domingo, 3 de fevereiro de 2013

RAPUNZEL E BLITZKRIEG

Chovia, como acontece nos filmes, quando os dois se conheceram naquela madrugada anônima, onde decidiram seguir juntos, acompanhando as luzes da cidade. Dando uma chance ao destino, alheios ao perigo que nasce dos encontros acidentais.

Sorriam, naquela busca da palavra perfeita, enquanto equilibravam-se juntos sob o guarda-chuva. Um abraço forçado, antes da hora; a mão dele envolvendo a sua cintura, a respiração conjunta, conspirada; a proximidade dos seus corpos estranhos, o hálito misturado sob a água que caía sobre eles.

"Será assim que terei conhecido a mãe dos meus filhos?", ele se pegava pensando bobagem.

As horas voando entrelaçadas em conversas sem fim. As coisas acontecem por alguma razão, ele pensava. Mesmo que seja impossível descobrir qual exatamente. Porque naquela louca tapeçaria de eventos, das certezas revertidas, dos becos cercados por uma selva de concreto e pelas angústias que nascem com novos aniversários, estava Lídia.

* * *

Havia dias bons e dias ruins, como tudo na vida. E dias inúteis ou tantos destes que deveriam ser simplesmente esquecidos, apagados da memória, afundados no umbral das preocupações mundanas que nos tornam adultos chatos e irritados. A parte da vida que nos deixa desesperançosos.

Mas ele sorria, ao caminhar pela rua, quando voltava para casa. Porque ele havia encontrado a sua garota. Sua garota urbana, seu amor na cidade. Ele estaria com ela e pela brevidade daquelas horas em que passavam juntos, até o nascimento de um novo dia, ele era o homem mais feliz do mundo.

Lídia havia surgido em sua vida no pior momento possível. Pior talvez fosse exageiro, claro, mas a verdade é que ele simplesmente não queria conhecer ninguém; estava satisfeito com o império solitário dos seus pensamentos e da passagem amena das horas. Com o conforto que se obtém do silêncio e do silêncio apenas.

Com o controle.

Mas então Lídia apareceu e mesmo que não houvesse uma porta aberta, por assim dizer, ela rapidamente arrumou uma janela, que escalou e escancarou com habilidade, entrando de pára-quedas em sua vida. Invadindo o seu espaço aéreo sem aviso. Para sempre.

Pensava em Rapunzel e blitzkrieg, quantas ironias...

É que ele não tinha espaço para ela em sua vida. Literalmente. E infelizmente. Mas havia algo a respeito de Lídia, algo tão especial. É que ela sumia e aparecia, como mágica. E fazia ele rir, como há muito tempo ele não se julgava capaz.

Ele observava a sua vida virada pelo avesso, e lá estava ela, vestindo as suas camisas de trabalho e esquecendo as suas coisas por todos os cantos. Tropeçando em suas botas com seus pés pequeninos e mudando seus objetos de lugar. Tapando os seus olhos e pedindo para ele contar até 10, cheia de surpresas.

"Você não vai gostar de mim, Lídia", ele ameaçava, "é que não tenho sido eu mesmo há tanto tempo que nem sei ao certo se sei ser alguém".

E ela sorria, com as mãos em seu rosto. E de repente tudo estava bem. Ele havia reencontrado sua musa.

Lídia chorava com filmes românticos e gostava de fazer panquecas pela manhã, deixando o pequeno apartamento como uma zona de guerra. Vestia roupas que combinava ao seu próprio estilo e inventava planos pela manhã que, à noite, já havia abandonado.

Ela era espaçosa e barulhenta, mas a verdade é que Lídia havia mudado tudo para sempre, ele sabia. Porque jamais seria capaz de imaginar a sua vida sem ela.

Lídia, com seus grandes olhos dourados e o cabelo de leoa. De voz rouca e toque gentil. De pele adocicada e boca molhada com o sabor de mil segredos. De sinais e tatuagens, manias e planos repentinos. Lídia, como no poema, com quem ele queria se sentar à beira de um rio.

* * *

Abriu a porta de casa e lá estava ela, como ele esperava. Ela sorriu, abraçando-o ainda na entrada do apartamento, envolvendo o seu corpo no seu. Aquela temperatura morna, que inundava o seu corpo como algo medicinal. Beijos curtos espalhados pelo seu rosto e uma longa narrativa de fatos e coisas.

E no oceano de dúvidas que era aquela existência em que ele há tanto tempo navegava sozinho, sem cartografia, ele soube, como uma revelação, o que era óbvio desde aqueles beijos desajeitados com gosto de surpresa. Daquele reino fundado na chuva.

"É você, Lídia. É você".

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