Obra da designer Boya Latumahina, que mistura imagens de gatos a fotos de constelações capturadas pelo telescópio Hubble.
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
EU TAMBÉM IDOLATRO O BILL MURRAY
Como o André Barcinski, eu também idolatro Bill Murray que - sem a menor sombra de dúvidas - é um rei. Como ele, também prefiro 5 segundos de silêncio de Bill Murray do que horas do seriado mais engraçado. A última aparição de Bill Murray, fazendo uma participação especial em Zombieland, é algo simplesmente inacreditável - como praticamente tudo o que ele faz. E, como o Barcinski, também registro meus parabéns atrasados a Bill Murray que, na semana passada, completou 60 anos. Queria poder abraçá-lo, carinhosamente. Como não posso, fica aqui uma homenagem breve: a maravilhosa cena em que ele, no papel de Bob ("Nosso querido Bob") admite que "tem problemas".
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EM DEFESA DO "AMERICAN WAY"
Clássica abertura do seriado "Superman" dos anos 50, estrelado por George Reeves.
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sábado, 25 de setembro de 2010
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
ENVERGONHADA (FALTA DE) POLÊMICA
Confesso que fiquei intrigado quando soube do roteiro de "Do Começo ao Fim", filme de Aluizio Abranches, sobre o relacionamento incestuoso (e homossexual) de dois irmãos. Tomás e Francisco, filhos de uma mesma mãe e pais diferentes, descobrem-se cúmplices e íntimos desde a infância. Os dois são próximos, "próximos até demais" e, apesar de certo estranhamento, acabam se envolvendo amorosamente.
Pelo trailer promocional, o filme prometia polêmica sem pudor, discussão de tabus e enfrentamento de uma inevitável carga de preconceito. Afinal, não seria apenas uma história sobre o relacionamento sexual entre dois homens, mas, principalmente, entre dois irmãos. E confesso que, após assistir aos 90 minutos de filme, todas as minhas expectativas foram frustradas. A história que prometia uma guerra, rapidamente se acovarda e parece, gradualmente, desistir da sua própria discussão. Tudo é tratado com superficialidade e naturalidade de tal maneira que qualquer possibilidade de conflitos interessantes é sufocada antes mesmo de ganhar corpo. Desde o princípio vamos compreendendo que não há muito o que esperar.
Tentei decifrar o mistério. Afinal, é um filme nacional, corajoso, bem produzido, com boa fotografia, trilha sonora adequada, com um elenco que - apesar de não brilhar - faz o que tem que ser feito (mérito para Julia Lemmertz, que se destaca sem dificuldade). O que pode ter dado errado? Acho que há, em verdade, um grande problema de roteiro. Aluizio Abranches não soube ao certo que desfecho dar aos seus personagens e, ao invés de lançá-los numa sofrida luta individual, repleta de questionamentos e preconceitos, escolheu o pior caminho possível: absolutamente nenhum. Os heróis, aqui, que poderiam matar e morrer por uma história de amor impossível parecem condenados, na verdade, a morrer de tédio.
Para mim, uma história como essa - do ponto de vista cinematográfico - só poderia ter dois finais: um bem piegas, mas competente em comover ao encerrar a história de duas almas verdadeiramente gêmeas ou um trágico (possivelmente mais interessante) no qual, como numa peça grega, nada pode terminar bem sem pelo menos algumas doses de sangue. E aí é que está a maior deficiência deste filme tão cheio de potencial: ele é tímido, envergonhado de si mesmo, reprimido e, inevitavelmente, enfadonho. O que, dada a temática, é ainda por cima uma ironia!
Imaginei que "Do Começo ao Fim" poderia ter traços e influências do poderoso e comovente "O Segredo de Brokeback Mountain", esse sim um filme que não teve nenhum medo em mostrar suas cores. Mas acho difícil alguém discordar que este filme, apesar de "bem intencionado", é fraco e inexpressivo. Do começo ao fim.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
"ELE ARRANCOU O DENTE ERRADO!"
Cena absurdamente hilária de "A nova transa da Pantera Cor-de-Rosa" (The Pink Panther Strikes Again), em que o Inspetor Clouseau (disfarçado de dentista) tenta tratar a dor de dente do vilão maluco, o seu ex-companheiro de polícia que acabou se tornando seu maior inimigo também. É tudo tão bem encenado (por ambos) que tenho cá minhas dúvidas, até hoje, se eles estavam mesmo sob efeito do gás anestésico... Peter Sellers, perfeito, sempre.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
terça-feira, 21 de setembro de 2010
LADRÕES, BICICLETAS E A CRUA BELEZA DA VIDA
"Ladrões de Bicicleta", filme de Vittorio De Sica (do neo-realismo italiano dos anos 40), é uma experiência arrebatadora e obrigatória para qualquer pessoa que goste de cinema. Não vou entrar na questão "científica" da coisa, pelo contrário, prefiro muito mais as reflexões subjetivas, de alma. A história, breve e quase banal (me lembra sempre o iraniano "Filhos do Paraíso", só que com outra abordagem sobre a esperança) narra a história de uma família italiana após o fim da II Guerra Mundial. Como todos os italianos, eles vivem uma vida dura e cheia de necessidades. O pai, Ricci, está desempregado, mas acaba de conseguir uma oportunidade de trabalho. A questão é que esta ocupação exige uma bicicleta e ele acabou de penhorar a que tinha e não tem dinheiro para comprar outra. Sua mulher, Maria, para reverter a situação, penhora os lençois de linho e recupera a bicicleta do marido. E assim ele começa a trabalhar pelas ruas, pregando cartazes de cinema. Mas eis que a sua valiosa bicicleta é roubada, dando início a uma jornada melancólica e desesperada, em que Ricci e seu filho pequeno, Bruno, correm as ruas buscando não apenas um objeto, um instrumento mundano de trabalho, mas uma rara e quase impossível fonte de esperança. Não vou me prender a detalhes e desdobramentos. Este é um daqueles filmes raros e obrigatórios em todos os sentidos. É um filme lindo, comovente, de uma fotografia tocante e costura perfeita de acontecimentos. Um filme que consegue "anoitecer" ao longo das cenas, abandonando a esperança iluminada e abraçando, gradualmente, a tristeza mais pessimista da realidade. Afinal, se a arte imita a vida, os finais felizes não são uma mercadoria tão comum. Uma preciosidade, um exemplo de onde o cinema - como arte - pode chegar na sua missão essencial de mexer com a mente, as emoções e a alma humana. Lindo, lindo demais.
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
terça-feira, 14 de setembro de 2010
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
A PRECIOSA TRILOGIA DO GRAAL
Enfim consegui finalizar a incrível "Trilogia do Graal", de Bernard Cornwell. "O Arqueiro", "O Andarilho" e "O Herege" narram as aventuras de um jovem arqueiro, Thomas Hook, e o seu envolvimento com a busca do Santo Graal, durante a guerra dos 100 anos. Para mim, foi muito mais que literatura; que experiência inacreditável esses três livros me proporcionaram! Quando tudo acabou, me senti um pouco órfão, fiquei sentindo saudade daquelas pessoas como se elas existissem de verdade e como se eu tivesse passado por aqueles eventos. É tudo tão belo e tão bem desenhado por Cornwell, como se os livros fossem um portal para aquele tempo de brutalidades e mistérios. Tive a mesma impressão com "Azincourt", também de Cornwell.
Em linhas gerais, esses três livros falam sobre Thomas, um jovem inglês beirando os 20 anos, exímio arqueiro, que vive numa cidadezinha costeira na Inglaterra chamada Hookton, onde dizem estar a lança que São Jorge usou para matar o dragão. Thomas é filho bastardo de um padre que todos julgam louco e que dedicou a vida a pesquisar sobre o Graal, o famoso cálice que Cristo teria utilizado na Última Ceia. Um dia, um grupo de mercenários liderado por um guerreiro misterioso conhecido como o "Arlequim", invade a pequena vila, mata o pai de Thomas e rouba a lança. Após sobreviver o massacre, ele decide embarcar para a França, determinado a recuperar a lança e se vingar pela morte do pai.
A única herança que restou do pai de Thomas é um velho diário, cheio de confusas anotações sobre o Santo Graal. E, inevitavelmente, o jovem arqueiro se vê envolvido com a própria busca do cálice sagrado. A partir daí, uma longa jornada marcada por grandes batalhas (como a de Crécy), o cerco a Calais e inúmeros perigos. Thomas conhece Ricardo, o príncipe negro de Gales; é preso, excomungado, torturado, traído, conhece mulheres por quem se apaixona e passa por aventuras incríveis.
Se o prêmio final, porém, é resgatado, não tenho nenhum interesse em estragar surpresas e deixo a dúvida para quem decidir se aventurar na companhia de Thomas Hook. O Graal seria um símbolo ou um artefato real? Estaria em cofres ou no imaginário dos homens? O que posso dizer é que Thomas cruzou três países, enfrentou tempestades, e desafiou a própria morte para descobrí-lo, justamente, no mais inesperado dos lugares. Absolutamente precioso.
Em linhas gerais, esses três livros falam sobre Thomas, um jovem inglês beirando os 20 anos, exímio arqueiro, que vive numa cidadezinha costeira na Inglaterra chamada Hookton, onde dizem estar a lança que São Jorge usou para matar o dragão. Thomas é filho bastardo de um padre que todos julgam louco e que dedicou a vida a pesquisar sobre o Graal, o famoso cálice que Cristo teria utilizado na Última Ceia. Um dia, um grupo de mercenários liderado por um guerreiro misterioso conhecido como o "Arlequim", invade a pequena vila, mata o pai de Thomas e rouba a lança. Após sobreviver o massacre, ele decide embarcar para a França, determinado a recuperar a lança e se vingar pela morte do pai.
A única herança que restou do pai de Thomas é um velho diário, cheio de confusas anotações sobre o Santo Graal. E, inevitavelmente, o jovem arqueiro se vê envolvido com a própria busca do cálice sagrado. A partir daí, uma longa jornada marcada por grandes batalhas (como a de Crécy), o cerco a Calais e inúmeros perigos. Thomas conhece Ricardo, o príncipe negro de Gales; é preso, excomungado, torturado, traído, conhece mulheres por quem se apaixona e passa por aventuras incríveis.
Se o prêmio final, porém, é resgatado, não tenho nenhum interesse em estragar surpresas e deixo a dúvida para quem decidir se aventurar na companhia de Thomas Hook. O Graal seria um símbolo ou um artefato real? Estaria em cofres ou no imaginário dos homens? O que posso dizer é que Thomas cruzou três países, enfrentou tempestades, e desafiou a própria morte para descobrí-lo, justamente, no mais inesperado dos lugares. Absolutamente precioso.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
JANTAR PARA ALICE
Como fazia todos os dias, ele acordou bem cedo para fazer café. Colheu um punhado de amoras e tangerinas no quintal, que cortou em pedaços e fez suco. Tentou passar mel em fatias de pão, mas suas mãos cada vez mais trêmulas já não permitiam muita precisão. Uma rosa solitária, um guardanapo de linho e pequeninos biscoitos de aveia. Todos os dias. E estava pronta a bandeja com o café da manhã de Alice.
Subiu a escada com muito cuidado, planejando cada passo, cada degrau. Lamentava as gotas derramadas e a pequena bagunça que o trajeto impunha à sua bandeja, porque ele queria que tudo estivesse perfeito para Alice. Ela gostava de ser acordada assim, desde quando ainda namoravam. Alice gostava de tomar café na cama.
Mas Alice estava doente, há tanto tempo, que aquele café da manhã não passava de um adorno diário em sua cama. Ela sorria e agradecia com muita dificuldade, enquanto dedilhava os itens espalhados cuidadosamente na bandeja. Mas isso não tinha a menor importância. Era o que ele gostava de fazer por Alice; era o que ainda conseguia fazer por Alice, e ficava feliz com isso.
Estavam juntos há tanto tempo que já nem lembravam mais. As décadas, sobrepostas como livros de histórias, eram muitas. Uma vida juntos. Uma vida feliz juntos. E ele sabia, era inevitável, que estavam diante do ocaso dos seus dias. Mas ainda se desesperava com a ideia de que Alice fosse embora antes.
"Que ela não fosse embora sem ele". Era tudo o que ele queria.
Sentado, na beirada da cama, acariciava os longos cabelos de Alice, gris e prateados, levemente ondulados e ainda tão cheios e bonitos, esparramados sobre o travesseiro. E Alice sorria, com aquele carinho familiar. Ele tocava a sua testa com cuidado e se esforçava para que os dedos trêmulos não fossem por demais inconvenientes. Às vezes Alice retribuia, tocando-lhe a mão, outras vezes voltava a dormir.
Filhos, netos, um lar. Não sabia como medir a gratidão por aquela mulher que havia lhe dado uma vida tão feliz. Não havia nada incompleto, nada pendente. Na companhia de Alice, viu, sentiu, experimentou e conheceu tudo o que julgavam necessário. E, talvez por causa disso, se contentassem com aquela vida de silêncios naquela casa enorme onde o tempo parecia ter parado.
Foi caminhar sozinho no pequeno pomar, ao redor da casa, como gostavam de fazer quando Alice ainda tinha saúde. Há tantos anos Alice quase não saia do quarto. Sentiu o sol morno sobre o rosto e um vento repentino que o fez abotoar o casaco. Havia uma umidade na relva, um cheiro de terra molhada, e ele lembrou da chuva na noite anterior. E imaginou, com certa conformação, que o dia não teria muito mais a oferecer.
Quando o horizonte começou a ganhar tons violeta e caramelo ele decidiu fazer uma sopa. Não sabia fazer sopa, mas imaginou que não deveria ser muito difícil. Cortou legumes de forma irregular, esquentou água. Temperos não muito ortodoxos e uma profunda dificuldade em diferenciar sal e açucar. Mas ele queria fazer jantar para Alice.
Subiu os degraus com dificuldade, equilibrando a sopa como se fosse uma bandeja de cristais. O líquido derramava pelas beiradas, sujava seus dedos, e ele praguejava baixinho por causa daquelas mãos que já não lhe serviam tão bem. Queria que Alice gostasse da sopa, porque ela apreciava surpresas.
Abriu vagarosamente a porta. O quarto, inundado pelo pôr-do-sol à janela, estava coberto de tons alaranjados que deixavam Alice especialmente iluminada. Colocou a sopa com cuidado sobre a cômoda e acordou Alice. Ela abriu os olhos, sentou-se com esfoço e ele ajudou-a a experimentar a sopa, que parecia estar boa.
Alice só não lembrava mais quem ele era. E isso sempre o deixava tão triste.
"Achei que você fosse gostar de uma sopa".
"Achei que você não sabia fazer sopa".
E naquele instante, tão breve e fugaz, Alice olhou-o nos olhos com tanta familiaridade que ele não conseguiu evitar marejar os olhos.
Na manhã seguinte, aquela manhã agridoce, de chuvas e lutos, os dois voltariam a caminhar juntos no pomar.
"ENLOUQUEÇO SEM VOCÊ"
"Basket case". Linda, linda música de "Kaleidoscope Heart", novo álbum da Sara Bareilles que fala, simplesmente, do que é enlouquecer sem alguém. Uma presença imperfeita, mas que não conseguimos imaginar nossa vida sem ela. Ouvindo em loop.
I don't want to talk about it to you
I'm not an open book that you can rifle through
The cold hard truth that you'll see right to
I'm just basket case without you
He's not a magic man or a perfect fit
But had a steady hand and I got used to it
And a glass cage heart and invited me in
And now I'm just a basket case without him
You're begging for the truth
So I'm saying it to you
I've been saving your place
And what good does it do?
Now I'm just a basket case
Now I'm just a basket case
I don't say much and it'll stay that way
You got a steel train touch and I'm just a track you lay
So I'll stay right here underneath you
I'm just a basket case and that´s what we do
You're begging for the truth
So I'm saying it to you
I've been saving your place
And what good does it do?
Now I'm just a basket case
Won't somebody come on in and tug at my seams?
Oh, send your armies in of robbers and thieves
To steal the state I'm in I don't want it anymore
You're begging for the truth
So I'm saying it to you
I've been saving your place
And what good does it do?
Now I'm just a basket case
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quarta-feira, 8 de setembro de 2010
DELICIOSO MINIMALISMO
Para quem gosta de fotografias, arte e um pouquinho de cultura que não faz mal à ninguém, eis o lindamente minimalista This isn´t Happening. Repentinamente entre os meus favoritos.
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domingo, 5 de setembro de 2010
sábado, 4 de setembro de 2010
UMA FLOR PARA VOCÊ
Obrigado a todos que acompanham, leem e comentam os devaneios, efemeridades e demais reflexões de média superficialidade que eu ocasionalmente escrevo por aqui. Obrigado, especialmente, para Lilian e Luana, sempre tão atenciosas e generosas com os posts. Saibam que os seus elogios são guardados em pequenas caixas imaginárias de madrepérola que me dão a confortável certeza de que não estamos, afinal, perdendo os nossos tempos parlamentando por essas vias anônimas de bytes e não-lugares.
Achei que estava construindo um diário anônimo e solitário, de pensamentos soltos e ideias perdidas na tradução. E me surpreendi, como eu já suspeitava, que há muitos de nós devaneadores por aí.
Obrigado a quem quer que acompanhe Devaneios.
Essa flor é para você.
PARA VER E OUVIR: SARA BAREILLES ("SITTIN' ON THE DOCK OF THE BAY")
Aguardando, ansiosamente, pelo lançamento de Kaleidoscope Heart, novo álbum da Sara Bareilles. Enquanto isso, um pouquinho mais de Live at The Fillmore com "Sittin' on the dock of the bay".
"UM DIA, UMA TEMPESTADE LIMPARÁ A SUJEIRA DAS RUAS"
Muitos motivos fazem de "Taxi Driver", obra-prima de Martin Scorsese, e um filme absolutamente obrigatório para qualquer cinéfilo. A atuação - sempre magistral - de Robert De Niro (ainda tão jovem e no começo de sua carreira); o elenco de estrelas como Harvey Keitel, Jodie Foster, Cybill Shepherd; a trama envolvente, que mistura tons oníricos, realistas e beirando o noir; a bela fotografia e trilha sonora envolvente, os diálogos realistas, enfim, é um filme completo que, não por acaso, figura sempre entre os expoentes do cinema. A história não se compromete a construir um arco tradicional, com começo, meio e fim; ao invés disso, acompanhamos um trecho, um pedaço da vida de Travis Bickle, um jovem que tenta a vida numa opressiva Nova York de meados dos anos 70. Veterano da guerra do Vietnã, Travis arruma um trabalho norturno como motorista de taxi, já que sofre de insônia e a partir daí passamos a acompanhar as suas noites, como se andássemos de carona em seu taxi.
"Você está falando comigo?", frase imortalizada por De Niro é um dos emblemas do cinema até hoje
No começo, o solitário e quase ingênuo Travis comemora a melhoria financeira e tenta organizar uma vida "normal", com uma namorada (Shepherd) e uma rotina. Mas, pouco a pouco, ele vai testemunhando a decadência da cidade, marcada por violência, prostituição, drogas e degradação humana. Nesse processo, Travis acaba passando por uma metamorfose que o transforma numa espécie de "profeta do submundo", que anda entre os perdidos sem nunca se distanciar de seu caminho. Mas fica claro para nós, expectadores, que Travis é uma ampulheta ambulante e que cada areia que despenca marca a aproximação do seu próprio ponto de explosão. Pouco a pouco, ele vai se consumindo em seus pensamentos de solidão e justiça, que chegam ao ápice quando ele toma conhecimento de uma menina de 12 anos (Foster) que está sendo aliciada por um cafetão (Keitel) para se prostituir por 15 dólares.
Como uma espécie de "profeta urbano", Travis Bickle tem uma missão a cumprir nas ruas de Nova York
Nesse último ato, Travis decide comprar armas e se preparar, como um soldado, para "algo" por vir. Para a tempestade, anunciada ainda no primeiro ato, que limparia as ruas da cidade de toda a sua degradação. E essa tempestade vem, vermelha de sangue, em cenas que documentam os extremos de um homem que se perdeu completamente num surto de violência, ou melhor, de cansaço da violência. Travis faz o que ele julgava ser necessário. E retorna para mais um dia de trabalho, como um taxi driver. Sempre arrebatador ver De Niro, com corte moicano, e banhado em sangue com olhos de vidro que não deixam de ser eloquentes. Imperdível, obrigatória aula de cinema e, na minha opinião, o melhor de Scorsese até hoje.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
IVO E A INDISCUTÍVEL CERTEZA
Quando Ivo completou 21 anos, ao invés de ser dono de todas as decisões, não fazia a menor ideia de que rumos dar a sua vida. Colecionava pontos de interrogação na mesma medida em que as respostas eram cada vez mais escassas. Vivia com seus pais e três irmãos, numa casa confortável e elegante. Acabara de se formar em Direito, amava a sua namorada e, mesmo sob a sombra de suas dúvidas intermináveis, considerava a sua vida feliz. Tinha seus medos, claro, como todo jovem; mas o resultado das somas e subtrações era sempre positivo.
Mas esse cenário se desfez por completo quando, num desses acasos do destino, a vida de Ivo foi virada pelo avesso. Ao atravessar uma rua movimentada, numa manhã sem importância, ele foi atropelado violentamente por um carro que fugiu sem deixar rastro. Estirado sobre o asfalto quente do meio-dia, Ivo fechou os olhos delicadamente e foi envolto num silêncio repentino e branco. Não havia mais nada, apenas silêncio e vazio. Num último pensamento perdido imaginou-se morto e sentiu um profundo desespero pelo roubo súbito de sua vida. Ele não queria morrer. Não ali, não tão cedo.
Mas Ivo não havia morrido. Ainda que sua mente estivesse adormecida, seu corpo sobreviveu e o deixou em coma profundo. Ele estava vivo, só não estava lá.
E numa outra surpresa do destino, dessas que parecem copiadas de clichês das novelas da tarde, não demorou muito para que a família de Ivo descobrisse que a sua namorada estava grávida de gêmeos. E eis que o que era somente tragédia se converteu numa nuvem repentina de misteriosa felicidade, que derrubou uma água doce e renovada sobre aqueles campos que antes eram apenas deserto.
Ivo havia sobrevivido, ainda que estivesse em coma, e traria filhos ao mundo. Uma mistura de melancolia e euforia pintava os dias daquela família que já havia esquecido o que era, genuinamente, felicidade e devastação. Desde o acidente, todos os sentimentos eram experimentados em conjunto, como sorriso servido com lágrimas.
Mas Ivo não havia morrido. Ainda que sua mente estivesse adormecida, seu corpo sobreviveu e o deixou em coma profundo. Ele estava vivo, só não estava lá.
E numa outra surpresa do destino, dessas que parecem copiadas de clichês das novelas da tarde, não demorou muito para que a família de Ivo descobrisse que a sua namorada estava grávida de gêmeos. E eis que o que era somente tragédia se converteu numa nuvem repentina de misteriosa felicidade, que derrubou uma água doce e renovada sobre aqueles campos que antes eram apenas deserto.
Ivo havia sobrevivido, ainda que estivesse em coma, e traria filhos ao mundo. Uma mistura de melancolia e euforia pintava os dias daquela família que já havia esquecido o que era, genuinamente, felicidade e devastação. Desde o acidente, todos os sentimentos eram experimentados em conjunto, como sorriso servido com lágrimas.
E os dias foram passando. E, rapidamente, virando semanas e meses.
"Quando ele poderá acordar?"
"Hoje, amanhã, daqui a 10 anos, nunca".
Ivo permaneceu todo o tempo sobre a sua cama, envelhecendo horizontalmente, sem nenhum entendimento dos eventos ao seu redor. Fotos, presentes e adornos variados cobriam o seu quarto de memórias que nunca foram suas. Eventos, pessoas, idas e vindas, casamentos e formaturas, a vida de todos. Ivo não viu os seus filhos nascerem, não presenciou a deformação gradual da passagem dos anos, porque esteve em seu sono profundo enquanto a vida se erguia ao seu redor e à sua revelia. A vida de Ivo vivia sem ele.
"Quando ele poderá acordar?"
"Hoje, amanhã, daqui a 10 anos, nunca".
Ivo permaneceu todo o tempo sobre a sua cama, envelhecendo horizontalmente, sem nenhum entendimento dos eventos ao seu redor. Fotos, presentes e adornos variados cobriam o seu quarto de memórias que nunca foram suas. Eventos, pessoas, idas e vindas, casamentos e formaturas, a vida de todos. Ivo não viu os seus filhos nascerem, não presenciou a deformação gradual da passagem dos anos, porque esteve em seu sono profundo enquanto a vida se erguia ao seu redor e à sua revelia. A vida de Ivo vivia sem ele.
E assim se passaram 30 longos anos.
Novamente, numa manhã sem importância, tudo voltaria a mudar. Na janela do hospital batia uma chuva fina, espalhada no vidro por um vento insistente que parecia assobiar. A mãe de Ivo lia, sentada numa poltrona, como havia feito durante todos aqueles anos. E, como na novela de antes, Ivo abriu os olhos subitamente e se viu deitado sobre a cama. Confuso, sentou-se na beirada e pensou no seu atropelador, se alguém haveria anotado a placa e que, sem dúvidas, era um carro vermelho.
"Alguém viu para onde ele foi?", disse, ainda tateando o quarto com os olhos.
Novamente, numa manhã sem importância, tudo voltaria a mudar. Na janela do hospital batia uma chuva fina, espalhada no vidro por um vento insistente que parecia assobiar. A mãe de Ivo lia, sentada numa poltrona, como havia feito durante todos aqueles anos. E, como na novela de antes, Ivo abriu os olhos subitamente e se viu deitado sobre a cama. Confuso, sentou-se na beirada e pensou no seu atropelador, se alguém haveria anotado a placa e que, sem dúvidas, era um carro vermelho.
"Alguém viu para onde ele foi?", disse, ainda tateando o quarto com os olhos.
Atordoado, não conseguiu impedir a sua mãe de desabar no chão, desmaiada. Médicos, enfermeiras, telefonemas. Ivo estava de volta.
Não reconheceu as ruas pelas quais o carro trafegava. Não reconhecia os automóveis, as luzes, aquela sucessão de imagens registradas pela primeira vez. Aquela cidade que, como ele, havia envelhecido 30 anos.
Observava prédios e avenidas com olhos de turistas. Tampouco reconheceu aquele apartamento, cheio de pessoas que o olhavam com lágrimas nos olhos e sorrisos largos. Não sabia quem era aquela mulher que o beijava apaixonadamente. Descobriu que tinha dois filhos. Descobriu que já tinha três netos. Conheceu a si mesmo, enquanto tocava o rosto enrugado e os cabelos prateados. Tocava o espelho como quem toca um quadro. "Quem é este velho no espelho?".
Era muito difícil explicar para ele o que havia acontecido. Ivo simplesmente dormiu jovem e acordou velho. E sem nenhum registro sobre absolutamente nada. Assim, como uma grande ironia, ele se viu mais uma vez coberto de dúvidas sem respostas sobre o que fazer de sua vida. Desta vez, no entanto, algo estava muito claro, como um brilho em seus olhos que contemplavam aqueles anônimos com uma mistura de interesse e perplexidade.
Quem sabe aquilo tudo não fosse apenas um sonho?
Por via das dúvidas, Ivo decidiu que não queria perder nem mais um segundo.
Ivo queria viver.
Observava prédios e avenidas com olhos de turistas. Tampouco reconheceu aquele apartamento, cheio de pessoas que o olhavam com lágrimas nos olhos e sorrisos largos. Não sabia quem era aquela mulher que o beijava apaixonadamente. Descobriu que tinha dois filhos. Descobriu que já tinha três netos. Conheceu a si mesmo, enquanto tocava o rosto enrugado e os cabelos prateados. Tocava o espelho como quem toca um quadro. "Quem é este velho no espelho?".
Era muito difícil explicar para ele o que havia acontecido. Ivo simplesmente dormiu jovem e acordou velho. E sem nenhum registro sobre absolutamente nada. Assim, como uma grande ironia, ele se viu mais uma vez coberto de dúvidas sem respostas sobre o que fazer de sua vida. Desta vez, no entanto, algo estava muito claro, como um brilho em seus olhos que contemplavam aqueles anônimos com uma mistura de interesse e perplexidade.
Quem sabe aquilo tudo não fosse apenas um sonho?
Por via das dúvidas, Ivo decidiu que não queria perder nem mais um segundo.
Ivo queria viver.
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