terça-feira, 10 de novembro de 2015

FEITO HOMEM E MULHER


Eles decidiram ficar enroscados sobre a cama, braços e pernas misturados, ele com seu rosto afundado no pescoço dela, envolvido num manto negro ondulado, aquela cabeleira com cheiro de infância; aquele labirinto do qual ele não queria mais sair.

"Eu amo você", ele quis dizer.

Mas optou pelo silêncio das sensações. A meia luz do quarto, as janelas cintilando do outro lado da rua, a roupa dela com cheiro de aeroporto, o batimento leve do coração no seu peito, a sua respiração leve. Ficaram se olhando, ele fazia carinho no rosto dela, caminhando com os dedos até a cintura, aquele corpo andino, secreto, que o enchia de desejos inconfessáveis. Havia um lar, no calor do corpo dela, e ele não queria sair dali. Nunca mais.

Decidiram sair para jantar e ver um show. "É perto daqui", ela disse com aquele seu ar internacional. Os dois atravessaram alguns blocos de mãos dadas, o frio leve da noite causando arrepio, os sinais fechados, as pessoas passando em todas as direções. Ele e ela, ali, sozinhos. As únicas pessoas do mundo.

A única coisa que importava.
Ela.

Comeram, beberam, sorriram, envoltos numa penumbra de nostalgia e incerteza. Olhando-se, de lados opostos da mesa, mãos se procurando, curiosas, carinhosas. Provando do prato um do outro, sentindo a razão desaparecer a cada novo gole de vinho. Ele tirando fotografias, reais, mentais. Registros que pudessem ser provas de que tudo aquilo era real.

"Venha sentar aqui do meu lado",  ela disse, leonina, os olhos pequeninos, eloquentes, a boca entreaberta, meio sorriso, puro mistério. E ele obedeceu, sem titubear, abraçando-a enquanto as luzes começavam a se apagar e o palco à frente deles era tomado por músicos e dançarinos. O som tomando conta do espaço, a beleza das canções e dos movimentos, e ela ali, dentro dos seus braços, naquela noite sem nome, daquele domingo qualquer.

No caminho de volta, a cidade já havia começado a adormecer. A madrugada dos gatos, fria, silenciosa, iluminada pelos faróis dos carros solitários e dos postes incansáveis. O elevador do hotel era um terceiro personagem, prólogo da noite, beijos e carícias de quem havia esperado tempo demais. Corpos, mãos, bocas, procurando-se incansavelmente.

As roupas foram abandonadas pelo caminho, na medida em que atravessavam da pequena sala até o quarto. Blusa, bota, camisa, sapato, calça, marcando o trajeto sem fim, até que se encontraram verticalmente e horizontalmente, embriagados por vinho e saliva, sob lençóis desfeitos e gritos contidos.

Ela sussurrava qualquer coisa em seu ouvido, enquanto parecia querer rasgar as suas costas com unhas vermelhas, afiadas. "Eu sinto cada pedaço de você dentro de mim", pareceu falar em algum momento. E ficaram ali, entrelaçados, ele beijando sedento cada canto, cada reentrância daquele corpo que por tanto tempo ele havia desejado.

Mãos se encontrando, pernas misturadas, suor, bocas que beijavam e mordiam. Movendo-se, revirando-se, perdendo e reencontrando o caminho de volta, virando uma coisa só sobre a cama que os engolia sob o silêncio da noite.

Adormeceram, como quem descansa da luta. Com o sol, meio lilás meio vermelho, traçando contornos de poesia no quarto. Ela, abraçada sobre o seu peito, ele com as mãos em volta do seu quadril, juntos, para sempre, naquele tempo fugaz, etéreo.

Ele fechou os olhos, beijou a sua cabeça, enquanto acariciava com dedos leves as linhas das costas dela. Nua, sua.

Feitos um para o outro.
Feito homem e mulher.

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