sexta-feira, 20 de abril de 2012

CAROLINA E O RATO

Na manhã mais linda do planeta nasceu Carolina. Uma menina linda, pequenina, de olhos azulados e cabelos castanhos clarinhos, quase avermelhados, como o seu pai, que estava há milhares de quilômetros dali. Longe, alheio, distante. Não porque ele fosse um pai ruim. Ele simplesmente não era pai algum. Não sabia da existência de Carolina, sequer da gravidez da sua antiga namorada com que não havia falado mais desde que tinham se separado. Ele seguiu seu caminho solitário, como lhe era habitual. A busca pelas novas aventuras, novos portos, novos ares. Seu mundo deveria caber em seu bolso, sem amarras, sem raízes, sem seriedades. Aquela criança irresponsável de 30 anos. 

Um arco-íris saudava Carolina, na janela do quarto em que ela e sua mãe se conheciam pela primeira vez.

Mas a vida foi dura com Carolina. Ela perdeu a sua mãe cedo e passou a viver com os seus avós. Aos 16, saiu de casa para viver com um namorado em Buenos Aires. Experimentou drogas, decidiu que não precisava estudar e que a vida seria a sua educação superior. Queria ser livre, errante, queria uma mochila nas costas e uma boa máquina fotográfica. E assim viveu por alguns anos difíceis, de grandes privações e perigos.

Aos 19 voltou para a casa dos seus avós. Parecia exausta daquela vida sem rumo. Queria um eixo. Queria cuidar-se. Magra como uma bailarina, fez sua vó chorar escondida. Os cabelos sujos, as unhas descuidadas, as roupas puídas, aquele punhado de objetos que cabiam numa sacola e eram todo o patrimônio de Carolina. Aquela menina linda, aquela menina perdida, aquela menina esquecida. 

Contra a vontade dos seus avós, decidiu procurar o seu pai que, àquela altura, deveria beirar pouco mais de 50 anos. Tinha uma foto antiga, aquele sorriso galanteador de homem metido à estrela de cinema, com óculos escuros e o cabelo cuidadosamente desfeito. Aquele homem que havia feito sua mãe em pedaços, aquele homem que sua mãe jamais havia esquecido. 

Um nome, um endereço, um telefone. Era fácil demais rastreá-lo. Queria encontrá-lo. Confrontá-lo. Dizer a ele uma torrente de ofensas guardadas, de mágoas, de faltas, de ausências. "Onde estava ele quando ela precisou? Onde estava ele para salvá-la, protegê-la dos perigos da noite?". Aquele fantasma. O príncipe. O vampiro. 

Carolina decidiu caçá-lo. Gata e rato.

Com grande facilidade, descobriu que ele havia embarcado num cruzeiro. Com ajuda dos seus avós, comprou passagem e acomodação modesta. Juntou suas coisas e foi atrás de sua presa. Tinha um roteiro muito bem definido de tudo que iria fazer. Tudo que iria dizer a ele. 

Ela o faria em pedaços. 

Encontrou-o no primeiro dia. Galanteador, saboreando drinks exóticos na piscina, flertando até com as gaivotas. E continuou observando-o, dia após dia, até encontrá-lo no bar. Aquele homem sozinho, de meia idade, vivendo um tempo que lhe havia escapado. Bonito, ainda, cabelos brancos, uma alma só. Apresentou-se, sem cerimônia, mas ficou sem reação ao testemunhar aquele homem se desfazer diante dos seus olhos. Aquele homem frágil, que buscou em seu colo um consolo. 

Não havia mais roteiro. Aquele encontro seria fruto de improviso.

Narraram as vidas um do outro, com facilidade. Alguns risos, algumas lágrimas, mãos e abraços desajeitados. Falaram de música, de livros, de arte. Tanto em comum. Discutiram sanduíches e queijos sofisticados; cervejas baratas e vinhos especiais. Falaram de filmes. De fotografias. De viagens inesquecíveis. Do tempo em que Carolina viveu em Buenos Aires, de quando ele visitou a Turquia. Tomaram sorvetes. Fumaram charutos e beberam whisky. Envoltos naquela fumaça saborosa, o oceano azul cortando as janelas atrás de suas costas, estavam ali pai e filha, aqueles dois estranhos com duas vidas tão semelhantes. 

Carolina tinha uma tatuagem no pulso direito, "713". Seu número predileto e justamente aqueles que eram os números da sorte de seu pai, "7" e "13". Assustavam-se. Falaram de amores passados, perdidos, corações partidos. Falaram de sua mãe, por um longo tempo, que ele lembrava com carinho e saudade. Ela mostrou uma linda foto, sua mãe sentada à janela, como uma pintura. Ele segurou a foto por longos instantes, suspiros, falta de palavras. Aquela dor, aquela culpa, aquela impossibilidade de refazer o que foi desfeito. Ele tocava o rosto de sua filha, seu cabelo. Olhavam-se, com espanto e curiosidade e enxergavam-se nos olhos um do outro. Eram pai e filha, não havia dúvida. 

E descobriam, ali, que não estavam mais sós.

Ele planejava. Carolina, aqueles olhos tristes, pequeninos, desconversava. A voz baixa, sussurrada, tímida. Ele queria refazer a vida dela, ajudá-la. Estudos, emprego, o conforto do seu apartamento. Carolina teria tudo, teria o mundo, teria a vida que sempre mereceu. Ele buscara Carolina na queda, não a deixaria cair. E cuidaria dela. 

Feito animal selvagem, ela cedia pouco a pouco. Porque ficou claro para ambos que não havia mentiras ali. Nem charme. Nem tipo. Nem pose. Nem tempo para nada disso. Havia uma menina com quem a vida havia sido muito dura. E um homem de meia idade, sem rumo, que descobria uma filha aos 50 anos. 

Aqueles dois órfãos. 

Carolina queria conhecer a Turquia, disse. Ele sorriu, concordando. "Sim, aquela viagem inesquecível"

Iriam a Disney World, primeiro. 

Um comentário:

ione gonzalez disse...

Bonito.