domingo, 1 de setembro de 2013

DEZEMBRO

Após todo aquele tempo, aquela contagem sem fim de meses, anos; aquele tempo todo, passado, a conta perdida, lá estavam eles, novamente. Frente a frente, o grande salão separando-os pela distância de um punhado de passos. 

Entre eles, pessoas dançando, bebendo, jogando conversa fora, todos aguardando pelo minuto final, quando dezembro viraria janeiro e um novo ano se descortinaria diante dos seus olhos, feito mágica. A poesia do recomeço. A metáfora perfeita.

Olhavam-se, mas sem nenhum dos dois dar um passo. Orgulhosos, nenhum desejava demonstrar o sentimento da perda, que parecia brotar no elo entre os seus olhos. Aquele tempo, tanto tempo, perdido. Sorriam, discretamente; evitavam-se para então buscarem um ao outro. 

Cruzavam-se, fingindo não se verem, como se brincassem um jogo só deles, aquela energia voltando gradualmente, eletrizante, trazendo consigo os arrepios, as borboletas de abdômen, a adrenalina. Como se ainda fossem aqueles, de antes. 

De ontem.

Disfarçavam entretenimento na companhia de outras pessoas, numa taça de vinho, na contagem dos ponteiros do relógio. Ela caminhou até a ampla sacada, para ver as luzes da cidade, ele fingia interesse numa história que escutava. Ela então apoiou as suas costas na balaustrada, lançando um olhar de intimação. E ele respondeu com um aceno discreto.

A combinação de números no seu relógio dizia que menos de 3 minutos separavam o ano velho do ano novo. Ele sorriu, escondendo um suspiro. Surrupiou duas taças e uma garrafa de espumante, que parecia congelar os seus dedos. 

E seguiu até o encontro dela, como se saboreasse cada passo, como se caminhasse de olhos vendados por uma avenida movimentada. Como se houvesse um laço nos olhos dela, que o traziam prisioneiro. Sorria. Sorriam. Aquela troca de segredos sem verbo, eles que sabiam exatamente do que falavam.

E lá estava ela, exuberante, os cabelos longos cascateando sobre os seus ombros descobertos; aqueles ombros sardentos, aquelas constelações anônimas que ele havia batizado com beijos. Os olhos eloquentes, penetrantes, como os de uma princesa caçadora. A cintura envelopada num vestido elegante, de onde um decote discreto e provocante mexia com a honestidade de todos os homens naquela festa.

Na falta de definições mais elaboradas, a mais bela mulher na face da terra.

Lá estava aquele sol incandescente, o seu sol particular, e era como se ele sentisse derreter a sua pele de satélite. Sua pele indefesa, sua alma cativa, suas pernas, e braços, e olhos que novamente agiam por vontade própria, capturados pelo magnetismo. Aquela mulher imantada, seu amor infantil. 

Cumprimentaram-se, republicanamente. Para então cederem ao cumprimento verdadeiro, o que realmente queriam. Ele escorregou as mãos por sua cintura, apoiando o seu rosto no seu ombro, os olhos fechados, enuviados por aquele cheiro castanho, de coisa antiga, respirando em seu pescoço algumas palavras sem necessidade de conexão frasal.

Suspiravam, as mãos afagando com saudade.

Ela enroscou as pontas dos dedos por entre os fios cada vez mais prateados, que narravam cansados a história do que um dia também foi um cabelo escuro. E então segurou o seu rosto com as duas mãos, beijando a sua boca sem aviso, como se quisesse assegurar que ele não iria a lugar nenhum.

Sorriam, juntos, bocas que eram beijo e palavra sem asa.

As luzes começavam a ganhar as esquinas que os cercavam. Fogos de artifício e todo o tipo de grito e celebração. Primeiramente de forma contida, espaçada, para então a cidade inteira ser engolida numa chuva contagiante de virada de ano. Tudo novo, de novo.

Uma nova história começava a ser escrita ali, ela sussurrou no seu ombro, na carona embriagante daquele reveillon. Aninhou-se em seus braços, os olhos fechados, protegendo-se na noite.

Ficaram ali, por horas, trocando todo o tipo de confissão, relatando uma história pretérita, entrecortando palavras e bebida, perdendo a noção da noite que pouco a pouco começava a virar dia. 

O mar quebrava na praia, não longe dali. O som inconfundível das ondas batendo na areia.

"Feliz ano novo", ela disse, aquele sorriso ébrio, os olhos brilhando, o corpo comunicando entrega.

Ela só não sabia que ele não viveria nem mais um mês depois dali.

Mas de que valia esta história? De que valeria esta verdade, naquele dia que amanhecia salino e com sabor de lembrança? De que valia perder os dedos enrolados, como cadeados? O gosto do batom que se misturava à bebida, a pele arrepiada ao vento, o cabelo que vendava os seus sonhos, o corpo dela encostado no seu, enquanto o sol rasgava o horizonte. Procurando-se, afoitos, sedentos, saudades.

"Feliz ano novo". 

Nenhum comentário: