sexta-feira, 7 de maio de 2010

A INSESPERADA PRESENÇA

Ninguém sabia quem era o pai ou a mãe do presidente. "Ele nem deve ter uma", era um pensamento partilhado por todos na empresa. Porque o presidente era um homem rígido, discreto, de poucas palavras. Conhecido e respeitado por ser um destes homens de antigamente, que "se fizeram sozinhos", o presidente era assim, admirado e temido por todos que trabalhavam para ele.

Secretárias cruzavam seu caminho de olhos baixos, enquanto outras, mais abusadas, arriscavam um "bom dia" ou "até logo". Quase sempre sem resposta. Ele passava e, como Átila, deixava silêncio em seu caminho. Conversas eram interrompidas abruptamente, olhares voltavam para as mesas. Era como se o tempo parasse quando o presidente passava.

Ninguém sabia ao certo de onde vinha aquela fama, na verdade. Ele nunca havia feito mal a ninguém, jamais tratara um funcionário sem cortesia e nunca ouviram o presidente sequer elevar o tom da voz. Poucas, aliás, foram as vezes em que ele foi ouvido, até. Como um imperador japonês, sua voz era reservada aos cômodos discretos, dentro dos quais as decisões realmente importantes eram tomadas.

Sabia-se pouco sobre sua vida. Era o filho mais novo, de cinco irmãos, e vivera até os 17 anos  no interior, onde ajudava sua mãe e irmãos a cuidar de uma granja e uma horta muito humildes. Sua mãe, viúva, havia cuidado dos cinco filhos com muito esforço e dedicado à vida para que todos pudessem estudar na cidade.

Ao que parecia, ele não tinha mais contato com nenhum irmão. Nem se sabia, de certo, se algum ainda era vivo. Sua mãe morrera, em casa, quando ele ainda estava no segundo ano da faculdade. Mas ele não foi ao enterro. Na verdade, ele nunca mais voltou à sua cidade. Sua vida, desde que foi embora, era aquela fábrica, onde ele teve a sua carteira assinada pela primeira e única vez. Tudo para ele era aquela fábrica. O resto havia se perdido na poeira dos anos.

O presidente era um homem solitário e muito simples. Viúvo, pai de três filhos homens, chegava ao escritório na primeira hora da manhã, quando sempre aceitava uma xícara de café do vigia da madrugada, que prontamente lhe abria a porta. Agradecia ao velho porteiro com um breve aceno de cabeça e subia para a sua sala. Era também o último a ir embora, limitando-se a oferecer um discreto "boa noite" ao mesmo vigia que, ao amanhecer, recebia-o com café.

Todos os dias. Às vezes até no domingo. E assim se transformou num mito vivo e chefe inesquecível por razões não convencionais. Não era odiado, definitivamente, mas não era amado por ninguém. Ele mantinha distância. De tudo. E seguiu esta rotina todos os anos de sua vida, mesmo com quase 80 anos. Sempre bem vestido, bigode aparado, cheirando à colônia cara, ele era o relógio, a alma e o coração da velha fábrica.

Eis que certa vez, ao sair para almoçar no restaurante da esquina, onde ia todos os dias, esbarrou com uma senhora, na porta da sua fábrica. Muito idosa, frágil, lenço amarrando os cabelos, roupa puída. Com mãos calejadas, ela segurava uma sacola pesada onde guardava marmitas para vender aos funcionários. A senhora o olhou, com olhos tenros, e sorriu delicadamente, enquanto enxugava o suor do meio-dia que insistia em molhar a sua testa.

Foi quando, inesperadamente, ele tocou o rosto da mulher e se aproximou, abraçando-a longa e carinhosamente. E, sob o olhar espantado de todos, desabou num choro sentido, engasgado, e soluçando como se houvesse arrancado de suas costas toda a dor do mundo.

A mulher o abraçou de volta, ainda que confusa, e acariciou os cabelos prateados daquele homem tão bem vestido e perfumado que, por alguma razão, a abraçava. Ela tinha um cheiro de mofo, azaléia, tempero e suor e sobre o ombro de sua blusa florida, as lágrimas pingadas já haviam formado uma mancha.

No dia seguinte, a fábrica amanheceu de luto.

Um comentário:

Lilian disse...

CHOREI MUITO COM ESTA BREVE ESTORIA.
LEMBROU-ME DE MINHA MÃE,QUE PERDI,SINTO COMO ELE VONTADE DE ABRAÇAR NA RUA,SENHORINHAS CHEIRANDO A AZALEIA E TEMPERO.
MINHA MÃE ERA UMA MÉDICA,CIENTISTA,SEM ELA O MUNDO FICOU TÃO SECO.