"As pessoas tem o direito de fazerem o que bem quiserem das suas vidas", ele pensava consigo no longo caminho ao aeroporto. "É assim que a roda gira". E sentia o seu estômago se contorcer toda vez que via uma placa de trânsito indicando "aeroporto".
Ela estava indo embora.
Nenhum dos dois entendia, plenamente, a cadeia de eventos que havia resultado naquele momento tão estrangeiro, fora de tom, deslocado, naquela história que eles não pressupunham poder acabar.
Ele gostava dela, ela sabia; ela gostava dele também. Eventualmente a vida desempenhou o seu hábil papel, manipulando as circunstâncias, criando novas regras para o jogo, inserindo novas variáveis e, quando menos perceberam, lá estavam os dois, dentro do carro, rumo ao aeroporto.
O rádio soava algo repetitivo, ignorado pelo peso dos seus pensamentos e do seu silêncio. Ela tinha que ir mas, sendo mulher, sofria por ele não sofrer. Pelo menos, por ele aparentemente não sofrer diante da separação iminente. "Ele é tão duro, tão racional", ela pensava, enxugando uma lágrima solitária com as costas da mão.
"Você está resfriada?".
"Acho que sim".
Mas ele chorava, escondido, todas as vezes que ela fazia café da manhã para ele. Foi assim desde o dia que ele soube que ela partiria. Cafés, torradas, notícias. E aquelas lágrimas envergonhadas que ele ia secar sozinho.
Estacionaram o carro, o vento gelado congelando o peito. Barulho de rodinhas tamborilando no chão, competindo com as turbinas ensurdecedoras que dão a certeza do propósito do lugar. Setas amarelas, embarque, desembarque.
Sentaram em silêncio pelo que pareceu uma eternidade. As xícaras de café esfriando, parecendo flutuar pensamentos na carona da fumaça que dissipava.
"Dizem que é lindo por lá, essa época do ano", ela disse. Ao que ele acenou, concordando, os braços cruzados diante do peito, os olhos perdidos, vagueando.
"Você quer me dizer algo?". Ele negou com outro aceno.
Os ponteiros do relógio dançando melancolicamente, marcando o compasso dos desencontros e das despedidas. Pessoas indo e vindo, presentes, abraços, acenos, sorrisos, lágrimas. Toda a matéria que constitui um aeroporto.
"Eu não serei a última a te amar", ela pensava em silêncio, acariciando a mão dele. Aquele homem silencioso, secreto, habitante de um país solitário, onde ele reinava e mendicava. "Nós dois, sempre nas entrelinhas".
Deram-se as mãos, deixando não ditas as palavras pensadas.
"Acho que chegou a minha hora", ela se levantou, ajeitando o cabelo. Ele puxou a sua pequenina mala de mão, dando-lhe a outra mão para caminharem juntos.
"Ela leva tão pouco consigo, após todos esses anos", um pensamento que o revirou por dentro.
"Era só você que importava", ela pensou, como se conversassem por pensamento.
Como conversavam.
Caminharam em marcha lenta, até o portão de embarque internacional. Até que o fuso e a geografia os deixassem quase em planetas diferentes. As lojas de coisas inúteis ficando para trás, o ar contaminado por aquele cheiro de concreto e desinfetante, couro e papel. Cheiro de despedida.
Pararam por alguns instantes, diante um do outro, como se algo fosse acontecer. "Bom, acho que é isso", ela disse, um sorriso que escondia toda a dor do mundo.
E então ele se aproximou, abraçando-a delicadamente pela cintura, encaixando a sua cabeça no reino de paz absoluta que habitava entre o ombro e o cabelo dela. Aquele cheiro, o pêlo, o pano. E ela sentia o seu corpo arfando, soluçando, enquanto percebia aquele homem, sua fortaleza inconquistável, derretendo entre as suas mãos. Acariciou as suas costas, abraçando-o de volta.
E assim ela se foi.
E, como na vida não existem cenas de filme, e os finais felizes são tão raros como achar dinheiro no chão; sendo o desfecho de tudo o somatório das decisões - sejam elas equivocadas ou acertadas - os dois testemunharam o fim daquela história. Ali, naquele aeroporto sem cor, até ela desaparecer pelos detectores de metal e se misturar na multidão espalhada pelos portões, pelos números e letras, na expectativa das suas jornadas anônimas.
Não se viram nunca mais.
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