sexta-feira, 19 de julho de 2013

O VESTIDO PRETO

"O amor é o que permanecerá", as palavras do padre ainda ecoavam em sua mente enquanto ela mexia nas roupas amontoadas dentro do armário. "Então amem, amem; e isso bastará".

Pinçou um vestido preto cuidadosamente, o seu preferido, o que há anos não entrava mais e, por um instante fugaz, sentiu raiva daquele padre estúpido e das suas palavras vazias. Queria poder entrar naquele vestido preto novamente, mas também esse pensamento rapidamente voava pela janela.

Suspirava.

Ela tentou, ao seu jeito. Entregou-se ao perigoso esporte de comprar coisas inúteis para preencher os vazios em sua vida, mas apenas se endividou além do imaginável. Encontrou hobbies com a mesma velocidade que os abandonou. Arrumou um amante que acabou transformando em inimigo. Passou a comer, então; aquele amor de fácil acesso e que não pede nada em troca. Mais e mais. Até que não coube mais em seu vestido preto. 

E em muitos outros. Mas era daquele que mais sentia falta. Porque ela sabia que ficava bonita nele, que se sentia bonita nele; desejável, que atraia olhares. Ela era jovem, tinha a vida inteira pela frente para fazer o que bem quisesse. Aquela juventude que não passaria nunca.

E então se deparava com a parede das suas soluções que se transformavam em novos problemas. Respirou fundo, de olhos fechados, precisava se acalmar.

Sentou-se à mesa com o seu marido para mais um jantar silencioso. A televisão, quase muda, não muito longe dali. Três, quatro palavras trocadas aleatoriamente e precisamente ignoradas entre o barulho dos talheres. Ela olhou para as suas mãos, sem reconhecê-las. "De quem são essas mãos?", pensou. Aquele tempo que fugia tão rápido quanto os seus pensamentos concretos.

"Meus Deus, eu faço tudo tão errado", deixou escapar com um suspiro, uma mão apoiando a cabeça.

"Para mim está tudo ótimo", ele respondeu, os olhos fixos no prato.

Ao que ela virou o seu rosto para ele com uma máscara de decepção e fúria; os olhos fixos naquele homem que ela havia escolhido tantos anos antes e que já nem conseguia mais entender o motivo. 

Sentia uma raiva primitiva, que fazia a sua mente flutuar pensamentos absurdos em que ela voaria por cima da mesa e o apunhalaria com uma daquelas facas; só para então voltar à realidade após perder o controle daquela ideia. "Que culpa tinha ele?", pensava.

"A culpa é minha", fechava os olhos, "só minha".

"Eu poderia sempre voltar para Savannah", ela confortava a si mesma. "Esquecer disso aqui tudo, inventar outra vida". Mas o que havia em Savannah?

Ela imediatamente lembrava daquele cemitério, esquecido no meio da cidade, os prédios fazendo sombras sobre as lápides. Aquelas centenas de vidas, sob os seus pés. O céu de tantos sob os seus pés.

"E eu estarei ali um dia", pensava, "quando tudo isso aqui tiver acabado".

Bebeu o último gole de vinho, que fez escorregar alguns tomates-cereja pela sua garganta. Sentia os olhos úmidos, as mãos amarradas por todo o tipo de impossibilidade abstrata, o coração galopando dentro do seu peito. "Não sei se ainda dá tempo". 

E ela só conseguia pensar em como gostaria de entrar naquele vestido preto novamente.

E assim ela o fez.

50 anos depois.

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