Constantino levava o seu trabalho a sério. Não se considerava apenas um mero segurança de museu. Para ele, aquele não era um museu qualquer. E, assim, ele jamais poderia ser um guarda qualquer. Acreditava, portanto, que a providência o havia colocado naquele posto, como um fiel templário que aceita fervorosamente o dever de proteger a santa cruz. Adorava todos os cantos, todas as sombras, cheiros, até as imperfeições no chão. Sabia de cor a localização de cada obra e mesmo os nomes dos respectivos artistas buscou conhecer. Talvez fosse uma ânsia de aprender, talvez fosse apenas o vazio do turno da noite, como saber?
Não tinha a menor pressa. Andava vagarosamente pelos corredores silenciosos que beiravam a penumbra. Mas não sentia medo, nem solidão. Aliás, aquele era o único momento do dia de que verdadeiramente gostava. Se pudesse, dormiria e acordaria entre as cenas de batalha, as paisagens bucólicas, crianças, frutas e as imagens abstratas. Tudo para ele era especial no museu. Era quando, pelo menos por algumas horas, apreciava a sua vida.
Sua mulher o havia deixado, seus filhos não o procuravam, sua família não parecia fazer muito caso dele. Vez ou outra havia uma reunião familiar, um encontro de Natal, de Páscoa e nada mais. O resto do tempo passava sozinho entre as paredes do quarto que alugava não muito longe do trabalho. Não gostava de se atrasar. E mesmo sem precisar, fazia questão de estar lá logo cedo, pela manhã.
Mas havia algo em especial, que roubava a sua atenção. Um quadro pouco famoso, de um pintor quase desconhecido que ficava exposto na ala menos popular. Mas para Constantino, visitar todas as noites aquela obra era como ir ao encontro de uma mulher amada. Arrumava a gravata e a camisa, como se alguém o estivesse esperando. E ficava por horas e horas, hipnotizado pela pequenina cena emoldurada: Uma mulher deitada preguiçosamente sob a sombra de uma árvore à beira de um lago. Ficava horas observando aquela mulher misteriosa e que roubava sua atenção todas as noites.
Numa madrugada especialmente melancólica, ele ficou mais tempo ali, de pé, com o olhar fixo na jovem mulher que parecia encará-lo de volta, sem pudor. Queria tocá-la, ouvir a sua voz e estar em sua companhia. E então, como uma criança, Constantino fechou os olhos e se atreveu a sonhar.
* * *
Na manhã seguinte, pela primeira vez em tantos anos, Constantino não apareceu para o trabalho. Os corredores pareceram estranhos sem o zeloso guarda, que durante tanto tempo cuidou para que cada obra estivesse íntegra e protegida de qualquer ameaça. O seu turno teve de ser remanejado e outro veio fazer a sua ronda. Tudo parecia muito estranho e desconexo naquele dia. Talvez pelo fato de Constantino não estar contemplando o quadro que o hipnotizava, talvez fosse só impressão, como saber? A verdade é que, pouco tempo depois, ninguém mais dava por sua falta.
E novos visitantes vieram, dia após dia, ano após ano. E o pequenino quadro continuou lá, insignificante e despercebido: A imagem congelada de uma manhã de sol na qual, à beira de um lago, uma mulher e um homem pareciam entreter-se um ao outro imensamente, como um casal de namorados.
Um comentário:
adoravel,este texto...este homem
de ''amar constante''quase estatico
pertence a um lugar privilegiado como um quadro..
Adorei,muito rômantico.
Valeu a pena quebrar a constancia monotona desta seginda-feira,visitando seu blog.
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