segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

OBRIGADO, REGINA CASÉ


A primeira coisa que eu tenho a dizer é que nunca simpatizei muito com a Regina Casé. Dito isso, após cinco minutos vendo o magistral "Que horas ela volta?", eu nem lembrava mais que era a Regina Casé quem estava atuando. 

Eu só conseguia ver a Val; somente a Val. A Val que trabalha na minha casa, na sua, na casa dos nossos pais e avós. A Val que cuida da casa que nem é dela, dos filhos que nem são dela, dos cachorros que  nem são dela. 

A Val que dorme num quarto dos fundos; e que não pode sentar na mesa, nem comer "o que não é dela". A Val que veste as roupas que não queremos mais e vê a TV que iríamos jogar fora. A Val que faz o nosso café da manhã antes mesmo de fazer o dela. A Val que vai na cozinha pegar um copo de água para matar a nossa sede, não a dela. 

Apenas Val. Era só o que eu via. Enquanto fazia um esforço para não enxergar o meu próprio reflexo; as minhas lembranças antigas, da casa dos meus avós, de um Brasil que parece nunca ter abandonado de vez a escravidão. Dói, dói, dói muito ver esse filme. Mas é preciso, é obrigatório; e esse processo quase catártico é mostrado com muita poesia e delicadeza por Anna Muylaert.

Achei merecida toda a repercussão em torno deste lindo (e doído) filme que me lembrou o iraniano "Filhos do Paraíso" (não pela temática, mas pela doçura, a subjetividade, a forma como o filme toca em pontos nervosos que causam desconforto, algumas horas, e encantamento em outras). São filmes delicados, que compartilham a mesma alma, e uma capacidade inquestionável de nos jogar diante do espelho, para nos enxergarmos como somos como país, como sociedade.

Regina Casé brilha, linda, encantadora, incandescente na tela. Ao final, restou a beleza da vida como ela é e a pele machucada pela exposição à constatação da sociedade que (infelizmente) ainda somos. 


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