quinta-feira, 4 de outubro de 2012

MEIO-DIA

Os pés dela tapavam o sol, empoleirados no painel do carro, equilibrados de forma precária, como duas brancas torres majestosas prestes a ruir. Aqueles lindos pés, aqueles pés pequeninos, aqueles pés tão beijáveis, que ela teimava em esconder. "Estes meus pés aduncos", ela dizia, dada sempre a falar bonito. Ele sorria.

"Eu gostaria de ir a um lugar, destes que se vai antes de morrer", ela disse. "Um destes lugares para se riscar de uma lista".

O carro seguia num compasso quase hipnótico. A velocidade estacionada entre 80 e 83 quilômetros por hora. O vento ninando algo antigo nos ouvidos, revirando cabelos, a estrada infinita no horizonte, aquela serpente de concreto sem fim.

A música sendo deliciosamente ignorada, enquanto bocas faziam mímicas incompetentes das letras nos alto-falantes. Pensando em nada, pensando em tudo. Olhos semi-cerrados. Querendo adormecer. Mãos entrelaçadas de forma preguiçosa. Seguindo.

"Vamos brincar que este é o fim do mundo", ela provocava. "Vamos viver este dia como o último".

Sorriam. Linhas douradas do sol desenhavam uma tapeçaria de tons acobreados no horizonte. Árvores espalhadas ao longo da estrada, uma cerca de sonhos. O céu num esplendor azulado, quase lilás, sem nuvens, sem chance de chuva, algo de céu tuareg.

Pensamentos desconexos, reflexões sem fundamento. "O que estamos fazendo das nossas vidas?". Talvez o plano, afinal, fosse não ter plano algum.

Estacionaram o carro num mirante de frente para o mar. Pontiagudo, como a proa de um barco, ansioso em ganhar as águas. Aquela extensão absurda, impensável, de beleza e terror. Aquela água sem fim, revolta, aquele barulho tamborilando no ouvido, aquele som de sal e espuma.

Deram-se as mãos. Olhando juntos, em silêncio, o sol emoldurando aquela imensidão, como um rei coroado. Ao redor deles, absolutamente nada. Apenas o vento, apenas o silêncio. Estava ali uma visão para se ter antes de morrer. Uma visão para um dia de fim de mundo. Como ela havia pedido.

Duas horas e trinta e oito minutos haviam se passado. O mais longo intervalo de trabalho da história.

Sorriram. Olharam-se. Aquelas roupas desfeitas, aqueles sapatos sem par. Um conjunto de pernas, braços, abraços e bocas. E suspiros. E vontade de parar o tempo.

Mas era hora de voltar.

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