terça-feira, 2 de julho de 2013

QUEBRA DE CONTRATO

"São apenas cascas de ovos", ele dizia para si mesmo enquanto caminhava pelo apartamento decrépito, "são apenas cascas de ovos". Mas ele sabia, ele sabia, que as cascas de ovos se movimentavam sob a sola do seu sapato.

O lugar era um amontoado de roupas ou restos de roupas, e de coisas, espalhadas pelo que um dia foi um sofá, uma sala. A pia na cozinha amarelada cascateava com louça imunda que, após tanto tempo, já havia se transformado numa amálgama de mofo, limo, de onde pequeninos filetes de água marrom escorriam como veias pequeninas.

"Plac, plac, plac", a torneira gotejava, ecoando naquela caverna de silêncios, "plac, plac, plac".

As paredes descascavam por trás dos quadros tortos e a luz projetada no lugar, atravessando as cortinas puídas e penduradas, davam ao espaço uma alma angustiante, de covil, de esconderijo.

E de perigo. 

Sons ocasionais capturavam a sua atenção enquanto ele caminhava, passo ante passo, rumo ao quarto. Uma escada de madeira, com tábuas rangendo sob os seus pés, e a porta, semi-aberta, denunciando algum movimento em seu interior.

Lâmpadas quebradas, queimadas, pendiam do teto como frutas apodrecidas numa árvore invernal. E o banheiro escancarado o obrigou a cobrir o rosto com um lenço enquanto ele passava pelo corredor escuro; insetos congestionavam o seu ouvido com tráfego intenso, indiferentes ao movimento das suas mãos tentando espantá-los sem sucesso.

Fechou os olhos por alguns instantes, respirou fundo, e seguiu em frente. 

"São apenas cascas de ovos".

Colocou a mão na maçaneta da porta, fria e viscosa, segurando-a por alguns instantes. Vacilante. E abriu vagarosamente, inundando o ambiente com um som de ferrugem, clichê de filme de terror, enquanto a porta rangia preguiçosamente à sua frente. 

E então a viu. Deitada sobre a cama, cobrindo a fragilidade da sua nudez com trapos, as unhas negras empalando o colchão descoberto. Os olhos, aqueles olhos amarelos, gigantes, felinos, fixos nos seus. A pele branca, quase transparente, lisa feito mármore, tatuada por um sem número de veias azuladas. O rosto imóvel, lábios semi-cerrados, denunciando uma respiração arfante, de bote, uma máscara de terror que o acompanhava centímetro por centímetro enquanto ele entrava no quarto. Estuando-o.

A sua mão tremia enquanto ele buscava a arma guardada sob o cinto, em suas costas. Verificou se a trava estava solta e encostou levemente o dedo no gatilho, enquanto emoldurava a criatura no seu campo de visão. E a... criatura permanecia imóvel, aqueles olhos fixos, amarelos, invadindo o seu rosto como holofotes.

Parou, inerte, como uma estátua diante daquela cena pavorosa. Aquele pesadelo vivo. E sentiu pena do seu alvo, da caça.

"Não tenho mais idade para essa merda".

Aproximou-se, o cheiro ácido invadindo os seus pulmões, fazendo-o prender a respiração. Encaixou a arma nos dedos da criatura e se afastou. Talvez aquilo era o que os contratantes chamavam de "misericórdia".

Ele queria uma xícara de café. Sentia saudade de café.

"Meu Deus, eu cortaria um braço por uma xícara de café".

Para ele, simplesmente alguns dias não eram do caçador. E tampouco da caça. Alguns dias simplesmente não deveriam existir. Deu as costas ao quarto e foi embora, fechando a porta atrás de si. E então desapareceu nas sombras do prédio abandonado.

Minutos depois, um bando de pássaros voou assustado, não longe dali.

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