domingo, 23 de março de 2014

PUGILISMO COM LARS VON TRIER


Pretensioso, gênio, desviado, visionário, pervertido, poeta, polêmico, incompreendido, marginal. São muitos os adjetivos que podem definir Lars Von Trier. E eu concordo com cada um deles; podendo pensar em mais uma centena. "Ninfomaníaca 1 & 2", seu trabalho mais recente, só reforça isso.

A história narra o encontro acidental de Joe (Charlotte Gainsbourg) com Seligman (Stellan Skarsgard). Ela, uma mulher viciada em sexo, é encontrada ferida e abandonada na sarjeta pelo assexuado homem que, sem pensar duas vezes, a acolhe e a leva para sua casa. A partir daí, um diálogo demorado, regado por chá, bolo, e uma longa narrativa de aventuras sexuais que misturam sodomia, masturbação, promiscuidade, violência à matemática, à física, à filosofia, à música à arte, à religião, o satanismo e, naturalmente, à psicanálise, numa sequência de metáforas absurdamente belas.

O encontro improvável de extremos tão opostos é o tempero que marca a narrativa de 2 filmes que escancaram a humanidade na sua pior ou melhor forma: a exploração crua e real da sexualidade, das perversões, dos desejos, do perigo. Joe é um animal incansável e incrontrolável, que não vê limites para saciar à sua fome. E um elenco sem nenhum medo de entregar atuações perigosamente honestas completa esta ópera de nudez, sob todas as esferas - físicas, emocionais, espirituais. Um filme dolorido - óbvio - triste, difícil de digerir, mas que transborda poesia de uma forma difícil de perceber - num primeiro momento - mas que vai ficando cada vez mais clara na medida em que a história se desenrola. 


Será que o mundo está preparado para cenas que retratam uma menina de 12 anos descobrindo a masturbação? Ou uma mulher que golpeia a sua vagina com uma toalha molhada porque não consegue sentir mais prazer? Ou um lugar em que mulheres casadas vão escondidas para voluntariamente serem brutalmente torturadas? A resposta de Von Trier para esses questionamentos é uma só: "eu não me importo".

Ele mesmo provoca, quando coloca diálogos na boca da sua heroína que parecem antecipar a polêmica: a solução que a sociedade inventou para não lidar com seus temas dolorosos é bloquear a palavra. Proíba a palavra, tudo fica "politicamente correto" e os problemas estão resolvido. E ele segue, meditando que "emudecer uma palavra é arrancar mais um tijolo da democracia". Faz pensar, não?

Devo dizer que apreciei muito mais o volume 1 do que o 2. E acho que a maioria das pessoas terá a mesma opinião. Não que um seja melhor ou pior que o outro, ou mostre "mais" ou "menos" "disso" ou "daquilo". Não é isso. O primeiro filme tem uma cadência mais agradável, e realmente vai nos enfeitiçando com o que Joe tem a contar. "Sou um ser humano terrível", ela diz, "e as minhas histórias serão prova disso". 

"Mea vulva, mea maxima vulva", Von Trier provoca em determinado momento. Seu novo trabalho é mais uma prova de que ele não tem medo de chocar

Honestamente? Não sei dizer se "Ninfomaníaca" é um filme para todos. Definitivamente ele não é visceral e escatológico como "Anticristo" nem desesperadoramente triste como "Melancholia". Ele habita um lugar muito seu, no meio do caminho, e me proporcionou quase 6 horas (ao todo, os dois volumes) de "entretenimento" recheado por reflexões, choque e puro embasbacamento. É o típico pugilismo que travamos com ele em seus filmes; onde, mesmo após uma série de socos no estômago, continuamos a apreciar a luta. Ao final, não soube organizar os meus pensamentos, nem chegar a conclusão alguma. 

Restou-me somente silêncio.


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