Ela passava as noites fora. Quase todos os dias, retornando com as primeiras luzes da manhã, para dormir como uma vampira até os primeiros suspiros do sol. Quase todos os dias. Era quando ele arriscava sair de sua toca, timidamente, tateando os contornos do seu buraco com medo de alguma emboscada. Era o seu celebrado banho de lua, as únicas ocasiões em que podia caminhar incólume.
Porque ele sabia que ela era esperta, rápida, mortal. Intuitiva, muitas vezes frustrava suas tentativas de liberdade antes mesmo que ele tivesse coragem de pôr os olhos para fora. Como mágica, surgia uma garra afiada, que quase reluzia, feito arma branca, assustando-o e empurrando-o rapidamente para dentro. Suspirava. Ainda não seria daquela vez. Uma, duas, três, cinco, cem vezes. Ele nunca conseguia vencer. Ela era mais rápida, mais inteligente, mais competente. Ele era mais lento, mais bobo, menos consciente dos perigos que o cercavam.
Ela era sua senhora torturadora. Às vezes não fazia absolutamente nada, como se não se importasse, como se duvidando, tentando-o a se arriscar. Outras tantas vezes enfiava os grandes olhos dourados por entre seu buraco, vigiando-o como dois faróis policiais. Esquerda, direita, em cima, em baixo. "Tente", parecia dizer. E ele se escorava num canto, e com as costas molhadas pela parede úmida rezava baixinho suas preces de rato: "Por favor, Deus, faça ela ir embora. Faça ela ir embora". Mas era como se o Deus dos ratos estivesse ausente.
Ele não possuia nada. Sem comer, começava a definhar. Se não fossem as migalhas que conseguia roubar à noite, quando ela saia, há muito tempo não teria sobrevivido. Brincava com um pequenino botão que, mesmo assim, a gata havia conseguido confiscar. De modo que não havia nada, naquele buraco, a não ser a escuridão e o silêncio. E um desespero que roía o ratinho por dentro.
Ele se questionava porque havia nascido rato? E não cão? E esse pensamento o deliciava profundamente... as imagens que se repetiam e se sobrepunham em sua pequenina mente, como um caleidoscópio. A gata sendo posta para correr, aterrorizada por sua violência impiedosa, sua vingança. Ele se imaginava como um cão gigante, negro, assustador. E, nestes seus devaneios, a gata nem cogitaria ameaçá-lo. Ela sentiria medo dele. Muito medo.
Mas esses pensamentos desapareciam como fumaça e rapidamente ele era lembrado de sua condição. Porque lá estavam os grandes olhos, as garras afiadas que vez ou outra adentravam o buraco tateando no escuro. Ou o rabo comprido, balançando preguiçosamente em algum canto da sala para lembrá-lo, formalmente, que ela estava lá.
Porque ele sabia que ela era esperta, rápida, mortal. Intuitiva, muitas vezes frustrava suas tentativas de liberdade antes mesmo que ele tivesse coragem de pôr os olhos para fora. Como mágica, surgia uma garra afiada, que quase reluzia, feito arma branca, assustando-o e empurrando-o rapidamente para dentro. Suspirava. Ainda não seria daquela vez. Uma, duas, três, cinco, cem vezes. Ele nunca conseguia vencer. Ela era mais rápida, mais inteligente, mais competente. Ele era mais lento, mais bobo, menos consciente dos perigos que o cercavam.
Ela era sua senhora torturadora. Às vezes não fazia absolutamente nada, como se não se importasse, como se duvidando, tentando-o a se arriscar. Outras tantas vezes enfiava os grandes olhos dourados por entre seu buraco, vigiando-o como dois faróis policiais. Esquerda, direita, em cima, em baixo. "Tente", parecia dizer. E ele se escorava num canto, e com as costas molhadas pela parede úmida rezava baixinho suas preces de rato: "Por favor, Deus, faça ela ir embora. Faça ela ir embora". Mas era como se o Deus dos ratos estivesse ausente.
Ele não possuia nada. Sem comer, começava a definhar. Se não fossem as migalhas que conseguia roubar à noite, quando ela saia, há muito tempo não teria sobrevivido. Brincava com um pequenino botão que, mesmo assim, a gata havia conseguido confiscar. De modo que não havia nada, naquele buraco, a não ser a escuridão e o silêncio. E um desespero que roía o ratinho por dentro.
Ele se questionava porque havia nascido rato? E não cão? E esse pensamento o deliciava profundamente... as imagens que se repetiam e se sobrepunham em sua pequenina mente, como um caleidoscópio. A gata sendo posta para correr, aterrorizada por sua violência impiedosa, sua vingança. Ele se imaginava como um cão gigante, negro, assustador. E, nestes seus devaneios, a gata nem cogitaria ameaçá-lo. Ela sentiria medo dele. Muito medo.
Mas esses pensamentos desapareciam como fumaça e rapidamente ele era lembrado de sua condição. Porque lá estavam os grandes olhos, as garras afiadas que vez ou outra adentravam o buraco tateando no escuro. Ou o rabo comprido, balançando preguiçosamente em algum canto da sala para lembrá-lo, formalmente, que ela estava lá.
Um dia, exausto, ele meditou por horas diante da pilha de veneno estocada em todos os cantos de sua morada humilde. Olhou para a pilha fedorenta, ainda incrédulo sobre como podiam achar que um rato em sã consciência poderia ingerir aquilo? E sem titubear, avançou sobre o veneno, devorando tudo vorazmente até que começou a sentir-se aéreo, como se estivesse desaparecendo. Sua cabecinha girava e ele sabia que estava morrendo.
Então, como num susto, juntou as últimas forças que ainda habitavam seu corpo minúsculo e saiu vagarosamente de sua toca, colocando-se corajosamente diante daqueles olhos dourados, imensos, que o observavam como duas moedas gigantes. Aqueles rasgos negros, misteriosos, que ele aprendeu a temer durante cada segundo de sua vida. E, como um penitente, deitou-se sob a misericórdia da gata, que o imobilizou sob a pata esquerda e o abocanhou imediatamente.
Em segundos, a gata estava no chão, contorcendo-se em dor profunda. Ela se torcia e se revirava e miava em desespero absoluto, como se algo a estivesse destruindo. Era o pequenino. O ratinho tímido que ainda estava ali roendo suas entranhas de dentro para fora.
A gata sufocava em sua própria saliva, embriagada pelo veneno forte. Até que não se mexeu mais.
Vitória.
O rato matou o gato.
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