O sol pintava o seu rosto com aquela luz morna, adorável, que o fazia sentir-se vivo. Rajadas rebeldes de vento sob as asas, ganhando altitude e então despencando, apenas por diversão. Aquela liberdade absurda, aquela imensidão, aquela sensação salina ao voar rente sobre a água do mar. Ouvia seus irmãos gritando ao longe, em sequência, e então voltava ao bando. Voavam juntos, livres, libertos. Pássaros.
A vida se resumia àquela sucessão de eventos simples, aquele encadeamento de eventos relacionados à fome, ao descanso, à procriação. Navegar entre as nuvens, roubar lanches de mãos desatentas, acasalar no calor das árvores. Sol, lua, ar, estrelas. Os dias eram iguais e completamente diferentes. A cada nova manhã.
Não havia limite para o que o horizonte dos seus olhos podia registrar. Campos verdes, fecundos, vivos, estendendo-se até as montanhas. Prédios de múltiplas formas, cores, materiais. Pessoas de rostos distintos, roupas, hábitos. Veículos de todos os tamanhos e sons, pontes, monumentos. Cidades gigantescas, ruas e rodovias, tentáculos de animais impossíveis. Fontes onde refrescar-se do calor, sombras, sementes, antenas e fios de alta tensão. O mundo era incrível, visto do alto.
Divertia-se com os animais do chão. As travessuras dos gatos nas janelas, os cães correndo atrás das suas bolas, os bichos diversos nos zoológicos, os outros pássaros, uns tão agradáveis outros tão perigosos. Amigos e inimigos. Como tudo na vida.
Rodopiava, enamorava-se das pipas, assobiava ao som de canções distantes, perdia-se nos labirintos de lençóis estendidos nos varais anônimos. Aquele cheiro, aqueles abraços deliciosamente frios ao redor de suas penas. Sentia saudades, sem saber do quê. Sentia faltas sem rosto, sem nome. Voava, partia, ía embora, esquecia-se dos endereços.
Havia algo no ar, sempre; uma energia, uma eletricidade, um cheiro. Algo de perfume, algo de comida sendo feita, algo de poluição. Havia algo nas madrugadas, nas noites de janelas insones. Nas luzes sem ordem, nos caleidoscópios solitários, espalhados pelas casas, ruas e avenidas. Os homens enrolados em panos puídos sob as marquises, as crianças em suas camas confortáveis, no topo dos prédios.
Via amantes ingressando naquela luta complexa que une homens e mulheres. Via jovens ganhando as ruas nas noites perigosas. Via o crime, via o bem e o mal. Via a alegria dos casamentos nas igrejas e as despedidas nos cemitérios. Risos, lágrimas, brigas, acidentes, buzinas e sirenes.
Documentava tudo, com seus olhos pequeninos e curiosos. E parecia esquecer tudo, a cada novo dia. Culpava aquela sua cabecinha pequenina, todas as vezes que testemunhava um pôr-do-sol inesquecível. E praguejava, sozinho, por saber que não lembraria de nada daquilo quando o sol surgisse novamente no horizonte. Suas lembranças passageiras, desaparecidas. Suas lembranças de pássaro.
E parecia, ele mesmo, desaparecer na névoa, na penumbra que tomava a cidade. Era quando aqueles sons intermitentes, sequenciais, esverdeados, martelavam em seus ouvidos. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Abria os olhos lentamente, iluminados pelo sol morno na janela. Seu corpo imóvel, sua língua muda, aquelas pessoas sem nome observando-o aflitas. O desespero de não conseguir mexer nenhum músculo de seu corpo. Os olhos pingando lágrimas sinceras, esperançosas, por uma nova noite de sonhos.
Seu sonho de pássaro.
A vida se resumia àquela sucessão de eventos simples, aquele encadeamento de eventos relacionados à fome, ao descanso, à procriação. Navegar entre as nuvens, roubar lanches de mãos desatentas, acasalar no calor das árvores. Sol, lua, ar, estrelas. Os dias eram iguais e completamente diferentes. A cada nova manhã.
Não havia limite para o que o horizonte dos seus olhos podia registrar. Campos verdes, fecundos, vivos, estendendo-se até as montanhas. Prédios de múltiplas formas, cores, materiais. Pessoas de rostos distintos, roupas, hábitos. Veículos de todos os tamanhos e sons, pontes, monumentos. Cidades gigantescas, ruas e rodovias, tentáculos de animais impossíveis. Fontes onde refrescar-se do calor, sombras, sementes, antenas e fios de alta tensão. O mundo era incrível, visto do alto.
Divertia-se com os animais do chão. As travessuras dos gatos nas janelas, os cães correndo atrás das suas bolas, os bichos diversos nos zoológicos, os outros pássaros, uns tão agradáveis outros tão perigosos. Amigos e inimigos. Como tudo na vida.
Rodopiava, enamorava-se das pipas, assobiava ao som de canções distantes, perdia-se nos labirintos de lençóis estendidos nos varais anônimos. Aquele cheiro, aqueles abraços deliciosamente frios ao redor de suas penas. Sentia saudades, sem saber do quê. Sentia faltas sem rosto, sem nome. Voava, partia, ía embora, esquecia-se dos endereços.
Havia algo no ar, sempre; uma energia, uma eletricidade, um cheiro. Algo de perfume, algo de comida sendo feita, algo de poluição. Havia algo nas madrugadas, nas noites de janelas insones. Nas luzes sem ordem, nos caleidoscópios solitários, espalhados pelas casas, ruas e avenidas. Os homens enrolados em panos puídos sob as marquises, as crianças em suas camas confortáveis, no topo dos prédios.
Via amantes ingressando naquela luta complexa que une homens e mulheres. Via jovens ganhando as ruas nas noites perigosas. Via o crime, via o bem e o mal. Via a alegria dos casamentos nas igrejas e as despedidas nos cemitérios. Risos, lágrimas, brigas, acidentes, buzinas e sirenes.
Documentava tudo, com seus olhos pequeninos e curiosos. E parecia esquecer tudo, a cada novo dia. Culpava aquela sua cabecinha pequenina, todas as vezes que testemunhava um pôr-do-sol inesquecível. E praguejava, sozinho, por saber que não lembraria de nada daquilo quando o sol surgisse novamente no horizonte. Suas lembranças passageiras, desaparecidas. Suas lembranças de pássaro.
E parecia, ele mesmo, desaparecer na névoa, na penumbra que tomava a cidade. Era quando aqueles sons intermitentes, sequenciais, esverdeados, martelavam em seus ouvidos. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Abria os olhos lentamente, iluminados pelo sol morno na janela. Seu corpo imóvel, sua língua muda, aquelas pessoas sem nome observando-o aflitas. O desespero de não conseguir mexer nenhum músculo de seu corpo. Os olhos pingando lágrimas sinceras, esperançosas, por uma nova noite de sonhos.
Seu sonho de pássaro.
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