domingo, 13 de julho de 2014

CASA DE AREIA


- "Eu não queria te acordar, eu sei que é cedo, mas é que eu não tinha ninguém mais para ligar..."

* * *

O assoalho da casa ainda fervia sob os seus pés descalços; o suficiente para machucar, mas ele caminhava, alheio à dor, sobre os escombros da velha casa de praia que havia pertencido aos seus avós. O resto dos móveis, ainda fumegando, madeiras e tijolos expostos, negros, pedaços de cortinas dançando no vento como bandeiras arrasadas num campo de batalha, tendo o mar emoldurando aquela cena de caos. Infinito, assustador, gigantesco e indiferente. 

As ondas quebrando na areia, para frente e para trás, para frente e para trás.

Era possível ver pedaços de coisas, aqui e ali, mas não havia restado nada inteiro, que pudesse contar alguma história. Retratos queimados, roupas, objetos de valor e sem valor algum, objetos de arte completamente modificados, um aglomerado de coisas sem forma, como um buraco no tempo e espaço, de destruição compacta. 

Seus pés doíam, os dedos lascados por pedaços de vidro e madeira, a barra da calça de pijama já levemente chamuscada, o rosto marcado por fuligem e sombra, como um guerrilheiro camuflado, os olhos petrificados, as mãos penduradas como cordões mortos, o ar salino, curto, suficiente para mantê-lo de pé, o seu corpo guiado pela incredulidade.

E então lá estava ela, sua mulher, o que havia restado dela, sobre os escombros, os restos de pele, osso e pano unidos com o caos, numa amálgama que desenhava o fim, o terrível fim, o seu fim. Ele ficou ali, de pé, observando os restos mortais da mulher que, horas antes, estava sentada na areia, os olhos fixos no mar, questionando-se sobre o sexo dos peixes. Aquela mulher infeliz, que viera habitar o mundo dos vivos por uma triste casualidade, e que há tanto tempo se esforçava em ir embora.

E levar tudo consigo, como uma bomba.

Ele acocorou-se e sentiu o cheiro forte de coisa queimada sufocando o seu rosto. Não havia mais nada ali, não havia mais forma, apenas restos, misturados; o que era casa, o que era areia, o que era mulher? Não sabia dizer. Encostou a ponta dos dedos, sentindo a superfície ainda quente, as unhas enegrecendo com a sujeira. 

Adeus.

Quando os bombeiros, a polícia, e todo o circo de vizinhos e autoridades se formou em torno da casa destruída, encontraram o homem sentado, sereno, sobre uma cadeira sobrevivente, no que um dia fora uma varanda. 

Sentiu mãos em torno do seu corpo, rosto, paramédicos agasalhando-o com um lençol térmico, máscara de oxigênio, luzes e sirenes. Perguntas, tantas perguntas.

Caminhou com os bombeiros para uma ambulância estacionada na grama e sentou-se numa maca. Luzes nos seus olhos, dedos em suas pálpebras, pulso, pescoço. Toques, olhares, perguntas, perguntas, tantas perguntas.

"O que você está sentindo?", o paramédico perguntou, ainda examinando o seu corpo. 
"Alívio".

Ficou em silêncio.

Então viu o carro, cortando o horizonte em velocidade, a mulher deixando o veículo as pressas, a porta aberta, o motor ligado. Ela correu para a ambulância, onde o encontrou deitado, levemente entorpecido. Abraçaram-se.

Um pranto silencioso, um beijo delicado.

"Obrigado por ter vindo", ele conseguiu sussurrar. "Obrigado".

Era hora de construir sobre os escombros da casa de areia.

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