E no meio do caos que era aquele lugar, ele a encontrou. Disfarçada, escondendo-se nas sombras, onde a luz não a encontrasse, como um fantasma que deseja simplesmente se divertir.
Ela não era especialmente bonita, nem especialmente bem vestida, nem queria chamar a atenção de ninguém, mas simplesmente o fato de ela se esforçar tanto em ser invisível foi o que capturou o olhar dele de forma incorrigível.
Ela dançava sozinha, no mar de pessoas, mesclando-se, camuflando-se, como se coubesse atrás da garrafa que segurava na mão cheia de dedos compridos, ou do cabelo escuro e ondulado que guardava parte do seu rosto como uma máscara.
Ele precisava saber quem era ela.
Os olhos fechados, o corpo sucumbindo ao transe da noite, da música, da multidão. O conforto daquela solidão anônima, onde ninguém se importa com o vapor, com o suor, com o choque de braços e pernas; de corpos exaustos de uma semana de trabalho que querem pura e simplesmente dançar.
E era tudo o que ela queria.
Ele se aproximou, vagarosamente, estudando-a de forma felina, sem querer assustá-la. Mas ela nem suspeitava daquela aproximação furtiva. E continuava, olhos cerrados, lábios acompanhando a música, cabeça ocasionalmente erguida sob as luzes frenéticas, entregando-se à melodia.
E então, ao chegar bem próximo dela, ele percebeu a essência daquilo, o que a afugentava, a fazia buscar a sombra. O seu segredo. Uma cicatriz percorria o seu rosto, de um lado a outro, uma linha diagonal que narrava algum trágico momento de sua vida. E ela se esforçava tanto em escondê-la, sempre buscando escudos de cabelo para cobrir-se e voltar a ficar invisível.
Até que, num ato sem plano, destes em que o corpo age antes da mente ordenar, ele segurou a sua mão. Com delicadeza, percorreu os dedos pelo seu rosto, afastando o cabelo suado, comprido, os fios sedosos e escuros sendo cuidadosamente encaixados atrás de uma orelha pequenina. E ele podia sentir, na fisionomia assustada, nos olhos escancarando nudez, que ela fora pega de surpresa.
E antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele buscou os seus lábios entreabertos, preenchendo-os com silêncio. Abraçou o seu corpo, e ficaram ali, juntos, na eternidade da sucessão de melodias, dançando uma dança própria deles, alheios ao ritmo imposto pelo lugar.
Ela apoiou a cabeça em seu ombro, envolvendo os braços frágeis em torno do seu pescoço, enquanto ele a embalava pela cintura. Pernas aqui, pernas ali, beijos sem planejamento, encontro de musculaturas, de pulsos, de sorrisos. Olhos fechados, música e batimentos cardíacos. Aquele cheiro de rosa e canela, que ainda habitava a sua roupa no dia seguinte.
De que importava aquela cicatriz, ele tentava dizer em seu ouvido, sem grande sucesso. Ao que ela respondia com um sorriso iluminado, um riso torto, de canto de boca, escondido como se fosse um tesouro para os mais audaciosos. Sua recompensa.
A noite voava na carona dos ponteiros do relógio. E para ele, naquele seu momento mágico, ela era a mulher mais linda do mundo. O dia amanhecia, preguiçoso, enquanto ele se perguntava o que habitaria as portas por trás daquele encontro tão aleatório e especial.
É que sempre lhe agradaram os seres quebrados.
Como ele.
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