se encontra a beleza desta história que, como tantas outras, narra a dor e a delícia de se amar alguém verdadeiramente: a possibilidade de dar a um primeiro amor uma segunda chance.
"SECRETAMENTE, ENTRE A SOMBRA E A ALMA"
"A Dança"
(Pablo Neruda)
Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
sexta-feira, 29 de março de 2013
quarta-feira, 27 de março de 2013
A ILHA DOS GATOS
Fukuoka, a ilha dos gatos, um lugar onde eles vivem livres pela rua e ninguém parece se importar. Via Zupi.
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domingo, 24 de março de 2013
"TU & EU"
Em 1796, Napoleão Bonaparte ofereceu um anel de noivado à sua amada, Josefina de Beauharnais. Um anel de ouro, com um diamante e uma safira esculpida em forma de pêra, com a inscrição "Tu e Eu". Napoleão não era rico e, para os padrões de hoje (e da época), o anel é de uma "simplicidade incontestável". No entanto, a linda jóia (de valor histórico "incontestável") foi vendida, num leilão este domingo, por quase 900 mil euros (algo em torno de 2,4 milhões de reais).
Alguém fará uma noiva muito feliz em breve...
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sábado, 23 de março de 2013
SOBRE GUERRAS E ASTERÓIDES
A água do mar batia preguiçosamente sobre as pedras enquanto eles se olhavam, de longe, sobre o comprido pier de madeira. Aquele mesmo pier onde, tantos anos antes, eles optaram por seguir caminhos distintos. O sol caía sobre os dois, com uma luz morna, doce, que fazia sorrir. E lá estavam eles, afinal, após todo aquele tempo. Aquela miragem.
Aquele amor de espera. Aquele amor nos tempos do cólera.
Caminharam, lentamente, ao encontro um do outro, permitindo-se que as mãos se encontrassem primeiro. Sorriam, dispensando palavras. Simplesmente sorriam, inebriados pelo som salino que os cercava, pelo vento que revoltava os cabelos compridos dela e ameaçavam trair o cumprimento do seu vestido de verão.
Aqueles lindos cabelos escuros, rasgados por um caleidoscópio de tons castanhos, negros, meio petróleo, meio cobre, algo de leoa, algo antigo, algo de lugar em que ele queria se perder para sempre. Aqueles olhos pequeninos, equilibrados sobre uma boca vermelha, entreaberta. E que ele beijaria, enfim.
Porque ela seria sua. E ele pertenceria a ela.
Beijou-lhe as pontas dos dedos, sem pudor em confidenciar a ela aquelas lágrimas felizes que vinham umedecer os cantos dos seus olhos. Ele queria dizer a ela da luta; e do caminho, daquele longo caminho, daquele caminho de volta até ali, mas sentia medo de gastar os segundos à toa. Segurando-a pela cintura, como se pudesse perdê-la, segredou, num pacto com a sua alma, que jamais a perderia de vista novamente.
Nunca mais.
Aquele amor de espera. Aquele amor nos tempos do cólera.
Caminharam, lentamente, ao encontro um do outro, permitindo-se que as mãos se encontrassem primeiro. Sorriam, dispensando palavras. Simplesmente sorriam, inebriados pelo som salino que os cercava, pelo vento que revoltava os cabelos compridos dela e ameaçavam trair o cumprimento do seu vestido de verão.
Aqueles lindos cabelos escuros, rasgados por um caleidoscópio de tons castanhos, negros, meio petróleo, meio cobre, algo de leoa, algo antigo, algo de lugar em que ele queria se perder para sempre. Aqueles olhos pequeninos, equilibrados sobre uma boca vermelha, entreaberta. E que ele beijaria, enfim.
Porque ela seria sua. E ele pertenceria a ela.
Beijou-lhe as pontas dos dedos, sem pudor em confidenciar a ela aquelas lágrimas felizes que vinham umedecer os cantos dos seus olhos. Ele queria dizer a ela da luta; e do caminho, daquele longo caminho, daquele caminho de volta até ali, mas sentia medo de gastar os segundos à toa. Segurando-a pela cintura, como se pudesse perdê-la, segredou, num pacto com a sua alma, que jamais a perderia de vista novamente.
Nunca mais.
Porque eles haviam passado por coisas de mais. Haviam vivido demais e, por fim, chegado a conclusão de que não se conformariam com nada menos que o máximo. "Agora ou nunca", seus olhos parlamentavam juntos, enquanto os dedos cimentavam-se apaixonadamente. Abraçaram-se, de olhos fechados, a luz do fim de tarde dando lugar às primeiras estrelas que já despontavam no horizonte.
* * *
Durante o café da manhã, em que gostavam de sentar juntos à varanda, ela se entretia em acompanhar o que o tempo vinha fazendo com ele. O cabelo dele ganhara tons prateados que lhe davam um ar de sabedoria. Mas ainda estava ali, quase escondido, o olhar do menino; do seu menino imperfeito, que havia escapado pelos seus dedos e que ela apanhara de volta; seu pássaro de asa partida. E o sorriso sincero e os braços que a envolviam com segurança. E que davam a ela a certeza de que ele estava ali e, enquanto estivesse, nada no mundo poderia fazê-la mal.
Seu amigo, seu amante, seu príncipe.
Ele olhava para ela com curiosidade, enquanto observava com atenção os seus caprichos, suas tarefas, o que roubava a sua atenção. Ela não era uma mulher de bordados, mas de mistérios e aventuras que não cessavam em surpreendê-lo. Vendo-a trocar de roupa, mesmo após tanto tempo, ainda a achava a mulher mais linda do mundo. Queria encontrar os defeitos, as marcas do tempo, as falhas. Não conseguia, era em vão. Seu rosto ganhara novas esquinas e ruelas, é verdade; eles não eram mais jovens. Mas ela conseguia vencer o tempo, assim ele compreendia, enquanto observava as curvas do seu corpo, aquelas curvas andinas, intactas. As sardas que brilhavam feito constelações ao redor do seu pescoço. Aquelas sardas tão beijáveis.
Sua amiga, sua amante, sua rainha.
Naquele pier histórico eles se deram as mãos, costuradas feito tapeçaria, para não se perderem. Para não cometerem o erro de novo. Para seguirem juntos, feito homem e mulher. E assim o fizeram. Viveram juntos a extensão de deliciosas décadas. Filhos, netos, cães, gatos, pés que pisaram continentes, caixas de fotografias, e apartamentos de metragem progressiva.
Viveram aquela vida restante juntos, aquela vida linda, em que ele, secretamente, esperou, a cada novo dia, que algo acontecesse para separá-los. Não porque ele fosse pessimista; bem o contrário disso. Mas porque a cada nova manhã em que ele acordava ao seu lado, ele custava a crer que a vida pudesse ser tão boa.
"Chegaria uma guerra", ele pensava. "Ou um asteróide". Haviam, afinal, lutado tanto contra o destino que os afastava feito ilhéus, feito náufragos, sem nunca chegar onde queriam. "Aconteceria algo", ele temia. E então a abraçava, beijando o seu rosto com saudade, e dizendo o quanto ela o fazia feliz.
***
A chuva despencava com melancolia na janela. Como sempre acontece em dias como aquele.
Deitado, ele estendeu a mão para tocá-la, ali sentada ao seu lado, havia tantas noites insones. Aqueles anos que haviam passado rápido demais. Mas ela sabia que havia chegado a hora. Deram um último beijo inocente, um abraço trêmulo, um olhar de despedida que, como tantos anos antes, não sentia necessidade de palavras.
Ela desenhou alguns carinhos em seu rosto, sorrindo; ao que ele, num último sopro de ar, ainda vivo em sua garganta, disse que a havia amado durante cada segundo da sua vida. E que ela havia feito dele um homem feliz.
E, com os olhos já marejados pela saudade, pensou, pela última vez, que "sabia que algo aconteceria".
quarta-feira, 20 de março de 2013
sábado, 16 de março de 2013
"NUM MUNDO DE MALDADES E PECADOS..."
Minha culpa
(Florbela Espanca)
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou? Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém
Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou? Sei lá! Sou uma roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...
(Florbela Espanca)
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou? Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém
Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou? Sei lá! Sou uma roupagem
De um doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de maldades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...
quarta-feira, 13 de março de 2013
VENCIDO PELA VERGONHA ALHEIA
Juro que tentei. Juro. Adoro a história, a peça original da Broadway (amo o período da Revolução Francesa) e, confesso, tenho um fraco por (bons) musicais - algo que não interfere nem atinge a minha masculinidade em absoluto. Mas não consegui com esta versão cinematográfica de "Os Miseráveis". Acompanhei o burburinho com grande expectativa, li resenhas, vi trailers e sentei com grande expectativa (teria sido esse o erro?) para ver o filme e não consegui aguentá-lo por mais de uma hora. A fotografia é bela, claro, o mesmo digo sobre a música, a caracterização, todos os valores de produção que são inquestionáveis. Mas fui vencido pela vergonha alheia. Não sei quem me venceu, porém; se foi o Russel Crowe se esguelando como Javert, se o exageiro do Wolverine (ops), Hugh Jackman, como Jean Valjean ou se o esforço quase desconfortável da (querida e maravilhosa) Anne Hathaway que, a cada segundo de canto, me dava a sensação do tipo "não queria estar cantando...". Nem na célebre "I dreamed a dream" que foi-se embora pelo ralo. Ou tudo isso. Provavelmente. A verdade é que não deu para mim. Admiro e parabenizo quem viu, amou e se comoveu com este "Lesmis" - talvez me esteja faltando sensibilidade (difícil, acho, mas vai saber?). Mas, realmente, não recomendo. Escolha a versão com Gerard Depardieu - ou o musical da Broadway.
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terça-feira, 12 de março de 2013
quinta-feira, 7 de março de 2013
AMOR PLATÔNICO
A atriz e comediante Tina Fey. Ela é um destes casos raros (raríssimos) de beleza, humor e inteligência; o pacote completo. Quando era criança, um maníaco rasgou o seu rosto com uma navalha, deixando-a para sempre com esta cicatriz que, hoje, é parte da beleza que a define; pouco me importa a sua cicatriz, em verdade. Para mim ela é linda, com seus olhos que comunicam segurança e timidez em doses perfeitas. Alguém para se ter por perto, para quando o corpo já não tiver tanta importância. Por que aí sobrará a essência de tudo: a companhia, pura e simplesmente. Melhor ainda, o riso.
quarta-feira, 6 de março de 2013
PARA VER E OUVIR: DAVID BOWIE ("HEROES" AO VIVO)
Das poucas(íssimas) certezas que tenho na vida, eis uma delas: eu quero envelhecer como o Bowie.
terça-feira, 5 de março de 2013
PARA MARCAR NO RADAR
"Somos tão jovens", filme biográfico sobre Renato Russo e o nascimento da Legião. Algo me diz que será bom...
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segunda-feira, 4 de março de 2013
sexta-feira, 1 de março de 2013
AVALON
Ninguém percebeu a sua entrada no restaurante. Estavam todos ocupados demais com seus talheres afoitos, conversas de pouca relevância e telefones celulares que faziam das mesas aquelas constelações eloquentes de alertas, avisos e novos e-mails.
Ninguém menos eu.
A mulher entrou no lugar com passos curtos, lentos; um olhar tímido porém confiante, de alguém que procura algo com a certeza de que irá encontrá-lo.
E então os seus olhos pousaram numa mesa discreta, nos fundos do lugar. Um canto pouco iluminado, onde uma linda mulher de meia idade, de cabelos escuros e compridos, num vestido lilás, sorria com os olhos.
A primeira também deveria ter pouco mais de quarenta anos. Cabelos curtos, cortados de forma irregular, cobrindo a testa e despencando graciosamente sobre um dos ombros. Vestia uma longa camisa num tom avermelhado, com ar oriental. Um corpo bonito, com curvas bem feitas e pernas brancas, compridas, escondia-se sob o vestido. Ela tinha olhos pequeninos e uma boca vermelha, que mantinha entreaberta como se fosse falar algo a qualquer momento enquanto caminhava em direção à mesa dos fundos.
As duas se abraçaram, de maneira mais demorada que o habitual. Além da saudação, além do encontro. Como se partilhassem algo; uma saudade, uma despedida, era difícil identificar.
De olhos fechados, pareciam respirar a penumbra que habitava os seus pescoços; aquela região mágica, onde se escondem segredos, suspiros e sensações. Olharam-se nos olhos, trocaram um punhado de palavras que não era possível escutar e se sentaram.
O tempo desenhava a noite na janela; aqueles traços firmes que vão dando a dimensão do quão silenciosas e vazias estão ficando as ruas. Aquele oceano de burburinhos e risadas contidas, explosões ocasionais de felicidade, piadas, crianças, brindes. A babel construída com vinho, palavra e especiarias.
As duas conversavam de forma gentil, amigável, quase distantes. Brindaram, demonstraram entusiasmo com o que os garçons traziam e então um longo silêncio. Um estranho abismo, órfão de verbo, equilibrado de forma desajeitada com mãos sob os queixos e olhares perdidos.
Havia algo ali.
Foi quando percebi que as duas se deram as mãos sob a mesa; seus dedos entrelaçados de forma apaixonada, enquanto o resto dos seus corpos mantinha a diplomacia acima da superfície. Havia um mundo ali, encaixado na melancolia de segredos antigos e lágrimas curtas, repentinamente suicidas. E nenhuma necessidade mais de palavra. Apenas aquela urgência aflita, desesperada e que ninguém parecia notar.
De repente, uma delas escorregou um pequeno embrulho para a outra; uma caixa negra com fita vermelha, aberta delicadamente sob o oceano de guardanapos de linho. A mulher de vestido lilás observou o presente com olhos emocionados e sorriu. A mulher de vestido vermelho sorriu de volta e as duas permaneceram ali, com os olhos encontrados e os dedos cimentados sob as sombras da mesa, fazendo carinho.
Havia tanto ali.
E então me dei conta da minha solidão, naquela minha mesa tão povoada, em que eu já não fazia parte de nenhuma conversa e onde o meu prato jazia frio e desinteressante. Completamente consumido por aquele meu desejo impertinente e invasivo de testemunhar aquele fragmento de história.
Minhas fotografias mentais, minha crônica de guerra, meu amor aos estranhos partidos.
Subitamente, entra na cena um homem bonito, de cabelos prateados e terno bem cortado. Ele caminha ao encontro da mulher de lilás. Sua mulher. Um beijo carinhoso, um cumprimento educado à mulher de vermelho, uma súbita troca de olhares duelistas, e uma despedida breve.
E os dois vão embora, seguidos minutos depois, pela mulher de vestido vermelho, capturada pela sua melancolia incurável, sem disfarces.
E então mais nada. A não ser por uma caixa negra, pequenina, envolta em fita de cetim, abandonada sob o céu sem estrelas de uma mesa desabitada.
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