quinta-feira, 5 de março de 2015

COWBOYS E ÍNDIOS - EPÍLOGO


Os vizinhos, aflitos, sabiam o que aqueles barulhos significavam e não demorou até a polícia chegar. E, menos ainda, para os peritos criminais. A porta escancarada, guardada por um oficial truculento, emoldurava uma dezena de olhares curiosos diante da cena de tragédia urbana escancarada no chão da sala.

Um televisor ligado num filme qualquer, cortinas voando na janela aberta feito bandeiras num campo de batalha, um abajur derrubado e três corpos estirados no chão, unidos por uma poça coletiva de sangue, vermelho, parecendo flutuar num charco pegajoso que já havia conquistado o carpete da casa quase por completo.

Lá estava uma mulher seminua cujo rosto havia sido desfigurado por conta do tiro certeiro, entre os olhos, revelando um buraco chamuscado por onde escorriam miolos e sangue grosso misturados com cabelo e pedaços de ossos. Um rapaz, sem camisa, estava no chão perto da mulher. Descalço, de calça jeans, tinha um buraco no pescoço e parecia preso ao chão feito concreto, os olhos de vidro paralizados no teto. Por fim, um homem de meia idade, vestindo terno e gravata, cujas têmporas haviam sido estouradas por sua própria vontade.

O perito caminhou, lentamente, entre os cadáveres, observando os cantos da cena com olhos curiosos, entercalando baforadas de cigarro e longos suspiros na varanda do apartamento pequeno. Seus pensamentos pareciam se perder entre cada novo flash da máquina fotográfica da equipe criminalística.

"É a dureza, a tristeza e a feiura da vida", comentou com um outro perito. "Crime passional. Homem encontra mulher com amante, mata o casal e se mata em seguida". Suspirou, um trago no cigarro, "devia amar muito essa mulher". Ficou contemplando os corpos no chão, enquanto um outro perito inventariava as evidências. Até ter o seu pensamento interrompido pelo seu parceiro.

"Mas o que explica o sorriso no rosto dele?", apontou para o homem que havia atirado na própria cabeça. "Honestamente? Acho que eu nunca vi alguém tão feliz".

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