sábado, 7 de abril de 2012

VOVÓ E A RAINHA

Desde que era criança, a minha vó tinha o hábito curioso de falar sozinha. Nada demais, "coisa da idade", minha mãe dizia. Curioso, eu perguntava com quem ela falava; ao que ela respondia, aquele sorriso largo, iluminado, que "falava com as flores, os pássaros, o vento, os objetos inanimados, as pessoas que já não estavam mais entre nós". E ria, ria alto, e nos abraçávamos. 

Posso dizer que tive a avó que todos desejariam ter. Uma avó que parecia ter sido escrita como um personagem de história infantil. Os cabelos ondulados, presos à cabeça, os óculos pequeninos e redondos, como uma bibliotecária. Aquele perfume adocicado, o toque leve, a voz quase sussurrada, aquele sotaque engraçado, de quem havia fugido da Alemanha com a roupa do corpo e um diamante no estômago. 

Aquela presença flutuante. Bolos e biscoitos assados quando voltávamos das brincadeiras juvenis. Os natais mais iluminados, os remédios caseiros, os presentes que nem sabíamos que queríamos, os banhos de piscina, as férias de verão mais inesquecíveis. A minha vó, sozinha, é responsável pela quase totalidade das lembranças felizes da minha infância. 

Minha queridinha, minha amiga, minha estrela.

Perdemos meu avô muito cedo, de modo que não tenho muitas recordações dele. Desde que consigo me lembrar, era apenas a minha vó, sozinha naquela casa cheia de quartos onde brincávamos de nos esconder. Aquele ser iluminado ao redor do qual orbitávamos, feito planetas carentes. Aquele sistema solar movido exclusivamente pelo amor de uma mulher que tinha na união da sua família o único objetivo da sua vida. Sua alegria era nos ver felizes. Sua desolação era compartilhar nossas tristezas. Não importasse a vitória, "você mereceu", ela nos dizia. Não importasse a decepção, "isso vai passar", ela nos dizia.

Não houve muito tempo para despedidas, quando vovó começou a adoecer. Subitamente, a senilidade a sequestrou e, por segundos fugazes, ela voltava para nós. Mas, na grande parte do tempo, ela já não se lembrava mais de mim, de nenhum de nós, e isso era devastador. Porque era como se já não a tivéssemos mais com a gente; apenas aquela presença rarefeita, aqueles olhos aguados, distantes, aquelas palavras desconexas, os papeis trocados, os nomes confundidos, a linha do tempo retorcida. 

Não havia mais bolos, nem abraços.

Nos últimos dias da sua vida, nos revezávamos na sua casa. Todos sabíamos que eram os seus últimos momentos, não havia como negar. Vovó começava a partir, feito estrela cadente. E era como se ela estivesse desaparecendo. Aquela luz da tarde cobrindo os seus olhos distantes, o horizonte vazio, ouvindo-nos sem nos escutar. 

No último dia que a vi, uma terça-feira chuvosa, como são os dias de despedidas, vovó balbuciava e ria feito criança. Sozinha, em sua cadeira de leitura, tomava chá e falava alemão sem parar. Falava lindamente, como nos bons tempos. E fico feliz que minha última recordação dela seja justamente esta. Vovó, sentada na poltrona, seu robe de seda, uma xícara de chá em mãos, falando alemão, ainda que estivesse falando sozinha. Aquelas palavras fortes, arranhadas, que eu não fazia ideia o que significavam. Mas ela sorria, demonstrava surpresa, felicidade. "Com quem você tanto conversa, vovó?", eu perguntei. E ela então me disse que conversava com Madame la Dauphine, Marie Antoinette. Ou Maria Antonia, como ela parecia preferir.

Que motivo no mundo, naquele momento, eu poderia ter para repreendê-la? Vovó estava conversando com a Rainha da França, não me cabia interromper a conversa. Então fiquei ali, olhando-a por horas, as lágrimas inconvenientes vindo nublar os meus olhos. Vovó, por longas horas, entretida naquela conversa incompreensível, movida pelo seu cérebro há tanto tempo perdido. 

Ela não acordou mais, na manhã seguinte. Foi embora em seus sonhos, como deve ser. Um a um nos despedimos. Aquele funeral longo, aquele mar de pessoas, aquela nossa avó tão querida. E até hoje me espanto como quão injusta a vida pode ser, porque a gravidade leva sempre os melhores primeiro. E sinto saudade de vovó até hoje, feito uma ferida aberta. 

* * * 

Imagine só, Yolande, que tive o mais peculiar dos sonhos essa noite. Conversava por horas com a mais simpática das senhoras, num alemão engraçado, devo dizer; ela vestia-se de maneira um tanto engraçada, também, e falava de coisas que não me eram muito compreensíveis, confesso. Mas tudo foi tão agradável e real.

Mas a dama de companhia estava entretida demais com sapatos, leques e fitas, para dar ouvidos à rainha. Aquela chuvosa manhã de terça-feira.

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