domingo, 4 de agosto de 2013

A GRAVATA PRETA


Assunto: Descoberta

Você me pediu para te escrever algo bonito. "Escreva algo", assim você me pediu, como se as palavras fossem purpurina, que se joga sobre uma folha desenhada com cola onde magicamente uma imagem se forma. "Escreva algo", assim você me pediu.

"Deseja salvar o rascunho?".

"Sim."

* * *

O nome no jornal não deixava sombra de dúvidas. Abriu o armário, a porta empenada que há meses ele prometera consertar. Escolheu uma camisa branca e uma gravata preta. Seria adequado. A janela pintava tons apropriados de negro e cinza, emoldurando uma chuva fina e fria. 

Avisou a sua mulher que voltaria para o jantar.

Chegou ao cemitério já ao final do serviço. Não havia sido convidado, naturalmente. Não após tantos anos. Quantos? Perguntava-se. Não tinha ideia. 

Muitos.

Caminhou lentamente por aquele labirinto de saudades e esquecimentos, os seus joelhos artríticos chorando pelo seu esforço. A sombra dos prédios fazendo desenhos sobre as tumbas espalhadas como irmãs pequeninas. Aquele cemitério imenso. Aproximou-se do lugar, já quase vazio, as pessoas indo embora, pouco a pouco, até que não restou mais ninguém.

Apenas ele, de pé, diante daquela lápide, observando com uma mistura de cerimônia e incredulidade.

Ele a encontrou, afinal, pós tanto tempo. Ali estava ela. Aquele nome na pedra, que ainda lhe causava arrepio. Leu uma, duas, três vezes, para ter certeza que não era a sua mente lhe pregando peças como sempre fazia. 

Ajoelhou-se, depositando uma rosa solitária sobre a pedra, tocando a cova recente com carinho. "Hoje o meu chão é o seu teto", sorriu amargamente.

Tirou uma folha de papel de dentro do casaco, dobrada e úmida. Havia impresso naquele dia, aquelas palavras guardadas, escondidas sob o peso de décadas. Aquele rascunho de uma mensagem nunca enviada. Ela não merecia essas palavras, à época, pensou. 

Talvez nem as merecesse, então, mas um dia como aquele era para se fazer consertos. Melhor, para enfim desenrolar o novelo de uma história que eventualmente se transformou num fiapo, uma descostura, e não mais que isso.

Eram só aquelas palavras que haviam sobrevivido. Todo o resto havia se perdido na passagem dos anos. Apenas aquela mensagem havia sobrado, o único elo com um passado já tão embaçado em suas memórias desgastadas que ele nem conseguia construir concretamente a cadeia de lembranças de forma coerente. 

Ela havia importado. Era o pensamento que sobrava da confusão dos seus pensamentos.

Leu um punhado de vezes aquela carta sem destinatário. Suspirou, olhando para o nome engravado no mármore novo, rico. Imaginou que ela teria gostado. E com algum esforço, conseguia retratar o sorriso dela, encaixado naquele rosto bonito, que ainda habitava o porão da sua mente. E que, como uma caixa de saudades, ainda naquele dia fazia o seu coração bater mais forte. 

Ela havia importado, pensava, sorrindo. 

Ali, sob a grama molhada, estava uma mulher que ele nunca conheceu. Uma senhora, enterrada entre as lágrimas e despedidas de filhos, netos, amigos. "Espero que você tenha feito valer a pena, meu bem". Sentia os olhos úmidos, não por causa da chuva fina. "Que você tenha vivido plenamente, que tenha amado, que tenha deixado algo". 

Ali, sob a grama molhada, estava uma mulher que ele nunca conheceu. 

Porque a menina dos seus olhos, a que o fazia rir e soltava as borboletas do seu abdômen, viveria para sempre no canto dos seus sorrisos sinceros, quando ele era visitado por lembranças repentinas, ou quando acreditava tê-la visto cruzando alguma esquina. Ela estava em todos os lugares que ele olhava. E em nenhum.

Levantou-se, com dificuldade, os joelhos rangendo pelo esforço. A tarde daquele dia de dezembro desaparecendo sobre os seus ombros molhados. Tocou a lápide pela última vez.

"Adeus".

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